MISSÃO MARABÁ

10 anos de luta por memória,
verdade e justiça
para Zé Claudio e Maria

 



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MISSÃO MARABÁ

10 anos de luta por memória,
verdade e justiça
para Zé Claudio e Maria

 



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foto: Mídia NINJA 

Cobertura Fotográfica

A Mídia NINJA esteve em Marabá em 2013 acompanhando o julgamento dos assassinos de Zé Claudio e Maria, que eram defensores da floresta e da reserva extrativista aonde viviam. Dez anos após o crime, voltamos à cidade paraense para a romaria organizada pelo Instituto Zé Claudio e Maria, que foi criado por Claudelice Santos, irmã de Zé e também acompanhar o caso, que ainda não teve desfecho. O mandante do assassinato ainda está foragido.

O projeto político que privilegia o desenvolvimento econômico voraz em detrimento da preservação ambiental ameaça não só a vida da floresta, como de quem vive nela e dela. Muitos dos que se colocam como resistência, são ameaçados, criminalizados e até silenciados para sempre. Mas dificilmente terá sido em vão.

É o caso dos ambientalistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria Espírito Santo que se tornaram mártires da floresta, mas seus nomes jamais serão esquecidos, pois sua luta virou legado.

O sangue de Zé e Maria escorre pela Amazônia, região que concentra o maior número de conflitos e assassinatos no campo do país. Junto a outros ativistas, como Chico Mendes e Dorothy Stang, eles simbolizam a luta de milhares de pessoas no mundo todo e desse modo, são reconhecidos como dois importantes nomes do ambientalismo mundial.

Para homenageá-los e ao mesmo tempo, dar visibilidade ao caso que segue impune, a reportagem da Casa Ninja Amazônia Mídia Ninja partiu para Missão Marabá, no Pará, rumo ao lar do casal, em Nova Ipixuna, que se tornou um memorial. Lá, participamos da celebração de 10 anos de sua partida. O histórico de luta dos dois e o legado que deixaram às novas gerações também são tema da reportagem. Atualmente, o Instituto Zé Claudio e Maria, que tem à frente a irmã dele, Claudelice Santos dá suporte a defensores da terra livre, dos direitos humanos e do meio ambiente que são ameaçados por sua luta.

Confira!

 























































Foto: Acervo Instituto Zé Claudio e Maria

Zé e Maria:

Gigantes tombaram por defender a Terra livre e florestas em pé

José Claudio Ribeiro da Silva e Maria Espírito Santo, dedicaram suas vidas a defender a floresta e os modos tradicionais de vida, o quanto puderam.

Essa trajetória foi interrompida na manhã do dia 24 de maio de 2011, quando foram mortos em uma emboscada perto de casa, no Assentamento Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna (PA). 

Os executores do crime, os pistoleiros Alberto Lopes do Nascimento e Lindonjonson Silva Rocha cumprem pena de mais de 40 anos, mas o mandante, José Rodrigues, que foi sentenciado a 60 anos de prisão em 2016, a polícia ainda não conseguiu capturar.

A morte do casal soma aos tristes números de conflitos no campo no Brasil. Em 2011, eles foram dois dos 30 guardiões da floresta mortos por defender seu território, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Quem conviveu com o casal ou que admira sua história, costuma participar anualmente da Romaria dos Mártires da Floresta, em Marabá. 

Seguem rumo a Nova Ipixuna e acampam no quintal sob a proteção de Majestade, castanheira centenária adotada por Zé e Maria e assim batizada. Certamente que eles permanecem espiritualmente ligados a ela. Neste ano, a celebração foi virtual, transmitida pelas redes sociais. Apenas familiares participaram.  

O trajeto da romaria é de 8 km. “Começou em 2016, mas desde 2011 era realizado um ato. A romaria começa do lugar onde foram tombados, em direção à casa deles. Nós refazemos o caminho. A segunda parada é no curral onde os vaqueiros viram os dois passarem. O outro, na escola e acenaram para Laísa que estava dando aula. Zé buzinou. Foi a última vez que se viram.

Quando chegamos à majestade sentimos o amor que a natureza tem para nos dar. Por fim, tem comidinha na casa de Zé e Maria e no dia seguinte, outra celebração ao pé da Majestade”.

 
























Foto: Mídia NINJA

 

Meses antes de morrer, em entrevista ao jornalista Felipe Milanez, Zé Claudio manifestou a pureza de seus pensamentos ao comparar as árvores a irmãs 

Eu sou filho da floresta eu vivo delas, dependo delas. Quando eu vejo uma árvore dessa, em cima de um caminhão, indo para serraria, me dá uma dor que é o mesmo que estar vendo um cortejo fúnebre levando o ente mais querido que você tem

Zé Claudi0

Pela comoção popular mundial e pelo empenho da família, o histórico de luta dos dois continua sendo lembrado. É um chamado para que estejam vivos os sonhos de Maria e José. A Majestade ficou órfã, mas ganhou irmãos do mundo inteiro.

Atualmente, o instituto, além de preservar a memória dos ativistas e não medir esforços para que a justiça seja feita com a prisão do mandante do crime, atua no suporte de ambientalistas que correm risco de morte.

Batizada Majestade, a castanheira centenária do quintal de casa virou símbolo da luta do casal Foto: Mídia NINJA

Claudelice Santos, a irmã de Zé, é quem está à frente da organização. No primeiro episódio de uma série de podcasts produzidos em razão dos dez anos do assassinato do casal, ela conta como os dois se conheceram.

