Agravamento da seca como efeito de desequilíbrio climático agravado pelo desmatamento, estratégias de prevenção e combate dos incêndios florestais e a atuação de brigadas no Brasil e países vizinhos que compartilham os biomas Amazônia e Pantanal foram foco de debate do Emergências Amazônia Queimadas, realizado nessa quinta-feira (15).
Dois encontros organizados pela Mídia Ninja e Casa Ninja Amazônia, associadas ao 342 Amazônia e à Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) conectaram pesquisadores, brigadistas e ambientalistas do Brasil, Argentina, Bolívia, Peru e Colômbia.
Mediadora do “Apagando o Fogo: Encontro Internacional de Brigadistas”, a co-fundadora da Mídia Ninja, a ativista Marielle Ramires destacou o caráter do evento: “Nosso objetivo é impulsionar a colaboração mútua para a construção de um plano de ação comum entre brasileiros e latinos. Ouvindo sobre as vivências de agentes desses países, podemos encontrar juntos mecanismos alternativos para fazer frente à inércia estatal”.
Um dos primeiros a falar, o engenheiro florestal e coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do Instituto Centro de Vida (ICV), Vinicius Silgueiro, trouxe à tona as perspectivas dos incêndios florestais em Mato Grosso, um dos estados que possui mais biomas em seu território e nos quais, a situação do desmatamento é das mais críticas.
“Mato Grosso responde por 25% do número total de focos de calor registrados desde o início de janeiro, mais de 6 mil focos de calor registrados até o início de julho, dos quais 70% são detectados na porção Amazônia, 29%, Cerrado e 1% no Pantanal. Bioma este dos mais afetados em 2020, com 40% da área de MT consumida pelo fogo”.
Segundo ele, desde 2019 e 2020, a situação se agrava bastante na porção Centro-Sul do país. “Seca esta que segundo pesquisas do Inpe, tem associação direta com o desmatamento acumulado no bioma Amazônia. Isso tem afetado um fenômeno conhecido como os rios voadores, que é essa grande massa de umidade e chuvas que vem da Amazônia para a porção Centro-Sul do país”.
Vinicius destaca que o ICV tem produzido informações e disponibilizado em seu site, um painel que registra focos de calor, distribuídas por categorias, como fundiárias, biomas e municípios mais afetados pelo fogo no Estado. “E mais de 80% incide em imóveis rurais privados já inscritos no cadastro rural, mostrando que é possível identificar proprietários das áreas onde esse fogo teve origem”.
A mais nova ferramenta do ICV é um painel com levantamento de brigadas de prevenção e combate a incêndios em atuação em Mato Grosso. “Uma estratégica para apoiar a atuação, favorecer a comunicação entre brigadistas e compartilhamento de entendimento logístico”, destaca.
Sócio-fundador do Instituto Aquífero de Alter do Chão (PA), Gustavo Fernandes revela que no Pará, as perspectivas também “são cruéis”. Segundo ele, é um conjunto de fatores, somando condições climáticas até mesmo a condições culturais de utilização do fogo. “Faz parte da vida das pessoas, mas até mesmo o fogo manejado para subsistência tem sido bastante perigoso. É um cenário assustador diante dos dados de queimadas que temos e a seca que começa agora na Amazônia”.
O Instituto tem atuado para a formação e fortalecimento de brigadas, como na Resex Tapajós-Arapiuns, em Alter, na Terra Indígena Maró e nas comunidades ribeirinhas Anã e Maripá. “O Brasil tem alta tecnologia de satélites e comunicação, precisamos de investimento para formação de novas brigadas voluntárias com apoio do Ibama e ICMBio, além da criação de uma central de comunicação”, sugeriu.
O cineasta Takumã Kuikuro, da aldeia indígena kuikuro, do Alto Xingú, também vê na comunicação, importante aliada na construção de estratégias de prevenção e combate. “Realizamos um documentário para narrar a experiência de brigadas indígenas. O que a gente vê é que é preciso capacitação, pois elas são a primeira frente de combate a atuar e que podem dessa forma, impedir maiores proporções dos incêndios”.
Identificando a necessidade de compartilhamento de informações sobre combate, no Acre, o biólogo especialista em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais, Wendeson Castro, adiantou que um protocolo está a caminho.
“Temos realizado pesquisas com apoio do Fundo WWF em Rio Branco, Xapuri e Feijó. A qualificação certamente é uma das demandas para a formação de brigadistas. Pensando nisso desenvolvemos um material que será compartilhado em agosto, com orientações sobre manejo integrado do fogo”.
