Em cima da árvore, duas irmãs se equilibram enquanto ouvem atentas às orientações da professora Lucilene Ferreira, prestes a aplicar a prova de Educação Física do 1º bimestre de 2021.
Orgulhosa, a mãe Rosângela registra a cena: “em cima do pé de lixeira para caçar sinal de internet”. A descoberta do melhor ponto para captar o sinal da torre, foi à base de muitos testes realizados no quintal da casa localizada no Quilombo do Mata Cavalo, em Nossa Senhora do Livramento (a 42 km de Cuiabá).
As alunas Kevillyn Keila, 15 anos e Ketillyn Lorrhainy, 11, fazem parte da estatística de milhares de crianças e adolescentes que sem estrutura, têm transposto obstáculos para manter os estudos em dia durante a pandemia.
Desde março do ano passado, o celular tem sido ferramenta indispensável no processo do aprendizado. Nunca foi tão importante garantir o crédito no pré-pago para acessar os exercícios suplementares e tirar dúvidas. Mais conteúdo chega via apostilas impressas, entregues pela escola toda segunda-feira.
Por determinação da Secretaria de Estado de Educação (Seduc-MT), as aulas presenciais seguem suspensas, e se para os alunos dos centros urbanos um celular para uso próprio e capacidade de internet adequada são raros, para as famílias da zona rural os obstáculos são ainda maiores.
E de outro lado, os professores têm sido malabaristas na arte de ensinar. E Lucilene que o diga. Se é difícil ensinar conteúdo teórico, imagino só o que é dar aula de educação física. “A gente tem conteúdo na apostila, mas é difícil se sentir motivado. Daí temos pensado maneiras de mantê-los animados. A prova foi uma delas”, conta.
Então ela gravou um vídeo com as instruções e agendou os testes.
“Apliquei uma prova de ‘amarelinha africana’. Pensei só em materiais que eles pudessem encontrar nos quintais de casa mesmo, como madeiras, tampas de garrafa descartáveis, chinelo e pedras”.
Claro, nem todos puderam realizar em tempo real. Mas o que a professora ouviu, foram diversos relatos de verdadeiras batalhas, como a Kevillyn, que sendo do Ensino Médio tinha prova agendada para quarta-feira, justo no dia em que a mãe estava sem internet.
“Para poder realizar a prova, a adolescente percorreu mais de meia hora no sol a pino para ir até à casa de outra professora, Eliane Prado para se juntar a outros alunos que tinham ido até lá na certeza do suporte da outra professora”.
Já na sexta-feira (26), com a internet funcionando no celular, Kevillyn teve outra tarefa. De cima do pé de lixeira focava a câmera na irmã, Ketillyn, para que a professora a acompanhasse todos os movimentos enquanto a professora Lucilene acompanhava tudo do escritório montado na varanda de casa.
“A gente insiste na interação, pois poucos dispõem de condições mínimas para as aulas remotas, para interação em tempo real. Não ter internet não é nada, tem gente que nem energia tem em casa. Eu sou uma das poucas privilegiadas, mais por ser professora mesmo, pois a maioria utiliza celular analógico, que é só para realizar ligações. Assim, a maior parte das dúvidas é tirada via telefone”.
Mas eles vão se ajeitando e no caso de os professores pedirem registro em vídeo, alguns recorrem às famílias que têm celulares com câmera.
“E então vão fazendo seus vídeos e mandando. Das provas dessa semana, por exemplo, tenho um monte de vídeos que estão chegando por e-mail ou WhatsApp e agora, até baixar tudo demora um pouco porque a internet não é lá essas coisas”.
Ao fim da prova, emocionada a professora agradeceu aos pais. “Pois dos bastidores, eles participam, fazem torcida e também fizeram as vezes de cinegrafistas”, se diverte. Segundo ela, alguns, fizeram até gambiarras com o intuito de viabilizar a transmissão, amarrando os celulares em pedaços de pau para que alcançassem o alto “para dar torre”.
Mas o agradecimento especial foi direcionado aos estudantes. “Não é fácil ficar online com todas as dificuldades, mas vocês resistiram, nosso tema é resistir mesmo: somos brasileiros, quilombolas, somos negros, lutadores e então, resistimos”.