“Foi durante as eleições de 1986. Ela era mesária, como era professora, foi chamada. E ele votava nessa sessão. Então eles se olharam e se gostaram e logo começaram a namorar. Chegou um ponto em que estavam morando juntos”.

Maria era da região de São João do Araguaia, de família ribeirinha. Para estudar, a família foi para Marabá, mas os pais não se acostumaram e então eles a deixaram em casa de família para estudar.

No mesmo episódio, o áudio de José, gravado por Milanez é reproduzido:

“Eu era fora de movimento social, eu não fazia parte. Eu cuidava da minha vidinha, cuidava da minha roça, criava meu porco eu vivia no meu cantinho”. Na década de 1980, o avô Nelson comprou um pedaço de terra, onde hoje é a Praialta Piranheira. A comunhão com o meio ambiente já motivava sua existência.

Mas antes eram terras devolutas e não tinha regularização. Assim que ele conheceu a Maria, decidiram que iam morar lá. Lembro da primeira roça de arroz, das dificuldades que passávamos quando íamos para lá. Basicamente vivíamos da extração da castanha do Pará e das pequenas roças”, relembra.

Depois de um tempo vivendo lá e motivado pela manutenção do modo de vida tradicional, José começou a se interessar pelo “papo de preservação”, como revela um áudio seu.

“Comecei a me interessar pelo papo de preservação porque eu já era meio um ambientalista. Em 1997 criamos o projeto de assentamento e uma associação aqui dentro e me colocaram como presidente da associação”. Maria assumiu a liderança na sequência.

Começava aí a trajetória do casal em defesa da floreta. Em áudio, Maria revela o que pensava daquele pedaço de terra que ocupava.

 

Essa terra, que chamamos de nossa, é da união e tenho a obrigação de cuidar dela, procurar viver da maneira melhor possível com ela e mostrar para a sociedade que é possível se viver dos recursos da floresta de maneira sustentável

Maria

 

 

Além das tarefas de casa, agricultura e extrativismo Maria ainda encontrava tempo para estudar Foto: Felipe Milanez

Essencialmente, essa era a vida do casal: cuidar da terra e obter sustento dela, como agricultores e extrativistas. Claudelice destaca que a professora Maria não parava de estudar. “Ela estudou pelo Pronera, o Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária e ela se desdobrava em ser a mulher acadêmica, estudiosa e pesquisadora”.

E assim, a vida deles era compartilhar os dias e os afazeres domésticos, incluindo o plantio e o extrativismo e ainda, “em se desdobrar entre a luta pela preservação e participar ativamente dos processos sociais da comunidade. Eram prestativos com a família e com a comunidade”, enfatiza Claudelice.

José Claudio se declarou castanheiro, desde que tinha 7 anos de idade: “vivo da floresta, protejo ela” Foto: Felipe Milanez

O casal militava contra a extração ilegal e tráfico de madeira. Ao Felipe Milanez, contou como a exploração desenfreada mudou o cenário.
“A gente tinha uma cobertura vegetal de 85% de floresta nativa onde concentrava castanha e cupuaçu. Hoje resta pouco mais de 20% dessa cobertura já fragmentada em muitos lugares. É um desastre para quem vive do extrativismo como eu, que sou castanheiro, desde os 7 anos vivo da floresta, protejo ela”.

Maria corroborou:

 

“Ah, é uma arvorezinha, uma madeirinha, tudo é pequenininho, mas o rombo na floresta fica imenso, é irreparável”

MARIA

Como sempre, José falava de árvores como se fossem pessoas, pois ele reconhecia nelas, fonte de vida. “Você sente quando vai cair, você escuta o gemido dela, ela range o tronco. E aí você vê as folhas como que rogando a Deus. Aí vem o estrondo. Mais um gigante da selva tombou”.


Junto com a regularização do assentamento, foi se intensificando a pressão de madeireiros. “Vivo em constante pressão. Vivo aqui de orelha em pé de noite, a gente não consegue dormir direito, cachorro quando late você fica alerta”, disse José, como que antevendo que alguma coisa aconteceria a ele.

“E madeireiro já veio aqui oferecer propina. Sabe que a gente não vai receber e adiante eles podem pegar a gente”, denunciou Maria.

José queixava-se que não havia legislação para cortar árvores como a castanheira, mogno, andiroba, copaíba, mas ainda assim havia um mercado consumidor. “Porque não procuram a origem? Aqui fica o estrago, o buraco”.
Por sua vez, Maria sonhava com o dia que as serrarias e carvoarias fossem fechadas.

“Denunciando madeireiro, denunciando todo mundo, fotografando madeireiro, foto de carvão, todo esse tipo de ilegalidade que a gente vê dentro do assentamento.

Tem gente que diz que não vale a pena. Para mim vale a pena. Para mim, a pior coisa do ser humano é a omissão. Saber que é um risco, isso aí não tenho dúvida, dizer que não tenho medo, seria hipócrita”.

 MARIA


Em registros do evento TEDx Amazônia, José também fala sobre a sensação, mas o amor pela floresta era muito maior.

