Por conta do uso de maneira desenfreada e irresponsável, o garimpo ilegal na Amazônia está elevando a contaminação do solo, ar e água por mercúrio, a níveis alarmantes. As comunidades ribeirinhas e indígenas são as mais afetadas, pois além da degradação ambiental, o mercúrio traz sérios danos à saúde, principalmente ao sistema nervoso central.
Os peixes contaminados, por exemplo, quando ingeridos aumentam a concentração de mercúrio no corpo das pessoas. E vale ressaltar, por vezes, os peixes são o único alimento de ribeirinhos e indígenas.
O cérebro é o órgão mais afetado pela ação do mercúrio, que uma vez na corrente sanguínea também atinge os rins e fígado. Ele também pode passar pela barreira placentária, contaminando os bebês antes mesmo do nascimento.
O mercúrio está fortemente ligado também a outras mazelas que vêm associadas a ele: ilegalidade, degradação e ausência de políticas públicas, de fiscalização e de punição.
Para que qualquer pessoa interessada no assunto possa entender toda sua complexidade, mas de maneira simplificada, o WWF-Brasil, em parceria com a Fiocruz, CINCIA e outras instituições criou o Observatório do Mercúrio, uma plataforma georreferenciada que serve como fonte de informação e base de estudos. A plataforma também traz detalhes sobre o “caminho do mercúrio” no garimpo ilegal. Contrabandeado de países vizinhos, é usado de forma descontrolada na busca pelo ouro, sendo depois lançado de forma incorreta no solo, na água e no ar.
Pressão sobre terras indígenas
São disponibilizadas 13 camadas que mostram onde estão os rios, Territórios Indígenas (TI), unidades de conservação, municípios, entre outras.
Nas TIs, por exemplo, é possível visualizar a pressão do garimpo na Terra Indígena Munduruku, na bacia do Tapajós, no estado do Pará. Demarcada em 2000, é morada de diversos povos indígenas, inclusive grupos de isolados ou de contato recente.
Além dos ilegais, nessa mesma área há quase 600 registros de garimpo legalizado ou com pedido de autorização de lavra.
A Terra dos Tikuna, nos municípios de Benjamin Constant e São Paulo de Olivença (Amazonas), é outro exemplo de que a presença do garimpo legal ou do requerimento para ele também atrai o ilegal.
A região tem listados “requerimentos de pesquisa”, o primeiro passo para solicitação de exploração na área. O garimpo é proibido em terras indígenas, no entanto, os requerimentos de pesquisa têm sido feitos junto à Agência Nacional de Mineração (ANM) e ficam no aguardo de uma futura liberação.
Assim, a plataforma traz dados oficiais sobre pedidos de lavra garimpeira e mineração ilegal de ouro, assim como ações do Ministério Público relacionadas ao garimpo ilegal. Algumas dessas determinam que garimpos ilegais façam a recuperação das áreas degradadas como é previsto na licença de lavra.
No caso da análise da contaminação visível no mapa, na plataforma foram inseridos estudos sobre esses temas, indicados de acordo com a localização onde as pesquisas foram realizadas. É possível ainda diferenciar, por cores, o nível de concentração de mercúrio encontrado nos peixes e humanos.
Com os dados compilados de um cenário macro, é possível entender a conexão entre os diversos desafios da região amazônica e apontar os caminhos que tragam soluções integradas para o problema do garimpo de ouro.
Mercúrio contrabandeado
Como consta no Observatório do Mercúrio, embora tenha venda controlada no Brasil e em mais de uma centena de países., a substância continua seu caminho de contaminação porque é usada de forma ilegal.
No garimpo ilegal, o mercúrio chega às lavras contrabandeado de países vizinhos e é usado de forma descontrolada na busca pelo ouro, sendo depois lançado de forma incorreta no solo, na água e no ar.
Em contato com micro-organismos (presentes em determinados espaços onde ocorre a mineração), se transforma em metilmercúrio, uma forma ainda mais tóxica, contamina fauna e flora.
O Brasil produz cerca de 100 toneladas de ouro declaradas anualmente, a maioria para exportação, e os principais destinos são Suíça, Canadá, EUA e Emirados Árabes. O ouro não está apenas onde brilha, mas pode ser encontrado em equipamentos do dia a dia, como aparelhos celulares, chips e placas de computador. Boa parte dos eletrônicos possui alguma quantidade de ouro em suas ligas. Isso quer dizer que estamos todos envolvidos nessa cadeia.
O mercúrio está presente na natureza, no entanto, o desmatamento, queimadas e alterações antrópicas liberam e aumentam sua concentração na atmosfera. Somando-se a essa quantidade natural as toneladas despejadas anualmente pelo garimpo, o resultado pode ser um futuro temeroso.
Estudos de mais de quatro décadas
O objetivo do Observatório é contribuir para trazer visibilidade a esta complexa questão que já está trazendo graves prejuízos à saúde da Amazônia e das pessoas que ali vivem.
A ferramenta conta com revisão sistemática da literatura científica entre 1980 e 2021. Para os 41 anos analisados neste levantamento, foram compilados registros de contaminação em humanos e em peixes. Os estudos foram georreferenciados usando as coordenadas disponíveis ou por aproximação quando necessário. A atualização será feita periodicamente por especialistas e você está convidado a contribuir enviando novos registros publicados para: [email protected].
Fonte: Observatório do Mercúrio