Dona Ângela Morais lidera incursão pela mata em busca de plantas que serão usadas em remédios (Reprodução Facebook)

 

Uma comunidade quilombola, em Mineiros (GO), a Comunidade do Cedro, adota práticas inspiradoras de convivência harmoniosa com o Cerrado. Mantenedores de saberes ancestrais alguns moradores são mestres do preparo artesanal de medicamentos a partir do uso de plantas nativas, como Lucely Pio e Ângela Morais.

Tudo o que sabem aprenderam com seus pais e avós. Dona Lucely, a propósito, é tataraneta de Francisco Antônio de Moraes, o Chico Moleque, que em 1779 deu início à comunidade. Comprando sua liberdade e de sua família, fincou raízes na curva do Rio Verde e logo o lugar passou a acolher escravos que fugiam das fazendas do entorno.

O legado de Chico foi preservado por gerações e gerações e hoje se perpetuando até os dias atuais. Ele era um exímio conhecedor das plantas medicinais e desde então, a comunidade vem usando desses conhecimentos para desenvolver remédios caseiros que têm poder curativo.

“Mas, de forma direta, fui influenciada pela minha avó Maria Bárbara. Com cinco anos de idade eu já sabia a função de cada planta que coletava no Cerrado. Cada uma tem sua funcionalidade e até horário certo para ser colhida. Cada erva possui um ciclo que precisa ser respeitado”.

A comunidade se dedica a projetos de reflorestamento das nascentes e veredas do Quilombo Cedro (Reprodução Facebook)

Assim, todas as famílias mantêm suas hortas nos quintais de suas casas. Já em meio ao Cerrado, os moradores da Comunidade do Cedro realizam um trabalho de coleta sustentável e plantio de espécies que estão em extinção. A comunidade trabalha com 450 tipos de plantas medicinais e luta para mantê-las vivas.

Com um núcleo dedicado ao preparo artesanal de medicamentos um espaço importante da comunidade quilombola é o Centro Comunitário de Plantas Medicinais do Cerrado conhecido no povoado como “laboratório”. Foi criado para concentrar o preparo de medicamentos naturais do Cerrado.

Outra mestra que domina a tecnologia tradicional é Ângela Morais. “Aqui tem remédio de toda qualidade, para sinusites, gripes, reumatismos e vários tipos de infecções”. São 90 medicamentos com fórmulas que foram sendo aprimoradas ao longo de centenas de anos de observação das plantas e seus poderes curativos.

Segundo ela, o trabalho é feito de forma organizada. Cada dia da semana é separado para colheita, produção e preparo dos produtos naturais. E realça: “vem gente de São Paulo, Brasília, Goiânia e Curitiba para comprar nossos produtos”.

Nas hortas dos quintais são cultivadas hortaliças e plantas medicinais (Reprodução Facebook)

E a comunidade também socializa o conhecimento sobre os modos tradicionais com a realização de cursos que dentre outros temas tratam de conhecimentos sobre manejo e aplicação de plantas como medicamentos e alimentos. As multiplicadoras do conhecimento ancestral também já ajudaram na criação de mais de 200 farmácias caseiras ou comunitárias em que medicamento são vendidos a baixo custo ou doados para quem não pode pagar.

O espaço físico do Centro Comunitário de Plantas Medicinais do Cerrado representa uma melhoria de infraestrutura nos novos tempos. Mas o sentimento de comunhão é o que continua movendo, principalmente mulheres e crianças, que antes de tê-lo pronto, se reuniam mensalmente debaixo de uma mangueira para fazer os remédios.

A comunidade, integrada à Articulação Pacari, uma rede socioambiental formada por outros grupos que praticam a medicina tradicional do Cerrado orgulha-se de outro feito: em conjunto outros detentores de saberes tradicionais, idealizaram a Farmacopeia Popular do Cerrado, que é uma publicação com mais de 300 páginas que cataloga plantas medicinais do bioma, para que são usadas e formas de manejo sustentável. Ao todo 262 raizeiros contribuíram com o projeto.

O conhecimento etnobotânico da comunidade, além de estar incrustrado na cultura dos moradores, também se tornou uma importante fonte de geração de renda e trabalho para os moradores.

Mais informações: (64) 99988-1897