Pecuária é uma das principais fontes de emissões de GEE no país (Victor Moriyama/Aliança Amazônia em Chamas)

 

Graziella Albuquerque, em colaboração para a Casa Ninja Amazônia

Durante a COP26, a questão do consumo de carne foi pauta das discussões sobre o combate às mudanças climáticas. Em relatório preliminar das Nações Unidas, elaborado para a COP, dados apontam que a adoção de uma alimentação com menos carnes e mais alimentos à base de plantas ajudaria a frear as mudanças do clima.

O documento foi elaborado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que é o principal órgão responsável por organizar o conhecimento científico sobre as mudanças do clima e orientar ações de combate. Segundo o IPCC, “dietas à base de vegetais podem reduzir as emissões em até 50% comparado com a média de emissões da dieta Ocidental”. A agropecuária é uma das principais atividades que contribuem para a emissão de gases de efeito estufa e o desmatamento.

Porque a alimentação à base de carne contribui para a crise climática?

As emissões de gás carbônico e metano, os dois principais gases do efeito estufa, ocorrem de três maneiras na produção de carne: com o desmatamento de áreas usadas para pasto, pela erosão do solo quando a pastagem é mal cuidada e pelos gases liberados pelo boi no processo de fermentação gástrica dos alimentos que ele ingere.

Gases de Efeito Estufa (GEE)

Um recente levantamento feito pela organização internacional Carbon Brief afirma que o Brasil é o 4º no mundo em ranking de emissão de gases poluentes desde 1850. Dos 20 maiores poluidores listados, o Brasil lidera na categoria desmatamento e emissões associadas ao uso da terra: mais de 85% dos 112,9 bilhões de toneladas de CO2 emitidos até hoje pelo país estariam associados à derrubada de florestas.

Desde 1990 (ano em que o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) começou a calcular as emissões por setor) a agropecuária é o segundo maior emissor de gases de efeito estufa no Brasil, respondendo por 27% do total das emissões brutas atuais.

Em primeiro lugar como o maior emissor de GEE do país é uma atividade diretamente ligada ao agronegócio: o desmatamento. Sendo responsável por 46% das emissões brutas atualmente. “Quando somamos as emissões do desmatamento e do agronegócio, temos 73% das nossas emissões brutas totais”, explica Rômulo Batista, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace.

A produção de apenas 1kg de carne bovina libera na atmosfera 2kg de metano (CH4) e cerca de 50kg de dióxido de carbono (CO2). O cálculo é do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) a partir de dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), de 2020, do Observatório do Clima.

Uma conta do Greenpeace Brasil baseada em um artigo alemão publicado no periódico “The International Journal of Life Cycle Assessment” mostra que, em níveis comparativos, consumir 1kg de bife equivale a dirigir um carro médio por 1.6 mil km.

Uma pesquisa da Universidade de Oxford também mostrou que a produção de carne bovina é, dentre todos os alimentos, o que mais emite gases do efeito estufa. Segundo esse estudo, mesmo uma porção de carne produzida com sustentabilidade é mais poluente do que uma porção de proteína vegetal produzida sem qualquer prática de redução de emissões.

Mesmo uma porção de carne produzida com sustentabilidade é mais poluente que uma porção de proteína vegetal produzida sem contar com as melhores práticas de redução de emissões (Fonte: BBC)

Outro estudo realizado pela Universidade de Oxford, calculou as emissões globais médias envolvidas na produção de 40 dos principais alimentos, com dados de 40 mil fazendas pelo mundo, e chegou à conclusão de que as carnes bovina e de cordeiro são as comidas que mais degradam o meio ambiente.

Desmatamento

No caso do desmatamento, a derrubada de árvores gera liberação de CO2 armazenado por essas plantas no processo de fotossíntese e novas absorções de gás carbônico deixam de ocorrer, causando um processo inverso, emitindo CO2 de volta para a atmosfera pela queima ou pela decomposição da madeira cortada. Outro ponto é que com o aumento da temperatura, as plantas diminuem a fotossíntese, deixando de absorver o CO2 e emitir vapor de água para o ambiente.

Na última década a Amazônia emitiu mais CO2 do que absorveu. Até mesmo as árvores que ficam de pé sofrem e deixam de contribuir para regular o clima. Cientistas apontam que uma única árvore grande, como as encontradas na floresta, com copas de 20 metros de diâmetro, pode bombear do solo mil litros de água por dia.

