Foto: Davi Miranda/Mab


Por Vinícius Leal e Cley Medeiros

Um estudo produzido por cientistas latino-americanos verificou que crianças e adolescentes ribeirinhos da Amazônia brasileira expostos a altas concentrações de mercúrio, substância utilizada em garimpos ilegais da região, possuem menor desempenho de funções neuropsicológicas, como o Quociente de Inteligencia (QI). O levantamento, feito em 263 crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos de idade da região do rio Madeira, no Estado de Rondônia, apontou que a contaminação acontece por meio do consumo de peixes também contaminados com mercúrio.

O mercúrio é classificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “uma das dez substâncias químicas que representam a maior preocupação de saúde pública”.

A pesquisa “Efeitos neuropsicológicos da exposição ao mercúrio em crianças e adolescentes da região amazônica, Brasil” foi publicada recentemente no site da Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA (NLM). O estudo constatou que os altos níveis de Hg (mercúrio) usado na mineração ilegal reduzem significativamente a inteligência, a memória, a atenção e processamento visuoespacial dessas populações. O nível elevado de mercúrio nos corpos deles foram constatados por meio de amostras de cabelos dos ribeirinhos mirins.

“Os níveis totais de Hg foram verificados por amostras de cabelo quantificadas (HgH total) coletadas na região occipital do couro cabeludo e analisadas por espectrometria de absorção atômica com vapor frio”, ou seja, com amostras de cabelo na região traseira da cabeça, acima da nuca. Ao todo, foram avaliadas 263 crianças e adolescentes, com idades entre 6 a 14 anos, provenientes de regiões de reassentamento do rio Madeira, em Rondônia.

Para alcançar o resultado da pesquisa foram levadas em conta funções neuropsicológicas como inteligência, memória de trabalho, fluência verbal, controle inibitório, deslocamento e destreza manual do motor. Nos resultados foram verificados que cerca de 75% das crianças e adolescentes analisadas apresentaram níveis menores nas tarefas de QI estimado, memória de trabalho visuoespacial, conhecimento semântico e fluência verbal fonológica.

Outra análise, feita com regressão controlada para idade, sexo e escolaridade materna mostrou que, para cada aumento de 10 microgramas/g de HgH (Na sigla para mércurio e cabelo) total, havia uma diminuição em torno da metade do desvio padrão no QI verbal, escores estimados de QI, conhecimento semântico, fluência verbal fonológica e memória de trabalho verbal e visuoespacial.

A pesquisa é assinada pelos cientistas Cássio dos Santos Lima, Dennys de Souza Mourão, Chrissie Ferreira de Carvalho, Breno Souza-Marques, Cláudia M Vega, Rodrigo Araújo Gonçalves, Nayara Argollo, José Antonio Menezes Filho, Neander Abreu e Sandra de Souza Hacon, oriundos das universidades federais da Bahia (UFBA), Espírito Santo (UFES), Santa Catarina (UFSC), da Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e da Universidade Wake Forest no Peru.

Em largo uso

Em um estudo publicado em março do último ano, cientistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, em parceria com pesquisadores da Queensland University of Technology, da Austrália, revelou um nível relativamente alto de mercúrio acumulado no rio Madeira.

Além da parceria, o estudo também contou com a ação de pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (Unir) e da Shenzen University, na China.

De acordo com a pesquisa, mesmo após o desgastes de garimpos de ouro em minas a partir de 1985, a garimpagem continua a ser a principal fonte de emissão de mercúrio na bacia do rio Madeira. Cientistas relataram chegaram a que presenciaram garimpeiros jogando diretamente o mercúrio em lagos do rio Madeira.

O relatório Rios Saudáveis, Pessoas Saudáveis, organizado pelo WWF, destaca os perigos da contaminação por mercúrio em toda a Amazônia, e pede ação urgente para reduzir o uso de mercúrio na mineração de ouro na floresta.

A publicação estima que o mercúrio tenha afetado a saúde de mais de 1,5 milhão de pessoas, assim como ameaça a saúde de milhões de pessoas devido à poluição do ar e da água e ao envenenamento de plantas e animais.

Segundo o Relatório Planeta Vivo do WWF, em todo o mundo as populações de espécies de água doce diminuíram em média 83% desde 1970. As conclusões do relatório Rios Saudáveis, Pessoas Saudáveis, indicam que é improvável que essa tendência seja revertida na Amazônia, a menos que a poluição por mercúrio seja combatida de maneira mais concreta pelas autoridades. O que parece estar longe de acontecer.