
Foto: Carlos Nobre, cientistas do IPCC
Por Vinícius Leal, colaboração para Ninja Ambiental
Durante live de lançamento do Casa NINJA Amazônia, o climatologista, engenheiro e doutor em meteorologia Carlos Nobre fez alertas de que a floresta amazônica está próxima de um ponto de “não-retorno”
“Os ataques que a Amazônia vem sofrendo se intensificaram nos últimos 50 anos e isso pouco mudou. Tivemos momentos em que esses ataques foram menores, mas essas forças que atacam a Amazônia, a floresta, os rios, sempre existiu, desde que a ditadura militar resolveu olhar a Amazônia como uma ameaça à soberania brasileira e criou o modelo de substituição da floresta por pecuária, mineração e agricultura”.
A afirmação é do cientista e climatologista brasileiro Carlos Nobre, vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2007 e engenheiro elétrico pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e doutor em meteorologia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). A declaração ocorreu durante a live “S.O.S Amazônia: Ameaças, ataques e soluções”, ocorrida no último sábado (6), no segundo dia de programação do lançamento Casa NINJA Amazônia, um centro de mídia da Mídia Ninja na região amazônica.
De acordo com Nobre, nos últimos 50 anos a Amazônia vem sofrendo diversos ataques, em variados níveis. “As forças que se organizaram como crime ambiental sempre existiram e, agora, se tornaram públicas pela primeira vez, assumindo claramente que esse (modelo de substituição da floresta) é o destino (que eles querem) para a Amazônia, e (atualmente) com apoio do governo federal. Juntando esses ataques dos últimos 50 anos com as mudanças climáticas, o desmatamento, o fogo… o cenário se torna pior”, alertou.
Mesmo tendo uma capacidade histórica de resistir ao fogo, a Amazônia, segundo Nobre, está se tornando fragmentada. “A floresta tropical úmida da Amazônia é muito resiliente a incêndios, e por isso (sobreviveu e) evoluiu em milhões de anos, tendo a máxima biodiversidade do planeta. O fogo consegue afetar o cerrado, a savana, mas não ‘afeta’ a Amazônia historicamente. Ela resiste”, disse. “Entretanto, agora, a floresta está se tornando fragmentada, mais seca, e o fogo começa a penetrar mais nela”.
A razão para tal cenário, de acordo com o cientista político, é um conjunto de fatores, que incluem aquecimento global e ação humana. “O aquecimento vem aumentando a temperatura, cerca de 1,5 grau a mais. Estamos vivendo extremos de seca causados pelo aquecimento, como as secas de 2005, de 2010, de 2015 e 2016. Essas secas, que antes aconteciam de 15 a 20 anos, agora acontecem duas vezes por década. Juntando essa seca ao desmatamento e ao incêndio das florestas, e somando tudo isso, a conclusão que chegamos, com base em muitos experimentos científicos, é que a Amazônia está muito próxima de um ponto de ‘não-retorno’”.
O ponto de “não-retorno”, conforme o cientista, é o que já vem acontecendo nas regiões sul e leste da floresta amazônica, o que ele nomeia como “savanização”. “A floresta está ficando mais seca, a estação seca já está mais longa. Esses fatores todos nos fizeram chamar a atenção de que estamos muito próximos desse ponto de não-retorno, ou seja. Se passarmos desse ponto, entre 50% e 70% do território da Amazônia vai se tornar essa savana degradada, isso numa escala de 30 a 50 anos. Degradada porque a savana tropical e o cerrado são biomas muito ricos em biodiversidade, mas essa savana amazônica não teria riqueza de biodiversidade, porque tudo aconteceria num período muito rápido, sem tempo para o enriquecimento do bioma. Dezenas de milhares de espécies de plantas sumiriam e também haveria um enorme risco de mudanças climáticas”.
Atualmente, cada hectare de floresta na Amazônia armazena entre 120 e 180 toneladas de carbono, conforme Nobre. “A savana e o cerrado têm 1 terço desse carbono da floresta, ou seja, (com a ‘savanização’ ocorrendo) cerca de dois terços (dessa concentração de carbono) iriam para a atmosfera e acabariam como gás de efeito estufa, como dióxido de carbono”, alerta. “Mesmo se isso acontecer, além de perder a enorme biodiversidade, nós também iríamos afetar o clima do planeta, a Amazônia ficaria muito mais seca, com impacto global, impacto em escala de América do Sul e impacto local”.
Formas de impedir
Carlos Nobre aponta algumas soluções para frear a “savanização” da Amazônia. A primeira é ter sucesso no Acordo de Paris, isto é, impedir o aumento de 2 graus na temperatura do Planeta Terra e a segunda é zerar o desmatamento com máxima urgência, implementando iniciativas diretas na agricultura tropical, dando tempo para a floresta se regenerar, que é a terceira solução. “Há vários projetos hoje sendo iniciados no mundo que estudam a restauração florestal como ferramenta de reduzir o aquecimento global. É um processo que dura 25 a 30 anos para chegar a 80% do carbono armazenado”, disse.
A quarta solução, conforme Nobre, é o projeto Amazônia 4.0, que tem esse nome originado da quarta revolução industrial, com tecnologias baratas, acessíveis, amigáveis e duráveis. “A tecnologia deixou de ser um impedimento ao desenvolvimento, os países pobres têm acesso. Trazer essas tecnologias para a Amazônia e desenvolver a economia da floresta em pé, ou bioeconomia, é uma solução. O maior potencial da Amazônia é a floresta em pé”, ponderou.
“A economia de produtos da floresta como como açaí, castanha, cacau e guaraná, de uma lista que passa de 500 produtos, diz muito sobre isso. A bioeconomia é educativa, é mais inclusiva. Nesse projeto da Amazônia 4.0 podemos trazer tecnologias para comunidades amazônicas, é possível trazer indústrias de pequenas e médias escalas para as comunidades e cidades da Amazônia, com agregação de valor aos imensos produtos. A ciência e as universidades precisam se voltar mais a descobrir o potencial dos produtos da floresta, dos recursos biológicos, e transformar esses recursos de valor econômico, beneficiando as comunidades, não só extraindo a riqueza sem dar retorno a eles. Precisamos trazer esse modelo econômico e implementá-lo na Amazônia”.
*Colaboração de: Vinícius Leal
Live S.O.S Amazônia
A live “S.O.S Amazônia: Ameaças, ataques e soluções” contou ainda com a participação de Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental, que falou sobre desmatamento, queimadas e enfrentamentos; Ricardo Abramovay, professor Sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP e autor de “Amazônia. Por uma economia do conhecimento da natureza”; Dario Yanomami, vice presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), que falou sobre garimpos e enfrentamentos; Beto Marubo, liderança indígena do Vale do Javari e integrante do OPI – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato; e Sofia Mendonça (Projeto Xingu / UNIFESP), que ressaltou os impactos da Covid-19 na vida indígena. A mediação foi de Marielle Ramires, da Mídia NINJA.