“Vivo da floresta, protejo ela de todo jeito. Por isso eu vivo com a bala na cabeça a qualquer hora. Denuncio os madeireiros, denuncio os carvoeiros, por isso, eles acham que eu não posso existir. Eu posso estar conversando com vocês daqui um mês e vocês podem receber a notícia de que eu desapareci. Me pergunta, ‘tem medo?’, tenho, sou ser humano, tenho medo. Mas o meu medo não empata de eu ficar calado. Enquanto eu tiver força para andar, denunciarei todos aqueles que prejudicam a floresta”.

E foi o caso dos ambientalistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria Espírito Santo que se tornaram mártires da floresta, mas seus nomes jamais serão esquecidos, pois sua luta virou legado.

 

 




















Foto: Mídia Ninja

“Vivo com a bala na cabeça”,

disse defensor  da floresta meses antes de ser assassinado

 

A todos Zé Claudio reforçava seu compromisso em defender a floresta viva e sabia dos riscos que corria, como disse ao jornalista Victor Gomez em novembro de 2010.

“Eu defendo a floresta em pé e seus habitantes, em pé. Mas devido ao meu trabalho, sou ameaçado de morte pelos empresários da madeira, camaradas que não querem ver a floresta em pé e isso tem me trazido problemas quando se fala da vida. A gente quer permanecer vivo, igual eu luto pela floresta viva. É um bem que fica para as futuras famílias que vêm aí.”

Zé Claudio

A coragem e ousadia que Zé e Maria tinham de denunciar práticas ilegais, os colocavam sob a mira de malfeitores e as ameaças se avolumavam ano a ano desde que se estabeleceram por lá e o assentamento foi criado, em 1997. Até mesmo quando buscavam meios oficiais, eram vítimas de injustiça.

Houve um tempo em que funcionários de órgãos ambientais que realizavam as vistorias chegavam a apontá-los publicamente como os autores de denúncias. Mas mesmo sem a acolhida que mereciam, sem a proteção do Estado, não esmoreciam no combate a crimes ambientais e violação de direitos humanos. Em entrevista a Victor Gomez, disse ainda:

“Entre liderança, o cara que defende o meio ambiente, e o capital, os caras vão ficar do lado do capital. O dinheiro movimenta pessoas que têm como pensamento, ganhar mais dinheiro. Que não é o meu caso”.

Zé Claudio

Meses antes do atentado contra sua vida, a outro jornalista, Felipe Milanez, teria dito com ares de resignação: “vivo com a bala na cabeça”.

A irmã de Zé Claudio, Claudelice contou à reportagem da Mídia NINJA que além de constantes ameaças que chegavam por “recados” ao casal, eles eram vigiados constantemente.

“Zé falava alto. Eu acredito que eles só conseguiram surpreender os dois porque sabiam que eles sairiam cedo no dia seguinte. Certamente que tinha alguém na beirada da casa os escutando de noite. Não tinha como alguém saber. A única pessoa que sabia que eles sairiam era uma vizinha, que era amiga e que emprestou dinheiro para eles”.

Normalmente, conta ela, eles entravam para casa às 17h30 e só saíam no dia seguinte por medo de serem atacados no cair da noite.

Naquele dia, depois de passar na casa da vizinha, seguiriam rumo a Marabá. Lá pegariam mais um pouco com outra amiga para então enviar dinheiro a uma irmã de Zé Claudio, que morava em Tocantins e estava com problemas de saúde.

Nunca chegaram a Marabá e nunca mais voltaram para casa.

“Eu digo que mataram a gente também. Mas a gente usou toda nossa dor para lutar por justiça e para dizer que eles permanecem vivos na nossa memória. A vida continua para aqueles que acreditam que a floresta é viva”.

Ambos, foram mortos a tiros. No local do assassinato, Claudelice nos revela como foi aquele dia fatídico.

Claudelice aponta local dos assassinatos; uma cruz foi colocada na estrada em memória deles Foto: Mídia Ninja


Zé e Maria estavam de moto e quando tiveram de reduzir para passar em uma ponte, os pistoleiros, que estavam de tocaia, os atingiram.

“O vaqueiro viu quando os assassinos passaram às 5h30 e quando Zé e Maria passaram também, duas horas depois. Há meses eles vinham estudando uma maneira de matá-los. Tinha um pontilhão, tinha uns paus parados, lama. Eles precisariam diminuir a velocidade para passar. O crime foi premeditado”.

Ela acredita que não teriam agido sozinhos. Que outras pessoas podem ter dado suporte para que o casal fosse assassinado, mas sequer entraram no rol de acusados. Enquanto Alberto Lopes do Nascimento e Lindonjonson Silva Rocha seguem presos, o mandante, José Rodrigues continua fugindo. “Eles haviam chegado no final de 2009 e os juraram de morte. A Justiça não foi feita por completo”, diz Claudelice.

Ela conta que antes da cruz, havia uma placa in memoriam. “Era uma fala dele no TEDx Amazônia: ‘A mesma coisa que fizeram com Chico e com a irmã Dorothy querem fazer comigo’. E essa placa foi sendo destruída por tiros. E então colocamos a cruz”. Como que se pedissem respeito.

Detalhe da casa de Zé e Maria que é preservada pela família praticamente como foi deixada por eles Foto: Mídia Ninja

Claudelice esteve no local logo que soube da notícia. “Fui com a polícia e o carro do IML atrás. Eu já sabia que Zé estava morto, mas não sabia que Maria também estava. Foi a cena mais terrível e dolorosa que eu já vi. Eu queria entrar na terra de tanta dor. O corpo dele foi jogado nesse pé de caju”, aponta.

