Servidores têm suas funções enfraquecidas dentro do Ministério do Meio Ambiente (Foto: Vinícius Mendonça/Ibama)

Acostumados a dialogar com os governos passados, quando tiveram a primeira oportunidade, servidores do Ministério do Meio Ambiente procuraram o recém-empossado ministro Ricardo Salles para uma conversa institucional.

“Eu não converso com servidor”, disse o ministro.

Se a primeira impressão é a que fica, só vislumbraram o que estava por vir. Com a posse de Salles, se consolidaria um projeto de desmonte dos órgãos de monitoramento, fiscalização e conservação, por sufocamento. Afinal, os ministérios de Bolsonaro costumam ter diretrizes que vão na contramão da razão de ser da pasta.

Ultimamente, a Associação Nacional dos Servidores Ambientais, a Ascema, além de buscar a acolhida dos pleitos dos servidores públicos que representa, tem tido atuação enérgica na função de porta-voz da categoria, afinal, é preciso resguardar a integridade física e psicológica dos servidores, constantemente submetidos às regras da lei da mordaça.

A atuação incoerente do ministro do Meio Ambiente – agora investigado pela Polícia Federal (PF) por envolvimento em exportação ilegal de madeira – tem sido alvo de críticas da Associação dos Servidores Ambientais (Ascema) cujas manifestações podem ser confirmadas por notas no site da entidade.

A última delas, denunciava a sabotagem de uma operação contra uma fazenda ilegal em unidade de conservação, enquanto Salles decidia instalar gabinete no Pará.

Gabinete este que também foi alvo de busca e apreensão da PF nesta manhã de quarta-feira (19), assim como endereços do ministro em Brasília e São Paulo. O presidente do Ibama, Eduardo Bim, e outros nove funcionários do sistema ambiental também foram afastados do cargo pela operação batizada Akuanduba. O ministro do STF Alexandre Moraes determinou ainda a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Ricardo Salles.

A Operação Akuanduba investiga crimes contra a administração pública, como corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando, praticados por agentes públicos e empresários. De acordo com as investigações, o esquema criminoso tinha caráter transnacional.

Em entrevista à imprensa, Salles considerou a operação “exagerada” e “desnecessária”, negando as acusações. Disse que “o Ministério do Meio-Ambiente, desde o início da gestão, atua sempre com bom senso, respeito às leis e respeito ao devido processo legal”.

Ambiente inóspito

A secretária-executiva da Ascema Nacional, Elisabeth Uema narra que com Salles, o MMA é um ambiente inóspito de trabalho em que servidores temem ser punidos. É difícil até mesmo desempenhar o trabalho diário, pois é possível que esbarrem em interesses obscuros e alheios. Como aconteceu, recentemente, com o analista ambiental do Ibama, Hugo Leonardo Mota Ferreira.

Ela conta que a situação angustiante a que os funcionários do Ibama e ICMBio estão expostos, chegou no seu ápice com o caso de Hugo.

No dia 5 de maio, ao responder a um questionamento do Tribunal de Contas da União sobre a eficácia do novo modelo de sanção de multas, ele emitiu parecer técnico que justificava, entre outros, porque a aplicação de multas tinha caído para menos de 2% e o quanto uma série de instruções normativas acabavam por emperrar o processo.

Mostrando onde estão os problemas, o documento desagradou os superiores, ao ponto de ele ser interpelado por um assessor direto do ministro Salles, Leopoldo Penteado Butkiewicz. Este, a propósito, é mais um dos que entraram na mira da PF na operação Akuanduba. Ele ameaçou Hugo, dizendo que o computador seria apreendido – e foi – e que ele poderia ser alvo de processo administrativo. Por quê? Ao que parece, por ter desempenhado seu trabalho de maneira transparente.

A tropa de Salles

Imagem de Salles chegando ao Pará; ele transferiu o gabinete para lá e anunciou operações (Reprodução Twitter RIcardo Salles)

A tropa de Salles

“E tem sido assim desde o início da Era Salles. Já no primeiro dia do Governo, ele chegou com uma tropa violentíssima. Pessoas que nem nomeadas haviam sido ainda, mas já chegaram mandando desocupar as salas”.

Beth relembra ainda que já no primeiro dia de janeiro, o Diário Oficial já anunciava a retirada de dois setores importantes do MMA, a secretaria de Recursos Hídricos e a Agencia Nacional de Águas – ANA foi para o Ministério do Desenvolvimento Regional – MDR e o Serviço Florestal Brasileiro – SFB, para o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

“Os órgãos foram invadidos por militares de SP, ferrenhos defensores de Salles. Pessoas que não possuíam qualquer conhecimento da área. Não é à toa que o que se vê hoje é um show de incompetência”.

Militares ganham cada vez mais espaços

Quanto à proposta de campanha de Bolsonaro, que apontava para a extinção do Ministério do Meio Ambiente, Beth declara que a proposta parece vir a galope. “O MMA está morrendo aos poucos e por asfixia. A tomada de postos estratégicos por pessoas que não tem competência e militares que obedecem cegamente a Salles, conduz a esse caminho. É um claro projeto de desmonte”.

Segundo ela, as ordens comprometem o desempenho da função dos servidores. Ao que parece esses gestores estão lá para atrapalhar ou para substituir servidores de carreira por pessoas ou instituições mais subservientes ao governo central.

Dando a falsa impressão de otimizar os trabalhos, já que fiscais ambientais do Ibama e ICMBio sempre realizaram operações de fiscalização, aplicação de multas e apreensão e destruição de equipamentos com apoio de forças policiais, com o Decreto que instituiu a lei da Garantia e da Ordem – GLO, as Forças Armadas (FA) passaram, a se tornar executores de ações antes destinadas aos servidores dos órgãos (planejamento e coordenação das ações de fiscalização na Amazonia Legal). Nessas operações da GLO, os servidores tinham que se submeter ao planejamento e à coordenação das FA, que determinavam onde, quando e como atuar na fiscalização.

