Imagine alguém ter que usar caminhões-pipas para levar água para a planície mais alagada do planeta, um imenso reservatório de água doce. Foi o que aconteceu no ano passado com o Pantanal, quando queimadas históricas avançaram sobre 30% do bioma.
Em 2020, os corixos, fontes de água que são o último recurso de vida para os animais, foram disputados por eles, ao ponto de muitos terem morrido sem saída, nesses mesmos locais, como os jacarés.
Outros animais, com limitação de mobilidade, tombaram no solo enquanto fugiam do fogo e morreram queimados. Até mesmo os mais ágeis, como as onças, foram atingidos. Imagens desses animais com as patas queimadas viralizaram no ano passado.
Com os corixos contaminados pelas cinzas e restos de animais mortos, comunidades indígenas também tiveram que contar com a solidariedade para obter água potável e até mesmo alimento, diante de um cenário de roças de subsistência destruídas pelo fogo.
Nem bem se recuperou e o Pantanal chega ao novo período de estiagem em uma situação crítica, tal qual a observada no ano passado: chuvas foram abaixo da média na estação chuvosa e o nível dos rios está baixo, assim como a umidade relativa do ar.
A deputada federal Rosa Neide (PT-MT), que é coordenadora da Comissão Externa destinada a acompanhar e promover estratégia nacional para enfrentar as Queimadas em biomas brasileiros da Câmara Federal, a CEXQUEI, teme que a situação seja semelhante em 2021. As ameaças ao Pantanal e a crise hídrica que assola a Bacia do Paraguai são tema de audiência convocada por ela, para esta quinta-feira (15). Vai ser às 14h, com transmissão ao vivo.
Mais tarde, a partir das 18h, a coordenadora da comissão participa do Emergências Amazônia Queimadas, projeto da Mídia Ninja, com transmissão pelo Instagram e Facebook.
Rosa Neide aponta que a escassez de chuvas já afeta mais de 80% das propriedades estabelecidas no Pantanal.
“O Rio Paraguai, um dos maiores rios da América do Sul, passa por momento crítico com o pior nível de curso d’água dos últimos 50 anos. A crise de escassez hídrica perpetua o drama vivido em 2020, quando a seca agravou o avanço do fogo no bioma Pantanal”, alerta.
Ela cita ainda levantamento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais e do Serviço Geológico do Brasil que mostram que a estação chuvosa teve o menor índice de precipitação em 10 anos. “Os dados climatológicos apresentados apontam que não há indicativo de possibilidade de melhora nos próximos meses”, destacou.
A crise hídrica, segundo a deputada, já afeta, inclusive, a navegabilidade da bacia. “Em Porto Murtinho (MS) a média seria de 436 centímetros acima do nível mínimo e a régua mostra apenas 148, com diminuição constante”.
“Caminhada” pelos biomas
Sobre a atuação da comissão, Rosa Neide explica que com vigência até 2023 tem realizado audiências com especialistas de outros biomas para ampliar a abrangência. Também estão no foco, a Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga e Pampa.
“Depois de que finalizamos o relatório temático sobre o Pantanal, iniciamos uma caminhada pelos biomas”.
Como parte das estratégias da comissão, no mês passado ela se reuniu com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) para sugerir ações de enfrentamento às queimadas nos biomas brasileiros. Além de apresentar o relatório do Pantanal, fez recomendações de projetos de leis listados como prioritários pela Comissão.
Estes, visam estabelecer regramento para manejo e convivência com os biomas com intuito de normatizar o uso do fogo, além de projeto que garante proteção ao Pantanal e de recursos para proteger e dar assistência a animais: eles já são conhecidos como o PL do Fogo; PL do Pantanal e PL dos Animais.
Segundo ela, as proposituras surgem como contribuição parlamentar a partir do relatório que aponta como causas da tragédia que assolou o Pantanal no ano passado, questões climáticas, inércia estatal e a atuação humana.
Questões climáticas
Do viés climático, o relatório apontou que os índices de precipitação e umidade em níveis mínimos históricos, acompanhados por altas temperaturas foram fatores que favoreceram a ocorrência e difusão do fogo, além de carga hídrica bastante reduzida, com o menor volume de chuvas dos últimos 22 anos. Favorecendo os incêndios, registrou-se a ocorrência de ventos secos e mais velozes.
A seca mais terrível já vista antes, foi em 1960, mas diferente da de 2020, ela havia sido precedida por um período de inundação, o que não aconteceu no ano passado. Segundo a deputada, especialistas ressaltam que não se pode trabalhar com a ideia de que o bioma vai sempre se recuperar. Tudo isso encontra-se interligado às alterações do uso do bioma.