“E o corpo de Maria estava mais para frente. Os assassinos ficaram posicionados de um modo que deram os primeiros tiros da mata e quando eles tombaram, terminaram o serviço. Ali na entrada tem uma entrada. Foi ali que esconderam a moto e onde foi encontrada uma touca com fios de cabelo”. A análise de DNA apontou para os irmãos Lindonjonson e Zé Rodrigues. “Era de um dos dois, mas os dois estavam envolvidos. Meu irmão estava sem a orelha direita”. Uma prova do serviço realizado.

Condenado pela Justiça por ser mandante do crime, José Rodrigues chegou ao assentamento no final de 2009. Comprou um pedaço de terra, e perto haviam três famílias e muita floresta. Zé e Maria costumavam enfrentar resistência também a ações ilegais de acúmulo de terras.

“Laranjas” passariam a comprar terras e revender a José Rodrigues. O casal discordava da concentração de terras nas mãos de poucos, que tinham como objetivo devastar o território. E ainda mais em se tratando de um assentamento que tinha como propósito a multiplicação de oportunidades para pequenos agricultores e não para fazendeiros.

Mas ele teria as expulsado prometendo incendiar seus barracos e até chamar a Polícia Militar de Nova Ipixuna. Uma destas pessoas teria assinado um termo de desistência da terra, a repassando para José Rodrigues. Foi quando Zé Claudio e Maria, junto à Comissão Pastoral da Terra denunciaram o caso à Delegacia Especializada de Conflitos Agrários.

A partir daí as ameaças foram diretas. “Ele chegava a dizer nos lugares, nos barzinhos, onde fosse, que meu irmão e minha cunhada eram mortos-vivos. Em 2011 ele conseguiu executar o que prometeu”.

Junto ao Instituto, nas redes sociais, Claudelice mantem campanha para saber o paradeiro de José Rodrigues para que então, “haja justiça completa”, como ela reforça.

 

“É muito triste pensar nisso tudo. Maria por exemplo, estava muito empolgada com um projeto de manejo florestal. Ela não queria perder a vida. A gente sabia do perigo, mas não tinha noção que ia ter esse desfecho”.


Claudelice recorda-se de uma reunião no barracão da Associação. “Eu falei que eu dava minha vida pela floresta. Zé retrucou e disse: ‘eu não dou não’. Eu era muito nova. Era uma visão utópica, romântica. Ele disse: ‘eu luto por ela, mas não daria minha vida’. Aquele dia minha ficha caiu”.


E nesse ponto, Zé Claudio já era ameaçado. “Daí eu disse mas se alguém te matar, nós vamos te vingar. Mas jamais imaginei que eu tivesse que fazer isso. A gente estava tão feliz. Mas estava ficando cada dia mais perigoso. Nunca imaginei que fosse ter que cumprir a promessa”.
Mas a vingança de Claudelice tem outros impulsos.

“Eles cortaram? Nós plantamos. Eles mataram Zé e Maria? A gente ajuda outros. Eu sei que de onde estiverem, eles estão sabendo que estamos fazendo vingança quando mantemos a luta e a memória em pé. Dez anos se passaram mas eles não foram esquecidos. E não serão”.

Uma multidão acompanhou funeral e sepultamento Foto: Rodolfo Oliveira/Agência Pará

O sepultamento aconteceu no dia 26 de maio. A despedida foi emocionante. Representantes de movimentos sociais, vizinhos, familiares e amigos fizeram uma vigília madrugada adentro para homenagear José e Maria.

De manhã, um cortejo com mais de 5 mil pessoas seguiu para o cemitério de Marabá. Houve interdição da BR-222 e da Estrada de Ferro de Carajás.

(Reprodução blog Quaradouro/Ademar Braz)

 


Depois da morte do casal, o Ministério Público Federal do Pará pediu à Polícia Federal e autoridades de segurança pública do Estado que agissem com rigor nas investigações sobre ameaças e assassinatos cometidos contra defensores do meio ambiente e alvo certo da violência do campo.


A Força Nacional começou a investigar então, ameaças de madeireiros que desmatavam ilegalmente em Nova Ipixuna e que ameaçavam quem se opunha à extração ilegal de madeira. Serrarias também foram fechadas na região.

No pedido da promotoria federal, foi reforçada a informação de que madeireiros estariam oferecendo R$ 80 mil por assassinatos. O MPF pediu também proteção a ativistas ameaçados.


De outro lado, a morte que causou comoção mundial foi alvo de deboche de ruralistas. No plenário, no dia 24, o deputado federal Sarney Filho (PV-MA) ocupou a tribuna para denunciar o assassinato e homenagear o casal. Foi vaiado por ruralistas presentes nas galerias da Câmara, à espera da votação do Código Florestal.

 

Polícia ainda não conseguiu prender mandante dos assassinatos


As famílias de José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo clamam por justiça e anseiam pelo dia em que José Rodrigues estará atrás das grades. Claudelice conta que o mesmo havia se mudado para o assentamento que o casal de ambientalistas vivia e defendia sua preservação e uso adequado em benefício dos que tinham apenas aquele pedaço de terra. Mas isso ia na contramão do objetivo do fazendeiro, que era acumular lotes. Para tanto, se utilizava de práticas ilegais.