A GLO parece kryptonita usada para enfraquecer o órgão ambiental.

Vale ressaltar a importância do planejamento e coordenação por quem tem conhecimento do assunto: Algumas operações planejadas e coordenadas por fiscais do Ibama foram tão bem-sucedidas que foram capazes de zerar o desmatamento em algumas regiões, como é o caso da Terra Indígena Ituna-Itatá no Pará após a operação do Ibama em 2020.

Essa operação ganhou as manchetes de jornais e esse sucesso levou à exoneração do servidor que coordenou a operação. Parece estranho um servidor ser punido por ter executado suas atribuições de forma satisfatória…

As GLO, com todo o aparato das Forças Armadas e com todos os recursos financeiros que consumiram mostraram-se bem menos eficazes que as operações planejadas e coordenadas pelo órgão ambiental federal. Um fator que claramente explica a pouca eficácia das operações com as FA é a forma com que são executadas as operações. O estardalhaço, as evidentes movimentações de tropas inviabilizam o necessário fator surpresa que permite o flagrante e a autuação.  Ou seja: fatores como sigilo, monitoramento prévio e surpresa, são elementos essenciais para o sucesso das operações.

Diferente de algumas operações anunciadas, como a realizada na semana passada em que Salles divulgou transferência de seu gabinete para cidades paraenses.

“Nos parece bem claro: primeiro você destrói a capacidade operativa do órgão. Que a propósito, não tem servidores em quantidade suficiente porque não tem concurso público. Depois, inundam os órgãos ambientais com militares em postos estratégicos e acenam, para a opinião pública com a realização de concursos para contratação temporária de servidores, o que de maneira nenhuma resolve o problema”.

Lei da mordaça

Beth diz que em 2010 o Ibama tinha cerca de 1600 fiscais. Os quadros foram diminuindo até chegar à marca atual de pouco mais de 600 fiscais. “Não somos contra os temporários, mas servidores concursados tem atribuições inscritas em lei. E isso garante independência diante dos dirigentes de plantão. É por isso que a gente tem estabilidade, para que a gente tenha independência para atuar independente do governo de plantão. Afinal, somos servidores do Estado e não de governos”

Ela enfatiza que as atividades de fiscalização não devem ficar sob responsabilidade de quem tem vínculo empregatício frágil. Sem proteção, podem ficar reféns, pois precisam do emprego.

Tomando como exemplo o caso da manifestação do servidor Hugo, que foi duramente repreendido, ela explica que o servidor tem autonomia para lavrar um auto e depois de feito isso, não tem volta. “Mas eles querem que seja feito um relatório da situação, que você mande para o superior e ele é quem vai consentir ou não com a multa. E vale ressaltar, a maioria das chefias estão em cargo de confiança do governo. Submeter seu parecer para que ele seja validado ou não, compromete duramente a autonomia dos fiscais que acabam tendo que se submeter a dirigentes que nem sempre pertencem à instituição, têm cargos políticos e não técnicos! “

É ou não uma lei da mordaça? “Atualmente, toda e qualquer discordância é vista como insubordinação e, a critério do chefe de plantão pode resultar, inclusive, em demissão do servidor.”

Beth conta que durante a pandemia os servidores tiveram problemas para sair a campo. Muitos tiveram que participar de operações, arriscando suas vidas. “Pedimos prioridade na vacinação, principalmente porque acessamos lugares em que vivem povos isolados. É uma forma de protegê-los também. Teve ainda quem voltou para casa doente. Muitas vezes, servidores tiveram que comprar kits de proteção à covid com o dinheiro do próprio bolso. Pedimos que os que tivessem comorbidades fossem afastados das atividades de campo, mas não fomos ouvidos. Recebemos sim, ameaça de instauração de PADs “. Pedidos de remoção também não têm sido atendidos e remoções à revelia viraram regra.

E concomitantemente o governo tenta passar a boiada com normas legais e infralegais. São inúmeros os Projetos de Lei ou Medidas Provisórias que vêm sendo apreciados ou votados no Congresso Nacional que se aprovados, acabarão de vez com o que resta da área ambiental e consequentemente do nosso meio ambiente. Alguns exemplos são o PL que flexibiliza o licenciamento ambiental e o PL da Grilagem que pretende regularizar terras invadidas na Amazônia. Temos ainda as Portarias, Instruções Normativas que são editadas com os mesmos objetivos. Tudo para atender ao que há de mais atrasado em setores econômicos do Brasil”.

A Lei de Licenciamento Ambiental, enfatiza a representante da Ascema, vai esvaziar os órgãos ambientais dedicados ao licenciamento na medida em que empreendimentos que hoje são avaliados a partir de Estudos de Impacto Ambiental serão exceção à regra. Está-se propondo um licenciamento automático a partir de uma simples declaração do empreendedor. É importante que a sociedade reconheça os perigos que todos corremos se isto se efetivar: acidentes como Brumadinho e outros poderão se tornar corriqueiros. O PL da Grilagem, se aprovado, vai legalizar terras ocupadas irregularmente. Mesmo antes de aprovado, este PL já acarretou imensos prejuízos ambientais ao país, na medida em que sinalizou com a possibilidade de regularização de terras invadidas e teve enorme influência no aumento estrondoso das invasões e desmatamentos ocorridos na Amazônia desde sua proposição.

Por fim, é importante denunciar a tentativa de militarização do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, através de PL que atribui às Policias Militares e Bombeiros, a atribuição de competência que hoje pertence aos órgãos ambientais.

Salles e sua comitiva no Pará (Reprodução Twitter Salles)