Colapso do sistema ecológico
As transformações no uso e ocupação da Bacia do Rio Paraguai são alvo de alerta.
“O pantanal está sofrendo um processo acelerado de interferências antrópicas que poderá levar ao colapso do seu sistema ecológico. As dinâmicas territoriais subjacentes a esse processo se localizam, em grande medida, nas áreas de cabeceiras dos principais rios da grande planície inundável. Desmatamento, expansão de monoculturas, barramentos hidrelétricos, uso massivo de agrotóxicos, crescimento urbano, ausência de saneamento e a mineração desordenada estão na origem de tais dinâmicas. Toda essa situação, agrava e potencializa os efeitos destrutivos dos incêndios na planície”, diz trecho do relatório assinado por parlamentares.
“E vale ressaltar, ficou comprovado que a origem dos incêndios foi criminosa. Assim como o Dia do Fogo na Amazônia houve também incêndios no Pantanal, que começou em fazenda no Mato Grosso do Sul”, diz a deputada.
O relatório destacou fala da representante da Comissão Pastoral da Terra, Valéria Pereira Santos que pontuou que as queimadas são crimes ambientais. “E crimes que têm um objetivo”, estando relacionadas “com toda essa cadeia de grilagem de terras e do desmatamento. Se as mudanças, como a introdução da monocultura do milho e da soja, o desmatamento, a destruição das cabeceiras dos rios que alimentam o Pantanal, continuarem persistindo, e o assoreamento levando terra, areia e agrotóxico para dentro da região, o Pantanal não se sustenta”.
E a deputada complementa: “no cruzamento de dados que temos em relação a outros biomas, a produção agropecuária no Cerrado e o desmatamento na Amazônia tem agravado a situação no Pantanal.
Essa correlação, segundo ela, vem sendo analisada pela comissão neste ano. “As nascentes são destruídas no Cerrado, as hidrelétricas diminuem o volume de água e para plantar soja, por exemplo, começam a drenar água dos rios. As cabeceiras secam e o assoreamento faz areia descer para o Pantanal. Com a alteração da paisagem, dos rios que brotam no Planalto e destruição das nascentes, a tragédia no Pantanal é certa”.
Em 2021, surge como nova ameaça ao Pantanal, processos de licenciamento ambiental de novas Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e Usinas Hidrelétricas (UHE), no Rio Cuiabá.
“Se esses processos forem levados adiante e essas usinas forem instaladas no Rio Cuiabá, a situação ficará ainda pior para o Pantanal com o recuo do rio”. Na terça-feira (13), A Vara Especializada do Meio Ambiente de Mato Grosso acolheu pedido de tutela provisória de urgência feita pelo Ministério Público e por ora, estão suspensos todos os processos de licenciamento de seis novas represas.
“A destruição de peixes que morreram intoxicados por cinzas seria ainda pior com a instalação e hidrelétricas. Imagina como ficará a vida de moradores de comunidades tradicionais e indígenas do Pantanal?”, lamenta a deputada que no ano passado teve proposta de auxílio de água e cestas básicas a indígenas vetada pelo presidente Jair Bolsonaro.
Inércia do Governo
Clima e ação humana somada à omissão do Governo: é apontada como a fórmula da tragédia. “Não há dúvidas de que a grande maioria dos incêndios no Pantanal foram motivados por ação humana. Os depoimentos de pesquisadores e de autoridades, inclusive de delegados de polícia responsáveis por investigações, apontam a presença humana na origem da absoluta maioria dos incêndios”, diz a deputada.
E o Governo Federal, mesmo que muito notificado, permaneceu por meses em absoluta inércia. O descaso é também comprovado pelos números. “Os profissionais e voluntários que atuaram no Pantanal, esses sim, são verdadeiros heróis da pátria e merecem o nosso devido reconhecimento”.
A deputada relembra que em meio ao caos, o Governo Federal chegou ao ponto de alegar falta de recursos, suspendendo o trabalho de brigadas de incêndios florestais em todo o país.
“E quando não havia mais como fechar os olhos, enviaram algo em torno de 20 agentes da Força Nacional. Imagine que uma equipe com este número de agentes não consegue apagar o fogo de um prédio, que dirá atuar contra incêndios florestais daquela proporção”.
Projetos de lei para o Pantanal
Diante do aprofundado diagnóstico sobre o desastre ambiental que assolou o Pantanal em 2020 e seus impactos sobre a fauna, a flora e a população que habita a região, a Comissão apresentou proposituras, especialmente, de aprimoramento da legislação ambiental, tratando sobre temas relevantes como o resgate de animais, a destinação de recursos para a efetiva conservação dos biomas, a proibição da prática nociva do correntão para desmatamento e a responsabilização do uso irregular do fogo no manejo.