O fazendeiro era um dos muitos que pressionava famílias para comprar áreas.
“Haviam pistoleiros armados, queimavam-se barracos como forma de intimidar e expulsar essas famílias. Queimavam lavouras ou colocavam gado para comê-las”, relembra.

Por muitas vezes Zé Cláudio e Maria agiram em defesa dos pequenos e realizavam denúncias ao Incra, Ibama e autoridades policiais. Isso despertava a ira de fazendeiros, madeireiros e carvoeiros. E principalmente, de Zé Rodrigues que os jurou de morte e cumpriu a promessa.

Quando do início das investigações do crime, haviam muitos indícios de envolvimento de Alberto e dos irmãos, tanto é que em julho de 2011 a prisão dos três foi decretada.

Enfim, em 18 de setembro de 2011 os irmãos Lindonjonson e Zé Rodrigues foram presos sob a acusação de terem cometido o duplo-homicídio, tendo sido alvo de uma operação entre as polícias Civil e Militar. Foram encontrados escondidos em uma casa na zona rural de Novo Repartimento (PA). Eles ainda tentaram resistir à prisão. Na operação a polícia apreendeu três revólveres calibre 38, uma espingarda e 15 cartuchos de munição.

 

Defesa disse insistia na inocência, mas depois da morte do casal, passaram a fugir da justiça Foto: Alessandra Serrão / Agência Pará

Além de todas as ameaças que sofreram em vida, e da própria execução da qual foram vítimas por defenderem a preservação da floresta em detrimento do desmatamento causado pela pecuária ou extração ilegal de madeira, o casal de agricultores e extrativistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo foram injustiçados mais uma vez, no pós-morte.

 

Maria e Zé Claudio perseguiam e fotografavam os caminhões que levavam embora as árvores derrubadas ilegalmente no assentamento

Foto: Acervo Instituto Zé Claudio e Maria

Diante dos resultados das investigações policiais, a atuação do juiz Murilo Lemos Leão foi bastante incoerente. No primeiro julgamento, realizado em abril de 2013, sugeriu que Zé e Maria tinham contribuído com a própria morte e assim, motivou que o júri desconsiderasse a participação de José Rodrigues.

Claudelice desabafa: “imagine só! Eles eram responsáveis porque paravam caminhões com toras de madeira, auxiliavam famílias perseguidas por pistoleiros e pegavam essas mesmas famílias, que tinham tido suas casas queimadas, e os levava para fazer denúncias”.

A impunidade e a angustia.
“É um grito que ninguém escuta. Uma luta pela qual somos penalizados. Quem tem dinheiro mata o trabalhador e nada acontece. É a generalização da violência gerada pela impunidade”.

Ela relembra que depois de dois dias de julgamento e 16 testemunhas ouvidas e quatro votos a três, José Rodrigues acabou sendo absolvido. Ela se revoltou contra o veredito que inocentou o mandante do crime, segundo o tribunal, por não haver provas consistentes.

Instituto protege defensores e comunidade dá continuidade a legado

Claudelice Santos (Irmã do Zé Claudio), Cláudia Leticia sua filha e Clara Santos (Prima do Zé Claudio) continuam semeando vida na floresta. A família assumiu o legado do Zé Claudio e da Maria criando entidade de apoio a defensores. Foto: Mídia NINJA

Uma tragédia pessoal leva a ativista Claudelice Santos ao encontro de vidas, que assim como a dela, são ameaçadas. A morte do irmão mais velho, José Cláudio Ribeiro da Silva e da cunhada, Maria do Espírito Santo deixou uma ferida aberta.

“O medo que eles sentiram, sentimos todos os dias. Mas não podemos deixá-lo nos travar. Precisamos seguir e continuar”.

Mas a liberdade de José Rodrigues compromete a de Claudelice.

Assim, como ela, milhares de lideranças que atuam com destaque ou de maneira anônima nos grandes centros ou rincões do Brasil temem por suas vidas. O recém-formalizado Instituto Zé e Maria, que antes era uma organização, foi criado justamente para garantir suporte e proteção a esses defensores.

 

“O Instituto existe para que as pessoas saibam que se pedirem ajuda, alguém vai fazer alguma coisa. Quando alguém fala que está sendo ameaçado de morte, muita gente coloca essa afirmação em dúvida. A pessoa é desmoralizada e desacreditada até o dia em que é assassinada. O Estado ou oprime ou se omite”, desabafa.

 

“Desde os anos 2000 haviam conflitos dentro do assentamento, tanto de violação de direitos humanos quanto de crimes ambientais. Mas o Estado focava nos agricultores e não nos fazendeiros. Sem resolver o conflito, acabou apertando o gatilho. O Estado é tão responsável quanto os executores e o mandante”.

Ironicamente o assentamento foi criado em 1997 para garantir extinguir conflitos. “Mas em 2009, um homem de fora compra uma área e quer muito mais. Quem teria o aparato para garantir que o assentamento tivesse seu propósito mantido? Os agricultores é que não são”.

Ela tenta aprender com a observação de casos e com o próprio. “Só temos a nós mesmos. Então, com a minha experiência, fui desenvolvendo protocolos de segurança e estratégias de guerra. Zé e Maria mesmo, criaram fórmulas como ir com uma roupa e voltar para casa com outra, intercalar as estradas de acesso à sua casa, por exemplo”.

