Foto: Reprodução/CoberturaNinjaAmbiental

Por Vinícius Leal, colaboração para Ninja Ambiental

A vulnerabilidade e o medo pelo desconhecido causados pelo novo coronavírus a todas as populações urbanas do mundo é algo que sempre foi sentido na pele e esteve presente na história de vida dos povos indígenas no Brasil. A sensação de impotência causada pelo avanço do vírus nas aldeias é comum aos povos tradicionais desde o início da colonização em ritmo genocida.

É o que afirma a médica sanitarista e mestre em antropologia Sofia Mendonça, coordenadora do Projeto Xingu, um programa de extensão da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e que desenvolve trabalhos sobre saúde e povos indígenas há mais de 30 anos. “O que estamos sentindo agora em relação à pandemia do novo coronavírus os índios viveram e vivem isso o tempo todo”, disse, durante a live “S.O.S Amazônia: Ameaças, ataques e soluções”, no lançamento virtual da Casa NINJA Amazônia.

Falando sobre o impacto da Covid-19 na vida indígena, Sofia afirmou, parafraseando o antropólogo Darcy Ribeiro, que doenças, vírus e bactérias como o novo coronavírus são armas biológicas de genocídio dos povos indígenas. “As epidemias acabaram com muitos povos. Estudiosos diziam que existiam mais de mil povos no Brasil e hoje temos 300 e pouco. Houve genocídios de muitos povos, uma depopulação de 80% a 90% de alguns desses povos”, disse Mendonça.

Conforme a médica, além da invasão de territórios e da ação de garimpeiros, madeireiros e grileiros das terras indígenas, vetores da Covid –19, o próprio modus operandi sistema de saúde e as estratégias do poder público do combate à doença aumentam a probabilidade de transmissão do novo coronavírus aos indígenas da Amazônia. “O SUS foi pensado numa perspectiva da zona urbana e para a zona rural existem muitas lacunas. A maioria das aldeias, cerca de 60% delas, está a 200 quilômetros de um hospital com UTI”, disse.

No Amazonas, por exemplo, a distância de aldeias situadas na calha do Rio Juruá, até um hospital com UTI, ultrapassa 1000 quilômetros.

Mortalidade do futuro e da memória

O impedimento de acesso dos indígenas aos serviços de saúde, conforme Sofia Mendonça, é grave e se relaciona também a uma arma de genocídio. “A mortalidade infantil é maior, o número de carga de doenças é também maior (em comparação à população urbana)”. De acordo com a especialista, a letalidade da Covid-19 no grupo de risco dos idosos também é uma arma de genocídio cultural, já que são eles os grandes detentores dos saberes ancestrais, do conhecimento tradicional.

“Eles são os tesouros e os guardiões do conhecimento sobre plantas, sobre o modo de viver indígena, sobre o modo de ver o mundo, de cada árvore, dos processos… A reprodução cultural dos povos indígenas está ameaçada, além da redução física (mortandade) é também um genocídio cultural, espiritual”, declarou Sofia Mendonça.

Como solução, a médica sanitarista afirma que o poder público deve dialogar com os povos indígenas e divulgar efetivamente para eles sobre a letalidade da Covid-19.

“O governo fala que é para ficar na aldeia, mas ao mesmo tempo oferece o auxílio nas agências bancárias. É uma postura extremamente ambígua. Os jovens, que não vivenciaram epidemias como os mais velhos vão para as cidades e acham que é só uma gripezinha, acabando por expor as comunidades. “É preciso conversar com os índios, não só os que estão nas cidades e associações, mas nas aldeias. Eles precisam entender a doença para que eles adotem medidas de isolamento”.

A médica sanitarista finaliza reforçando ainda a importância de reestruturação dos serviços de saúde indígena de modo mais orgânico. “Tem que ter materiais e equipamentos que consigam trabalhar a atenção primária em área mais adequada, com tecnologias leves que possam garantir uma menor letalidade desses povos, não posso ficar esperando os casos ficarem mais graves para remover os doentes para os centros urbanos onde têm UTI. A atenção primária é fundamental”.

‘S.O.S Amazônia’

A médica sanitarista Sofia Mendonça foi uma das participantes da live “S.O.S Amazônia: Ameaças, ataques e soluções”, que contou ainda com a participação do cientista e climatologista Nobel da Paz Carlos Nobre; do professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP Ricardo Abramovay ; e autor de “Amazônia. Por uma economia do conhecimento da natureza”; de Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental, que falou sobre desmatamento e queimadas; do vice presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY) Dario Yanomami, que falou sobre garimpos; e da liderança indígena do Vale do Javari e integrante do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato Beto Marubo. A mediação foi de Marielle Ramires, da Mídia NINJA.