A chuva preta, que resulta da combinação das fuligens das queimadas com a poluição atmosférica das cidades, e a nuvem de fumaça que as encobrem nos períodos mais críticos dos incêndios florestais, são alguns dos sinais mais tangíveis da ameaça à saúde da população brasileira. Principalmente, aos que vivem nos estados da Amazônia Legal, expostos a altos níveis de toxicidade.
Silenciosamente, a poluição atmosférica nas cidades já representa um grande risco ao bem-estar e à saúde. Segundo relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), publicado em 2018, é responsável por mais de 51 mil mortes por ano no Brasil.
Mas quando os níveis de toxidade são intensificados pelas queimadas e o desmatamento florestal, o quadro pode ser ainda pior, comprometendo a saúde e a vida, principalmente, de crianças e adolescentes. Em razão de peculiar condição de desenvolvimento, esses fenômenos os afetam com muito mais intensidade do que as demais populações humanas.
“Estão intoxicando o ar”
A advogada Angela Barbarulo, responsável pelo projeto Justiça Climática e Socioambiental publicou nesta semana, um artigo em que chama a atenção para os impactos das queimadas e desmatamento florestal para a saúde das crianças.
“Queimadas associadas ao desmatamento florestal estão intoxicando o ar de milhões de pessoas, afetando a saúde da população brasileira além de contribuir para que o Brasil se distancie cada vez mais dos objetivos e metas estabelecidas na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), bem como do direito de crianças e adolescentes de terem futuro no presente”.
“Globalmente, 93% de todas as crianças respiram ar que contém concentrações mais elevadas de poluentes do que a OMS considera seguras para a saúde humana. Como resultado, 600 mil crianças morrem prematuramente a cada ano por causa da poluição do ar”, descreve Angela.
Ela ressalta que a qualidade ambiental em sentido amplo é um dos principais fatores que determinam a sobrevivência das crianças nos primeiros anos de vida, e influencia fortemente o seu desenvolvimento físico e mental.
“A exposição ao ar sujo prejudica o desenvolvimento do cérebro, levando a deficiências cognitivas e motoras, enquanto ao mesmo tempo coloca as crianças em maior risco de doenças crônicas mais tarde na vida”.
Vários são os prejuízos causados pelas queimadas em variados grupos: aumento da mortalidade em pacientes com doenças cardiovasculares e/ou pulmonares, aumento e piora dos ataques de asma em asmáticos, aumento de casos de câncer devido a efeitos de partículas cuja composição química contém componentes carcinogênicos, aumento da mortalidade, aumento da admissão hospitalar, maior uso de broncodilatadores, exacerbação de sintomas, tosse, diminuição do pico do fluxo expiratório.
Mas em um recorte específico sobre as crianças, o estudo “O Ar é Insuportável: Os impactos das queimadas associadas ao desmatamento da Amazônia Brasileira na saúde”, indica uma relação entre o aumento do número de queimadas e o aumento de internações hospitalares por doenças respiratórias.
Publicado em 2020, estima que 2.195 internações hospitalares por doenças respiratórias em 2019 são atribuíveis às queimadas. Quase 500 internações envolveram crianças com menos de um ano, e mais de mil foram de pessoas com mais de 60 anos. Sendo assim, nas crianças, a devastação ambiental pode provocar aumento das doenças respiratórias e redução da função pulmonar.
Essas internações, segundo o estudo, representam apenas uma fração do impacto total das queimadas na área da saúde, considerando que milhões de pessoas foram expostas em 2019 a níveis nocivos de poluição do ar decorrentes das queimadas associadas ao desmatamento na Amazônia.
Segundo o estudo revelou, em agosto de 2019, quase 3 milhões de pessoas em 90 municípios da região amazônica foram expostas a níveis de poluição atmosférica nocivos, acima do limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em setembro, o número aumentou para 4,5 milhões de pessoas em 168 municípios.
Da mesma forma, estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade mostrou impacto semelhante em seis regiões metropolitanas brasileiras (onde vive 23% da população total do país) e concluiu que serão contabilizadas, de 2018 até 2025, 127.919 mortes precoces por um custo de R$ 51,5 bilhões em perda de produtividade e que teremos ainda 69.395 internações públicas a um custo para o Sistema Único de Saúde de R$ 126,9 milhões.
Monitoramento da qualidade do ar
Por isso, de acordo com a OMS, o principal esforço dos governos para proteger a população dos efeitos da poluição do ar agravados pelas queimadas deve ser um programa de monitoramento da qualidade do ar eficaz e preciso, e que sirva de base para que as autoridades tomem medidas rápidas e adequadas.
Implementar um mecanismo eficaz de monitoramento da qualidade do ar e padrões que protejam a saúde por meio de políticas preventivas e responsivas, com atenção especial aos grupos vulneráveis, já é obrigação legal em nosso país desde 1989.
O controle de queimadas, se fosse implementado de forma planejada e preventiva – uma vez que o Inpe já possui ferramentas tecnológicas que permitem a detecção dos focos de desmatamento e de calor – poderia ser feito com mais eficácia pelos órgãos e instituições competentes, evitando o agravamento das doenças e danos à saúde causados pela névoa tóxica das queimadas, que em 2020 chegou a atingir cidades distantes como São Paulo.
Fonte: Jota.info