A devastação da floresta compromete o ciclo de chuvas e tem impacto principalmente na seca das regiões Sul e Sudeste. Os rios voadores provindos da floresta amazônica, são fluxos aéreos de água na forma de vapor que vêm do Oceano Atlântico e ganham força com a umidade da floresta, são fundamentais para o ciclo de águas que abastece o Brasil, e algumas cidades da América do Sul.

Erosão do solo

Outro impacto da pecuária está na erosão do solo usado para pasto. Segundo Isabel Garcia Drigo, gerente da área de Clima e Emissões do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), o solo fértil também absorve e armazena CO2. Se não há cuidado em manter a grama e as plantas onde circulam os bois, o solo vai perdendo vegetação e os minerais que o torna fértil, com isso, perde também a capacidade de armazenar gás carbônico.

“A gente tem 81 milhões de hectares de pastagens degradadas, com solo descoberto por capim. Áreas sem componente vegetal, seja de capim ou árvore, estão emitindo gases poluentes. Essas pastagens degradadas estão emitindo 39 milhões de toneladas de carbono para a atmosfera”, explicou Isabel à BBC News Brasil.

O Brasil tem, segundo dados do IBGE, mais de 214 milhões de bovinos, quase mais de um animal por cidadão do país (somos 212 milhões de pessoas). Ao passo que, em 2020, 19,1 milhões de cidadãos estavam em situação de grave insegurança alimentar, o que significa passar fome. Esses números representam 9% da população brasileira. Dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).

COP26

Durante a COP 26 mais de cem países aderiram ao Compromisso Global do Metano, um acordo para redução de metano em 30% até 2030, em relação aos níveis do ano de 2020. O Brasil, o quinto maior emissor do gás metano, aparece na lista como novo signatário do compromisso. O Itamaraty confirmou a notícia ao Jornal G1 e afirmou que “a oficialização da adesão cumprirá o cronograma da COP26”.

Segundo especialistas, o metano é 80 vezes mais potente na elevação das temperaturas da Terra que o dióxido de carbono (CO2), sendo responsável por 30% do aquecimento global desde os tempos pré-industriais. Como o metano tem vida mais curta na atmosfera que o CO2, reduzir as emissões dele é uma das formas mais eficazes e rápidas de desacelerar as mudanças climáticas.

Uma breve história da agropecuária no Brasil

No início do século 16, colonizadores europeus trouxeram para o Brasil vacas, porcos e galinhas para sua alimentação e funcionamento dos engenhos, pois serviam como “bestas” de carga e seu couro servia de uso para os colonos. Além disso, os rebanhos funcionavam como meio de ocupação e aumento dos territórios.

Após muitos anos, no início da década de 1950, a pecuária começou a ser incentivada pelo governo federal. Na época não havia nenhuma preocupação com desmatamento. Anúncios convocavam produtores a ocupar “o maior pasto do mundo”.

“Toque sua boiada para o maior pasto do mundo”, dizia uma propaganda do governo federal nos anos 1970, que incentivava produtores rurais a ocuparem uma região extensa da Amazônia com a intenção de evitar que as terras fossem invadidas por estrangeiros. Com o lema “integrar para não entregar”, a ditadura militar (1964-1985) prometia facilidades para a compra de terras públicas para quem migrasse para a região amazônica.

“O governo tinha uma política de ocupação da Amazônia e as pessoas iam para lá por causa da terra barata. Você teve uma ocupação mais ou menos desordenada, isso é uma das raízes do problema”, contextualiza Marcelo Stabile, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

Stabile, do Ipam, explica que, na época da ocupação, não havia preocupação com os efeitos ambientais que o desmatamento poderia provocar, essa consciência começou a surgir nos anos 1980 e ganhou fôlego após a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente no Rio de Janeiro (Rio 92).

A plataforma Mapbiomas aponta que, entre 1985 e 2018, 41,9 milhões de hectares de floresta viraram pastagem. Isso significa que 88% do incremento da área de pecuária na região veio da derrubada de florestas. Produtores e especialistas ouvidos pelo Jornal G1 dizem que foi o incentivo do governo brasileiro no passado que contribuiu para o crescimento da pecuária na região.

Hoje, mais de 40% do rebanho brasileiro está nos estados que compõem a Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão). São mais de 89 milhões de animais e cerca de 29 milhões de pessoas.