Em mobilização nesta semana na Capital Federal, lideranças indígenas levaram suas denúncias a audiência pública na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, realizada nesta terça-feira (15). As lideranças seguem em luta pela defesa de seus territórios e contra ameaças de grande vulto, como o PL 490 e a definição do Marco Temporal.
Ao abrir a audiência pública, o presidente da comissão, Waldenor Pereira (PT-BA) lembrou que até a chegada dos europeus no Brasil, estimam-se que haviam mais de 1 mil povos somando entre 2 e 4 milhões de pessoas indígenas. “Atualmente encontramos no território brasileiro 256 povos indígenas e de acordo com último censo do IBGE estes somavam em 2010, 896.917 pessoas”. Os povos indígenas representam 0.47% da população brasileira e mesmo assim, são alvo de constantes ameaças que comprometem suas vidas.
A política de extermínio da população indígena está mais ativa que nunca diante das ameaças do governo Bolsonaro, do Ministério do Meio Ambiente, do Legislativo, da inoperância do Judiciário e do descaso da FUNAI. Diariamente seus territórios são alvos de invasores ilegais, como garimpeiros, grileiros e madeireiros que cobiçam recursos naturais.
“E os povos indígenas Kayapó, Yanomami e Munduruku são hoje as etnias mais afetadas pelo avanço dos garimpeiros”, ressaltou o deputado ao pedir a audiência pública.
A vice coordenadora da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), Alessandra Korap denunciou que há deputados e senadores usando indígenas. Seu povo, os Munduruku, tem sido alvo de ações truculentas. Um dia anterior a audiência novos ataques aconteceram, com animais do seu povo sendo mortos como forma de ameaça.
“Mas eu não posso ficar calada enquanto os povos indígenas estão sendo massacrados. E viemos aqui falar por nós mesmos”. Ela lamenta que nos dias atuais, não podem contar nem mesmo com os ministérios da Justiça e Defesa. “Não fazem seu papel”.
Ela lembrou que os povos indígenas são guardiões da natureza. “Se acabar o povo indígena, acaba o meio ambiente. Tentamos ficar isolados, mas não tem como com tanto invasor em nosso território. Nossas lideranças tiveram que sair escoltadas de Jacareacanga para não serem mortas. Para não ter o direito de falar aqui na Casa do Povo”.
E desabafou: “precisamos tirar esse homem (Bolsonaro). Você vê, estou aqui fazendo o meu papel de proteger o meu povo, mas ele não protege o povo brasileiro”. Lembrou que os indígenas são guardiões da natureza e, por consequência, das terras da União.
Assim, alertou para a contaminação dos rios em decorrência do avanço do garimpo. “O peixe que estamos comendo, contaminado, a cidade também está. A água contaminada que estamos bebendo, também chega na cidade”.
Dario Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, segue incisivo na denúncia aos ataques a comunidades em Roraima. “Dentro da TI homologada estão levando armas pesadas, como metralhadoras. Isso é crime na lei brasileira. Não tomam providência alguma para punir essas pessoas que estão fazendo maldade à nossa mãe terra. Estamos sendo bombardeados, atiram contra nós. E a situação é ainda mais grave para nossos povos isolados”. E lembrou que não é por falta de denúncia, pois são feitas constantes notificações às autoridades policiais e forças de segurança, mas nada acontece.
Sonia Guajajara disse que a perseguição a lideranças que se opõe ao governo também é crescente. “Somos perseguidos pela própria Funai. Vejam só onde chegamos! Um órgão indigenista que foi criado para proteger e promover direitos indígenas e hoje persegue lideranças. É por isso que estamos em Brasília hoje”.
Mesmo diante da situação de pandemia, tiveram que deixar suas casas para lutar por seus direitos em Brasília. “Sabemos dos riscos, mas igualmente estamos correndo riscos lá também. Com essas invasões e com todas as medidas que estão sendo pautadas aqui nesse Congresso. A gente traz aqui nossa preocupação com o PL 490”.
Sonia Guajajara destaca que povos indígenas têm o direito constitucional a territórios (Foto: Mídia Ninja)
Os povos indígenas estão preocupados com o impedimento de demarcação de terras indígenas. “É uma autorização para passar a boiada, abrir a porteira para passar garimpo, agronegócio, arrendar terras indígenas. O Congresso precisa entender que nós indígenas temos o direito constitucional que nos garante os territórios. O Estado tem o dever de demarca-los. Isto está escrito na Constituição Federal. Então, não é querer ou não querer de um presidente, é obrigação”.Segundo Sônia, na audiência fora dada a oportunidade para os indígenas sensibilizarem os deputados, para que apoiem a luta indígena em defesa do meio ambiente, em defesa da humanidade que usufrui dele.
“Estamos com mais de 650 indígenas em Brasília, para exigir a retomada da demarcação de nossos territórios, para pedir a retirada dos invasores garimpeiros, madeireiros de nossos territórios. Se esse PL for aprovado esta casa estará decretando o genocídio indígena, estará decretando a morte dos povos indígenas desse país. Demarcação já, fora garimpo, fora covid e vacina para todos”.
Os indígenas seguem em acampamento em Brasília para acompanhar julgamento do Superior Tribunal Federal (STF) que envolve a decisão sobre o Marco Temporal e também, do julgamento de pedido da Apib ao STF para retirada de invasores de sete terras indígenas (TI), entre elas a TI Munduruku e Yanomami, além, da solicitação de apoio e segurança aos dois povos indígenas que estão sob ataque de garimpeiros ilegais e facções há mais de um mês.
O Marco Temporal é uma tese que defende que os povos indígenas só podem reivindicar terras onde já estavam no dia 5 de outubro de 1988, data em que passou a vigorar a Constituição Federal.
PL 490
De caráter institucional, o PL (Projeto de Lei) está em debate na Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ). Sob a relatoria de Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), tem o objetivo principal de estabelecer que as terras indígenas serão demarcadas através de leis. O que, garantem juristas, é inconstitucional. Hoje esse procedimento é feito administrativamente pelo Poder Executivo Federal.
Depois de negado requerimento de retirada da pauta nesta manhã de quarta-feira (16), houve pedido de vista conjunta aos deputados federais Joenia Wapichana, Maria do Rosário, Paulo Teixeira e Rui Falcão.
Em parecer, a deputada indígena Joenia Wapichana, alerta que o PL altera conceitos das modalidades de terras indígenas: as que são tradicionalmente ocupadas, áreas reservadas e terras adquiridas.
Altera também procedimentos de demarcação, que hoje são regidos por decreto do Poder Executivo, com a restrição de direitos imposta pelo Poder Legislativo, limitando o direito constitucional às terras que podem ser demarcadas, o direito de posse permanente, o direito de usufruto exclusivo sobre recursos naturais nelas existente, afetando a inalienabilidade das terras indígenas e a imprescritibilidade destes direitos e impedindo a correção de erros ocorridos em demarcações que não levaram em consideração os critérios constitucionais.
O PL 490 impacta os processos ainda não concluídos e torna nula a demarcação que não atenda aos preceitos do projeto, e sob a autorização de suposta autonomia econômica aos povos indígenas, o texto abre brechas para o uso das terras por não indígenas. Ao todo, 13 PLs-retrocesso estão apensados ao PL 490.