Para ela, redes de denúncia e de apoio são essenciais para a vida de defensores. “Às vezes penso que não estou sendo tão ousada quanto meu irmão e Maria eram, mas tentamos continuar vivos, pois não precisamos de mais mártires.

Os conflitos no campo, que já vinham se agravando, principalmente por posicionamentos políticos que vão na contramão da legalidade, Claudelice Santos viu saltar a demanda por proteção durante a pandemia. Desde 2017, ela tem se mobilizado pela construção de uma rede de apoio e tem feito a conexão de parceiros para ajudar defensores ameaçados.

 

“Muitos, assim como Zé, Maria e eu, somos jurados de morte e sequer são investigadas as ameaças. Com o instituto, conectamos pessoas e movimentos, como o Frontline Defenders, com quem precisa de ajuda. Também acionamos apoios de fundos para suprir demandas urgentes dos defensores”.

Apoio jurídico, psicológico, de comunicação como telefone, rádio ou internet e placas solares figuram entre as principais demandas. Atualmente, mais de 30 defensores são assistidos pelo instituto.

“O apoio tem fins diversificados, pois os defensores necessitam coisas diferentes em tempos diferentes. Atualmente, em tempos de pandemia, cresceram os pedidos por acompanhamento psicológico”. Ainda mais em um tempo em que a necessidade de distanciamento social os impõe uma condição de isolamento.

Diante do cenário, aumentaram as demandas também, por rádios de comunicação, pois muitos deles moram em regiões afastadas dos grandes centros em que não há internet.

“Há especificidades de caso a caso. Há os que precisam de ajuda médica depois de serem vítimas de violência. Ou que necessitem garantir comunicação o tempo todo via internet, mas a sua localidade não dispõe de energia, daí temos que instalar placas solares por exemplo. Coisas que demandam muitos custos e então, precisamos de parceiros”. Alguns deles compartilham sua expertise na elaboração de planejamento de esquemas de segurança e análises de rotas de fugas.

Por sua vivência nesse sentido, foi convida a auxiliar grupo da Organização das Nações Unidas (ONU) que trabalha na elaboração de um protocolo de segurança para defensores que vai servir, inclusive, para a América Latina.

 

 

Foto: Mídia Ninja

Sinto muito por Zé e Maria nunca terem tido esse apoio”. Ela relembra que Maria também desenvolveu um quadro de esquizofrenia antes de sua morte. Zé já havia falado sobre a dificuldade de dormir com medo de serem surpreendidos na calada da noite. Temendo por ataques noturnos, eles fechavam as portas de casa às 17h30 e de lá só saíam no amanhecer do outro dia.

“Mas não era algo que ela já tinha. Foram as ameaças de morte que desenvolveram o transtorno. E a pressão sobre as mulheres é ainda maior que a dos homens. Eles são muito mais cruéis contra as mulheres, as desmoralizando moralmente, sugerindo promiscuidade ou assediando sexualmente”. A irmã de Maria, Laísa Espírito Santo, também somatizou o peso do medo. “Ela teve uma isquemia tamanha a pressão que sofreu quando decidiu voltar para Nova Ipixuna depois que eles morreram”. Ela foi embora depois de alguns atentados.

Nos últimos dez anos (2011-2020), a CPT registrou 77 tentativas e 37 assassinatos de mulheres em conflitos fundiários e socioambientais. Maria está entre elas. Eram trabalhadoras rurais, sem-terra, quilombolas e das etnias originárias, em sua maioria.

Claudelice enfatiza, que não são só as lideranças que são ameaçadas. Suas famílias também vivem sob a mira.

“Minha vida mudou completamente depois da morte deles. Morávamos em um assentamento, tínhamos uma vida em comunidade, mas não podemos mais voltar. A gente teme por nós e pelos nossos. Vou lá e volto. Minha casa é cheia de câmeras de segurança. A gente tem um planejamento pra sair e entrar”. Seu carro já foi perseguido e em 2019 recebeu um aviso na caixa do correio: “vamos matar o resto da família”. Mesmo com todos as ameaças, ela não dispõe de suporte de forças de segurança do Estado.

Além de terem inspirado a criação de um projeto dessa magnitude eles ajudaram também, a transformar a realidade da comunidade. Depois da morte de Zé Cláudio e Maria, quase não há mais conflito.

” As madeireiras foram embora porque praticamente tudo foi desmatado. Mas depois da morte deles houveram algumas operações, multas mais severas. As madeireiras subiram para a Transamazônia, os fornos de carvão foram destruídos. O lote do casal é um dos únicos 90% preservado”

O resultado do julgamento revoltou Claudelice que buscou apoio de entidades de defesa de direitos Fotos: Mídia NINJA

Mesmo impactada pela decisão judicial que sentenciou os executores Lindonjonson Silva Rocha e Alberto Lopes do Nascimento a 42 e 8 meses e 45 anos de prisão, respectivamente, mas absolveu José Rodrigues Moreira, Claudelice juntou forças e foi à luta. Buscou apoio da Comissão Pastoral e de entidades de defesa dos direitos humanos para solicitar um novo julgamento e tentar reverter a decisão favorável ao mandante.

Ao final do julgamento de 2013, o advogado Vandergleisson Fernandes, que defendia o trio, criticou órgãos de defesa da terra, meio ambiente e direitos humanos, dizendo que os réus haviam entrado no tribunal já como condenados, “mas a resposta foi dada pela própria sociedade que compõe o júri, que é soberano e mostrou que não aceita que se diga o que ele deve fazer”.