Visando economia processual e celeridade no processo legislativo, foram avaliados e identificados dentre as proposições em tramitação na Câmara dos Deputados aqueles projetos cuja aprovação atenderia aos anseios da sociedade e contribuiria para a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável do bioma.
Dentre as propostas consideradas essenciais para garantir a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável da região, destaca-se o Projeto de Lei nº 9050/2018, o PL do Pantanal, que dispõe sobre a conservação e o uso do bioma. Com a anuência dos autores da proposta, que também são integrantes desta Comissão, o “PL do Pantanal” foi atualizado a partir de sugestões e demandas apresentadas nas reuniões técnicas. O presidente da Câmara, Arhtur Lira, prometeu colocá-lo em pauta neste segundo semestre. Assim como os projetos de lei do Fogo e dos Animais.
“É uma iniciativa que vai na contramão de projetos como o que flexibiliza o licenciamento ambiental, um tapa na cara do Brasil que está dando marcha ré nas questões ambientais. Aposta em uma economia primária de exportação que aumenta desmatamento, agrotóxicos”.
O PL 9950/18, de autoria do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), aborda a conservação e o uso sustentável do bioma. A relevância ecológica do Pantanal encontra-se expressamente destacada na Constituição Federal de 1988, que o qualifica como Patrimônio Nacional, condicionando sua utilização ao cumprimento de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, na forma da lei, mas isso não acontece.
Atualmente, os impactos ambientais e socioeconômicos no Pantanal são evidentes, decorrentes da inexistência de um planejamento ambiental que garanta a sustentabilidade dos recursos naturais do bioma.
Como parlamentares acentuaram no relatório, “a expressão ‘patrimônio nacional’, não se refere ao sentido de propriedade ou patrimônio disponível do Estado, e sim de uma riqueza ecológica que demanda proteção mais efetiva. Contudo, passados mais de 30 anos da promulgação do texto constitucional, ainda não foi aprovada lei específica que defina as condições necessárias à preservação do bioma, considerando suas fragilidades e especificidades naturais”.
Já o projeto de lei 11276/18, “o PL do Fogo, determina regras para o manejo do fogo. Onde pode, quando pode, de que maneira pode”.
Por fim, o PL 4670/20 institui uma política de proteção, resgate, acolhimento e manejo de animais afetados por acidentes, emergências e desastres ambientais, denominada Política de Acolhimento e Manejo de Animais Resgatados (Amar). A proposta foi apresentada pelos deputados Célio Studart (PV-CE) e Alessandro Molon (PSB-RJ) à Câmara.
“Não temos rubrica de financiamento com garantia legal. Não há nada que verse sobre o direito vegetal e animal”. Em linhas gerais, o texto estabelece procedimentos mínimos para a proteção da fauna doméstica e silvestre durante esses eventos, dispondo sobre responsabilidades do poder público, dos empreendedores e da sociedade como um todo no enfrentamento do problema.
Segundo a deputada, além de propor atualização na legislação do Pantanal e outras normatizações para uso do fogo e garantia jurídica para defesa dos animais, o colegiado vai continuar cobrando do governo federal que assuma suas responsabilidades constitucionais na coordenação, no emprego de brigadistas e na disponibilização de equipamentos para o combate aos incêndios nos biomas do país.
“Junto a especialistas e representantes dos dois governos, de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, fizemos muitas discussões de melhorias para proteção do bioma. Ainda que o Governo Federal não colabore, eles parecem estar abertos. O Governo Federal, por sua vez, abre crédito para compra de máquinas agrícolas, passa o tratoraço mesmo. Ao tempo em que deveria comprar é caminhão pipa”.
São membros titulares da comissão: Pedro Cunha Lima (PSDB/PB), Célio Studart (PV/CE), Dr. Leonardo (SOLIDARIEDADE/MT), Idilvan Alencar (PDT/CE), Professor Israel Batista (PV/DF), Túlio Gadêlha (PDT/PE), Alencar Santana Braga (PT/SP), Alessandro Molon (PSB/RJ), Alexandre Padilha (PT/SP), Camilo Capiberibe (PSB/AP), Célio Moura (PT/TO), David Miranda (PSOL/RJ), Gervásio Maia (PSB/PB), Ivan Valente (PSOL/SP), Marcelo Freixo (PSOL/RJ), Merlong Solano (PT/PI), Nilto Tatto (PT/SP), Paulo Teixeira (PT/SP), Rodrigo Agostinho (PSB/SP), Rubens Otoni (PT/GO) e Vander Loubet (PT/MS).