A redução de áreas de conservação traz prejuízos a Rondônia, como narra Bitaté Uru Eu Wau Wau, presidente da associação do povo indígena Uru Eu Wau Wau. “Este ano vai ser muito pior, principalmente por conta do desmonte dos governos federal e estadual. Este último, por exemplo, reduziu áreas de unidades de conservação. O que temos visto é uma grande invasão de garimpeiros, madeireiros e grileiros. E a nossa terra é uma das mais afetadas”, denuncia.
Presidente da Associação A’Pyhnre das Mulheres na Aldeia São José e chefe de Brigada na Terra Indígena Krikati (Amazônia no Maranhão), Celiana Cypcwyj Krikati está à frente dos trabalhos de prevenção e combate ao fogo há três anos.
“Dói muito ver a Amazônia queimando. Quando ela queima é uma parte da nossa história que queima junto. E o fogo não acende sozinho, é responsabilidade de toda a sociedade”.
Ela conta que a brigada indígena tem realizado manejo integrado do fogo e por isso, foram alvo de críticas. Um episódio deixou claro que é preciso investir na comunicação. “Estávamos realizando manejo integrado à beira da BR quando fomos filmados. Isso foi parar na mídia como se estivéssemos ateando fogo, mas estávamos tomando medidas de prevenção. Depois, tudo foi esclarecido, mas porque reagimos”.
Celiana testemunha duros embates no enfrentamento ao fogo, mas diz que não há outra saída, pois se trata de um benefício para o seu povo. “Da última vez, 60% da nossa terra foi queimada. O ambiente fica inóspito de fumaça. Então temos que tomar iniciativas de prevenção, como a queima prescrita que realizamos de junho a julho. Priorizamos locais sagrados, como as nascentes, matas virgens e áreas de frutificação.
Participaram ainda das discussões, o secretário executivo da Aliança para o Desenvolvimento Sustentável do Sul do Amazonas, Rodrigo Duarte e o presidente da Ong Floresta Viva e membro da brigada Joane Gerônimo da APA Igarapé São Francisco, Juliano Augusto.
A propósito, Juliano, que há 12 anos desenvolve trabalho de prevenção e combate ao fogo lembrou do manifesto realizado em junho deste ano, em que ele criticou a falta de apoio aos brigadistas. “Nos deram cursos, recebemos equipamentos, mas de outro lado, precisamos cuidar de nossas famílias. Sem contar os riscos que passamos no combate ao fogo. Como não somos chamados a fazer ao menos parte da construção de um plano de contingenciamento, ficamos deixados a um segundo plano”.
Ou seja, além de investir na criação, capacitação e com a cessão de equipamentos para que as brigadas atuem, o poder público precisa dedicar sua atenção também às necessidades desses agentes, os remunerando de acordo com o trabalho e o risco que correm ao sair de suas casas para se embrenhar na mata e combater incêndios.
Países vizinhos
O gerente de projetos de pesquisa e geomática aplicada, Armando Rodrigues, representou a Fundação Amigos da Natureza, da Bolívia. “A Fundação trabalha com monitoramento por satélite. Ao utilizar o sistema Satrifo, auxiliamos bombeiros e brigadas de contingência com informações climáticas que os auxiliam nas estratégias que melhor se aplicam para o combate ao fogo”, contou.
Compartilharam também suas experiências no encontro, o pesquisador argentino, Nicolás Mari; o brigadista e documentarista peruano, Vidal Merma e a fotógrafa, a jornalista que realiza cobertura de combates a incêndios, Natalia Roca e Jorge Campanini, pesquisador do Centro de Documentación e Información Bolivia (Cedib).
Combate às queimadas
Mais cedo, com transmissão simultânea pelo Instagram e Facebook da Mídia Ninja (Acesse aqui), Raíssa Galvão (Mídia Ninja), Mari Stockler (342) e a consultora de comunicação na área socioambiental, Edilane Abreu foram mediadoras em live com especialistas no combate às queimadas.
Participaram o doutor em ecologia e co-fundador do Ipam, Paulo Moutinho; Hernando Hernández (COL) – Especialista em SIG para a Gestão Integrada de Zonas Costeiras do Instituto Internacional de Pesquisas Aeroespaciais e Ciências da Terra; Rosa Neide (BRA) – Deputada Federal pelo Mato Grosso; Nicolás Mari (ARG) – Pesquisador, professor, integrante da Coordenação da Rede Latino-Americana de Sensoriamento Remoto e Incêndios Florestais (RedLatif); Hiparidi Toptiro (BRA) – Líder do povo a’uwe Xavante da Aldeia Abelhinha (MT) e Letícia Larcher, secretaria executiva do Instituto Homem Pantaneiro.