Foto: ISA

Uma decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, nessa quarta (10),  suspendeu os efeitos de uma liminar que impedia a nomeação do missionário fundamentalista Ricardo Lopes Dias para o comando da Coordenação-Geral de Indígenas Isolados do governo brasileiro. Na prática, Lopes Dias volta a ser encarregado de proteger os direitos dos mesmos povos que ele passou anos buscando evangelizar.

Dias, que também é antropólogo, havia sido nomeado em fevereiro pelo presidente Jair Bolsonaro. Em maio, o desembargador Antônio Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, anulou a nomeação após uma ação do Ministério Público Federal.

Na decisão que interrompeu o trabalho do missionário a frente da coordenação, o magistrado afirma que o missionário já tomou decisões que violam o direito dos povos indígenas isolados e que, por isso, é necessário inibir “a adoção de medidas que venham a afrontar as garantias fundamentais, notadamente, aquela que assegura aos povos indígenas o direito a sua autodeterminação”.

Já o ministro João Otávio de Noronha, do STJ, entendeu que o missionário preenche “requisitos técnicos”. Para o ministro, o vínculo que Dias tem com grupos e organizações com foco em evangelização de indígenas, não sinaliza “conflito de interesse”.

O nome de Dias é questionado principalmente porque ele fez parte do movimento Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), uma organização missionária fundamentalista com sede nos Estados Unidos. Em seu site oficial, agora chamado Ethnos360, a mensagem inicial é a seguinte: “Por determinação inquestionável, arriscamos nossas vidas e jogamos tudo por Jesus Cristo até alcançarmos a última tribo, independentemente de onde essa tribo possa estar.” 

A presença de missões evangelistas fundamentalistas nas aldeias é mascarada, muitas vezes, com assistência médico-hospitalar, que em regiões mais profundas da floresta são quase inacessíveis.

Cenário da pandemia de coronavírus, por exemplo, vem sendo utilizado a todo vapor por boa parte destas iniciativas com caráter ‘humanitário’.

Esta semana, a repórter Brasil revelou que sites estrangeiros estão agora mesmo oferecendo vagas para evangelizadores atuarem em aldeias brasileiras, além de colocarem em um gráfico público o nível de conversão religiosa das etnias.

Medidas provisórias, ameaças permanentes

Com forte pressão da bancada evangélica, a política sobre territórios e povos indígenas do governo brasileiro tem sido bastante criticada por lideranças das etnias locais, comunitários e ribeirinhos, mesmo antes da pandemia de covid-19.

Sem dar trégua durante a pandemia, apesar de reiteradas derrotas na Justiça, o fundamentalismo religioso aplaudiu uma medida provisória de Bolsonaro que autoriza a presença de religiosos em aldeias, o que vem sendo duramente criticado por organizações de direitos humanos e rechaçada por lideranças indígenas locais. Há registro de expulsão de missionários em pelo menos uma dezena só no Amazonas.

Outra medida provisória criada por Bolsonaro amplifica a ameaça permanente contra territórios, a MP 910, que legaliza garimpo, pasto, desmatamento em áreas protegidas. Com sua votação podendo ocorrer a qualquer momento, indigenistas apontam que irá aumentar as invasões em terras indígenas, de comunidades e povos tradicionais, sem contar no aumento do desmatamento nessas áreas, acentuando os conflitos e a violência no campo.