Por Fabio Pontes – @fabiospontes

As ameaças às unidades de conservação (UC’s) na Amazônia no governo de Jair Bolsonaro (sem partido) se dão não apenas no que diz respeito à preservação dos seus recursos naturais – fauna e flora – mas também na sobrevivência das famílias que nelas vivem. Agora, com a pandemia do novo coronavírus, que se espalha de forma rápida pelos cantos mais remotos da região, a vida de milhares de extrativistas e ribeirinhos – que já não dispunham dos serviços públicos de saúde mais básicos – encontra-se ainda mais vulnerável.

É o que ocorre com as 600 famílias moradoras da Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade, em Cruzeiro do Sul, no Acre. Em carta, as lideranças comunitárias relatam casos de pessoas que teriam contraído a covid-19 – informando até uma morte – e a completa desassistência por parte das autoridades de saúde federal, estadual e municipal. Segundo o relato, os comunitários doentes não teriam combustível suficiente para chegar à cidade e realizar o tratamento adequado.

Localizada na Bacia do Juruá e medindo quase 325 mil hectares, a Resex Riozinho da Liberdade é uma unidade de conservação federal, portanto de responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Na semana passada, portaria do governo deu nova estrutura ao órgão, reduzindo suas coordenações regionais de 11 para 5 (uma para cada região do país) e colocando militares nos cargos de chefia. Agora, a gestão de todas as UCs do Norte estará centralizada em Santarém (PA).

A UC foi criada em fevereiro de 2005 e é vizinha à Terra Indígena Campinas/Katukina. Ambas as áreas são acessíveis e cortadas pela BR-364. O fluxo frequente de pessoas entre a sede urbana de Cruzeiro do Sul e a zona rural é apontada como o principal motivo para a chegada do coronavírus a estas comunidades mais remotas. Até o momento, Cruzeiro do Sul tem 234 casos confirmados da Covid-19, segundo a Secretaria Estadual de Saúde.

Uma das principais reclamações dos moradores da Resex do Liberdade é quanto à falta de assistência médica. “Inúmeras comunidades não recebem visitas de agentes de saúde ou médicos há meses”, diz uma carta assinada pelos moradores das comunidades Morro da Pedra e Periquito.

As duas unidades básicas de saúde (UBS) dentro da Resex são de gestão da Prefeitura de Cruzeiro do Sul. Uma fica na entrada da UC, às margens da BR-364, e outra no Seringal São Pedro, na comunidade Periquito. “Na primeira UBS há atendimento periódico semanal. A segunda está sem atendimento há mais de quatro meses.”

“Temos poucos barcos de emergência com cada um tendo gasolina apenas para duas viagens. Em abril, um comunitário faleceu, passando três dias sem socorro, pois não havia barqueiro de emergência e gasolina disponível para o translado da comunidade até a BR-364, rodovia de acesso a postos de saúde e ao Hospital do Juruá”, reforçam.

Informações passadas ao blog dão conta de dois casos confirmados da Covid-19 dentro das comunidades ribeirinhas. A infecção teria ocorrido pelo contato com um “marreteiro” que subiu e desceu o rio nos últimos dias comprando a produção de farinha das famílias.

De acordo com a carta, antigos moradores que tinham deixado de viver dentro da unidade e estavam em Cruzeiro do Sul agora retornam para dentro das comunidades.

O retorno ocorre sem a devida autorização do conselho gestor e do ICMBio, e representa uma ameaça para a saúde dos ribeirinhos que não estiveram pela cidade nestes meses de pandemia. As lideranças também reclamam da falta de controle sanitário na ponte sobre o rio Liberdade, que dá acesso à Resex. É por ali que, diariamente, pessoas e mercadoria vindas de Cruzeiro do Sul têm acesso irrestrito à unidade de proteção federal.

“Não há fiscalização sanitária na ponte sobre o rio Liberdade, local com mercados, de desembarque e embarque dos moradores, em canoas, vans e carros da linha. Os carros da linha, transporte entre a Resex e a cidade de Cruzeiro do Sul, vem lotados de gente até a Vila Liberdade”, completa a carta.

De Cruzeiro do Sul até a entrada da unidade na ponte do Liberdade são 80 quilômetros. A única barreira sanitária na rodovia está na comunidade Santa Luzia, cuja preocupação principal é com o fluxo de pessoas para a TI Campinas/Katukina. As lideranças afirmam ter pedido às secretarias estadual e municipal de Saúde para instalação de uma barreira na comunidade, mas não obtiveram resposta.

Além da ameaça provocada pelo coronavírus, as famílias extrativistas do riozinho da Liberdade sofrem com outro problema de saúde: a alta incidência de malária. Cruzeiro do Sul é um dos municípios da Amazônia com as maiores taxas de incidência de malária. Sem assistência médica ou acesso a medicamentos, são tratados com a “medicina da floresta”.

A Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade foi criada há 15 anos como parte do projeto de amortização dos efeitos da pavimentação da BR-364 entre Cruzeiro do Sul e Rio Branco, a capital do Acre. A UC é cortada por sete quilômetros da estrada. Até a década de 1990 as famílias ribeirinhas viviam da extração da borracha, abandonada após a falência completa da atividade no Vale do Juruá. Hoje seus moradores tiram renda a partir da produção da farinha da mandioca, arroz e milho.

Com a falta de políticas e incentivos para desenvolver atividades econômicas de base florestal, as famílias vêm aumentando seus impactos sobre a área de floresta. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), nos últimos 10 anos a Resex perdeu 11 quilômetros quadrados de floresta. Em 2019 ela ficou entre as três unidades de conservação federal no Acre com maior registro de focos de queimada, ficando atrás da líder Resex Chico Mendes e a Resex Alto Juruá.