Segundo ele, não havia testemunha ocular e provas concretas, além de falhas de investigação policial e que ainda, José Claudio era alvo de ameaças de todos os lados. Feliz por ter inocentado José, declarou que sua insatisfação se resumia à condenação de Lindonjonson, contra a qual recorreria.

Somando forças à busca por justiça, a Mídia Ninja vem acompanhado os desdobramentos do caso e nos dois dias de julgamento (3 e 4 de abril), em iniciativa pioneira, fez transmissão ao vivo e registrou as manifestações de protesto. A midiatização do caso foi determinante para a sentença dos executores. E também, para que o julgamento de José Rodrigues fosse revisto futuramente.

“A pressão popular foi muito importante. Foi um crime de repercussão internacional, ao tempo em que assassinatos contra defensores ambientais costumam repercutir no máximo, localmente. Infelizmente haviam provas colhidas pela Polícia Federal que não foram levadas em consideração sob a justificativa de conflito de competências”, conta.

 

“Outras pessoas teriam se tornado réus. Afinal, não há como pensar em um crime de pistolagem sem que haja executor, mandante e até mais gente envolvida. É preciso recurso financeiro para aquisição de armas, para pagar equipe de fuga, por exemplo”.

 

Na sentença, diz ela, o juiz criticou Zé e Maria, dizendo que eles não teriam procurado o Estado para resolver o conflito, mesmo diante de tantos registros de denúncias. “Disse que tinham feito justiça com as próprias mãos e isso os tornava responsáveis por suas mortes. Mas esse não é um caso isolado. É quase uma regra os verdadeiros criminosos não serem punidos na totalidade”.

 

Foto: Mídia NINJA

Foi então que em 12 de agosto de 2014 o julgamento de José Rodrigues foi anulado. A 1ª Câmara do Pará julgou recurso do Ministério Público e acolheu o argumento que alegava que a decisão do conselho de sentença do Tribunal do Júri de Marabá tinha sido contrária às provas apresentadas nos autos, pois testemunhas haviam vinculado o réu à autoria intelectual do crime.

“As vítimas ganharam a inimizade do réu porque denunciaram a irregularidade na compra de terras destinadas a assentamento de agricultores. Desde então, o acusado teria feito várias ameaças, além de promover atos violentos contra os colonos”, dizia trecho da decisão que anulou o julgamento de José e decretou a prisão preventiva do fazendeiro. Ela manteve a pena de Alberto e Lindonjonson.

Mas em 16 de novembro de 2015, como o advogado de Lindonjonson desejava, além de José Rodrigues estar em liberdade, o irmão fugiu da prisão em Belém. Há suspeitas que a fuga tenha sido facilitada. “Ele ficou foragido até agosto de 2020, mas foi recapturado. Credito isso a nossa insistência de não deixar de cobrar a polícia e muito menos, de divulgar seu rosto em nossas redes sociais”, avalia Claudelice.

Ao tempo em que Lindonjonson estava foragido, o irmão José, também desapareceu. Não compareceu ao julgamento realizado em 6 de dezembro de 2016.

 

“Dessa vez o júri popular disse que eles não tinham colaborado para suas mortes. No primeiro julgamento em Marabá, a opinião pública foi guiada de uma certa forma com narrativas de que mereciam morrer, porque só atrapalhavam o progresso. Eles desclassificam quem luta pela terra, pelo meio ambiente. Em vez de ficar do lado do oprimido, fica do lado do opressor”

 

Julgado à revelia, até o momento não foi encontrado.

“A soltura dele é uma prisão para gente. Sabemos que eles têm pessoas que o informam sobre nossas ações e assim, nossa segurança fica em xeque. Ele faz pressão sobre nós e ri na cara da justiça”. Ela espera que o Estado possa reparar isso, pois não há como trazer Zé Cláudio e Maria de volta, mas ele pode coibir, proteger e punir autores da violência no campo.

 

Advogado de defesa priorizava livrar os irmãos da cadeia Foto: Mídia Ninja

Se você o vir, denuncie seu paradeiro à polícia, ligando 190.

Em todos os anos de atuação em busca de justiça pela morte do irmão e recentemente, garantindo suporte a defensores ameaçados de morte, Claudelice avalia que o Estado é corresponsável. Ela ressalta que quando a pessoa é ameaçada, é importante que o Estado, antes de tudo, resolva o conflito. 

“Quando um defensor avisa que está jurado de morte ele está gritando por socorro e porque as autoridades não resolvem os conflitos? Porque o Estado faz a opção de não resolver”.

Ela enfatiza que o Estado prefere estar do lado do capital que destrói o meio ambiente e destrói os defensores.

“A impunidade é o alimento da perpetuação da violência no campo, nas águas, nas florestas. Enquanto houver impunidade, vai haver violência”.  

Lote do casal é rodeado por árvores. Perto dali reina solenemente também, a majestade Foto: Mídia Ninja

 

Eles seguem inspirando as mulheres do Grupo de Trabalhadoras Artesanais e Extrativistas (GTAE), que nasceu há 15 anos, criado pelo casal. A coordenadora Suena Nascimento da Silva tem novidades. Em dezembro do ano passado foi formalizado e tornou-se uma associação.

