Cachoeirão está localizado nos municípios de Sapezal e Campos de Júlio (Foto: Prefeitura de Sapezal)

 

Mais uma usina ameaça comunidades indígenas em Mato Grosso, distribuídas no entorno do berço das águas dos rios amazônicos, o Rio Juruena. A Hidrelétrica Cachoeirão, projeto da Amaggi Energia, empresa do ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi já tem licença prévia aprovada, mesmo com relatório apresentado ao Conselho Estadual do Meio Ambiente de MT (Consema), apontando irregularidades e alertando sobre impactos em comunidades indígenas e ainda, sobre a existência de um sítio arqueológico.

Lideranças Rikbaktsa notificaram o Consema por meio de uma carta, expondo os motivos de suas preocupações, mas pelo visto, foram considerados irrelevantes. No documento, os membros são alertados sobre o impacto causado por outros empreendimentos anteriores, como a escassez de peixes, poluição da água e secas extremas. Ou seja, prejuízos que refletem na organização cultural das aldeias, além é claro, da questão da sobrevivência. Nem mesmo a defesa do conselheiro e revisor do processo no Consema, Herman Oliveira, convenceu os membros do contrário.

A Cachoeirão está localizada nos municípios de Sapezal e Campos de Júlio, em região onde já existem 20 empreendimentos, dez em funcionamento ou em fase de licença de operação, como aponta reportagem de O Globo. Além das barragens, o uso de agrotóxicos é altamente danoso a essas comunidades, pois além das empresas de geração de energia que alteram o ecossistema, a água do rio também vem sendo usada para irrigar o Noroeste do Estado, repleto de lavouras de soja.

Herman Oliveira disse em relatório que não só os Rikbaktsa seriam diretamente afetados, como também, as comunidades dos Enawene-Nawe, Manoki (Irantxe), Myky e Nambikwara.

A legislação torna obrigatória a realização do Estudo de Componente Indígena (ECI), mas o Consema não considerou que que as etnias seriam pertencentes à área de abrangência da Usina.  A portaria interministerial nº 419 da Amazônia Legal estabelece que o estudo deve ser feito com uma abrangência de até 40 km, afinal, o impacto ocorre ao longo do rio e desse modo, atinge os outros povos.

Herman apontou assim, que o Estudo de Impacto Ambiental não tem todos os documentos exigidos. Outro agravante é a ausência de estudos atuais dos efeitos socioambientais do licenciamento de empreendimentos hidrelétricos na bacia do Juruena. A Empresa de Pesquisa Energética realizou uma avaliação há 11 anos.

Ele avalia que ao construir uma hidrelétrica entre duas Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), a Amaggi poderá esconder o impacto de uma grande área de alagamento.

Nas questões em que são alegadas aprovações dos indígenas, a coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da Operação Amazônia Nativa (Opan), cuja organização tem monitorado o aumento do percentual de usinas em operação e as que serão implementadas, alguns dão aval e outros não. E essas desaprovações são omitidas nos processos. E então, alerta, as pesquisas deveriam ser realizadas com muito mais cuidado.

Segundo a Opan, há 160 projetos hidrelétricos para a bacia do Juruena, e 113 ainda não saíram do papel. Ainda de acordo com o levantamento, comparando com os monitoramentos anteriores, de 2019 a agosto de 2021, por exemplo, houve aumento de 54% na instalação de novas Centrais Geradoras Hidrelétricas, com potência ainda menor que as PCHs.

O Governo de Mato Grosso afirmou à reportagem de O Globo que foi feita a consulta aos indígenas e que a licença de instalação definitiva está condicionada a uma avaliação da Funai.

No relatório também consta a presença de um sítio arqueológico a 750 metros da usina. Na região, são cinco no total.

Mas um estudo de avaliação de impacto ao patrimônio arqueológico, feito por uma consultoria contratada pela Amaggi, foi aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que segundo nota, a partir de análise técnica, não foram encontrados sítios arqueológicos. E assim, o Iphan consentiu a liberação de obtenção de licenças ambientais.

Ritos indígenas também seriam afetados pela mudança no fluxo das águas. Os Enawene Nawe, por exemplo, realizam o Yaokw, tombado como Patrimônio Imaterial, pelo próprio Iphan, em cachoeira e a cerimônia, depende da abundância de peixes. Com as mudanças no ambiente, no ano passado tiveram que comprar peixe congelado para realizar o ritual.

A Amaggi disse à reportagem que não há qualquer irregularidade e que a Funai deverá emitir Termo de Referência e que teria feito consulta prévia com os povos Enawene Nawe e Nhambiquara e que os outros povos encontram-se fora da área delimitada pela legislação quando se trata de estudos de componente indígena para licenciamento ambiental.