“Esse grupo iniciou pelo casal de ambientalistas Zé e Maria que fizeram uma pesquisa e incentivaram que as mulheres extraíssem os óleos e andiroba e eles tiveram aquele olhar que gerava renda para mulheres ribeirinhas, extrativistas e camponesas”.

Depois da morte deles, ficou um ano adormecido, mas a irmã de Maria, Laísa disse “vamos reerguê-lo”. O grupo começou com três pessoas e hoje tem 14. “Para mostrar para eles que a luta continua e para sociedade que é possível viver através da floresta em pé que era tanto o que eles defendiam”.

 

Suena foi alfabetizada por Maria e hoje está à frente do grupo de mulheres extrativistas Foto: Mídia Ninja

Agora, o grupo está reflorestando também, com plantio baseado em um sistema agroflorestal que imita a floresta.

“A gente faz o plantio, roça sem queimar. Tem uma área degradada, a gente junta as mulheres e faz o plantio, atualmente no lote de cada uma. A gente recebe mudas da secretaria e a gente planta nos nossos lotes fazendo a reconstrução desse desmatamento. E incentivando que os outros façam também, além de gerar renda, não no momento, mas que vai vir renda depois”.

Suena destaca que o grupo está mostrando para a população que é possível viver com a floresta em pé. “E temos que ter a floresta em pé até mesmo para respirar. Aqui na nossa região, devido à grande devastação o clima já mudou aqui, com o reflorestamento a gente vai ver a mudança também”.

 

De olho no aumento da produção, extrativistas investem no futuro, reflorestando com andiroba Foto: Mídia Ninja

 O reflorestamento leva em conta toda a biodiversidade. “Vamos plantando arroz, mandioca, milho, abóbora, amendoim.

É uma verdadeira salada, plantamos também castanheira, andiroba e açaí, lembrando que cada uma delas tem um tempo certo para crescer”. Já quanto aos produtos que começam a surgir do trabalho de extrativismo destacam-se óleos e subprodutos como repelentes, sabonetes, pomadas cicatrizantes e gel para contusões”.
Suena se orgulha de estar inserida em um projeto começado por aquela mulher inspiradora, que também foi sua alfabetizadora.

“Gostava de imitar ela em sala de aula. Lembro do jeito como ela me tratava, me chamava de neném da turma. Hoje tem dias que estou na sala de aula, atuo na localidade como professora, e eu me lembro muito do jeito dela meigo e a maneira dela falar, sempre com gesto eu tenho muito isso que eu repito na sala de aula, como meus nenéns. Esse gesto carinhoso eu herdei dela.

Eu falava professora vou ser igual a você e ela dizia ‘você vai ser melhor’. Eu lembro dela dizendo: ‘eu luto pela igualdade, eu luto pelas pessoas que são oprimidas’.”

A educadora Manoela Souza, do Projeto Rios de Encontro, conheceu Maria em um processo de formação em 2004 e confirma a generosidade da ativista.

“Ela cursava a graduação de Educação no Campo, uma das primeiras a fazer o curso no país. Sempre se dedicou para que a educação chegasse no campo. Ela se sentia responsável por levar tudo que estava aprendendo, para a comunidade”.

 

Claudecir, irmã de Zé Cláudio diz que a família abraçou a causa; ela é membro do GTAE Foto: Mídia Ninja

 

Irmã de Zé Claudio, Claudecir Ribeiro Santos, também integra o Grupo de Trabalhadoras Artesanais e Extrativistas (GTAE), mais um legado do irmão, junto a Maria.

“Nós abraçamos a causa deles, essa luta incansável para defender a floresta em pé. Tudo se aproveita, a andiroba, o cupuaçu, o pequiá. Dá para se viver da terra. Mas alguns só querem desmatar e criar gado. Dizem que mato é mato. Zé e Maria só queriam defender o bem comum, a mãe terra”.

Sobrinha de Zé Claudio, Clara Santos relembra que na casa deles, ela conta como os dois perseguiam esse ideal de vida. “Na estufa que ele tinha, fazia a secagem e extração do óleo. Tia Maria já usava quase tudo que tinha na reserva para cozinhar. Eram ecologicamente corretos”.

 

Fotos: Mídia Ninja

 

Ao lado de Claudelice, ela ajuda com as ações do instituto. A reportagem acompanhou um momento singular que viveram. Junto à Majestade, castanheira centenária adotada por Zé Claudio e por Maria, considerada como uma irmã – porque a mãe era a Mãe Terra -, elas plantaram a princesa: “tataratataraneta de Majestade”, brincou Claudelice.

“Suas histórias seguem vivas dentro de nós. Zé Claudio era meu irmão mais velho, era um pai para mim. Era a pessoa mais forte que conheci. Ele era uma fortaleza masculina e Maria, fortaleza feminina”.

 

Claudelice guarda a foto tirada pelo irmão; nem imaginava a luta que teriam que enfrentar Foto: Mídia Ninja

Ouça trechos da conversa da Mídia NINJA com Claudelice


Foto: Mídia Ninja

Foto: Mídia Ninja

Foto: Mídia Ninja

Foto: Mídia Ninja

Foto: Felipe Milanez

Áudios, Filmagens e Fotografia: Oliver Kornblihtt
Textos: Lidiane Barros
Edição de Vídeo: Ana Pessoa
Edição de Textos: Thanee Degasperi
Montagem e Diagramação: Kelly Mariah Batista
Coordenação de Projeto: Marielle Ramires