Imagine um órgão assistencial que ignora os apelos de seus assistidos. E se essas pessoas não tiverem a quem recorrer? O que fazer? Cansados de tanto buscar apoio da Funai em Colíder (a 648 km de Cuiabá) e não serem atendidos em suas demandas, indígenas do povo Kayapó foram até à sede do órgão exigir a saída do coordenador Gustavo Freire Borges, pedindo que ele assinasse seu pedido de exoneração.
Isso aconteceu na sexta-feira (19). A iniciativa indígena repercutiu nacionalmente e veículos de imprensa tradicionais afirmaram que o grupo de 50 pessoas havia sequestrado e agredido o coordenador.
Eles esclareceram os fatos à CASA NINJA AMAZÔNIA. Disseram que os ânimos ficaram exaltados depois que Gustavo, tentando fugir da negociação, atingiu um jovem indígena com spray nos olhos. A mãe, que estava presente, e que nunca havia visto uma arma como aquela e tampouco sabia sobre seus efeitos – já que seu filho desmaiou – achou que se tratava de uma tentativa de homicídio e então, o grupo reagiu. E teria mantido Gustavo lá enquanto aguardavam notícias do hospital, sobre o estado de saúde do jovem indígena.
Em nota, o movimento Mebengokre/Kayapó disse que causou repúdio “a forma despreparada, inadequada e pretenciosa de um indigenista especializado da FUNAI que não soube lidar com a manifestação pacífica e protesto da mobilização Kayapó/MT e com o Presidente da Funai que emitiu uma nota preconceituosa e sensacionalista sem ao menos saber o que provocou a revolta e a reação dos guerreiros com esse indigenista”. E que “em toda história de contato e interação com a sociedade não indígena, tivemos indigenistas como nosso porta voz e aliados. Não como opressores e agressores de indígenas”.
Segundo o grupo, depois que médicos afirmaram que ele estava fora de perigo, houve um pedido de desculpas mútuo, tanto dos indígenas, que relataram suas razões a Gustavo e também, do então coordenador, que declarou ter se equivocado em seu modo de agir. Em seguida, assinou pedido de exoneração e então, liberado.
Depois do ocorrido, os indígenas enviaram à Funai a sugestão de um novo nome, mas ainda não tiveram resposta. Eles também procuraram o presidente do órgão, Marcelo Augusto Xavier da Silva, mas até o momento, este não fez qualquer contato. Um ouvidor teria sido destinado para realizar negociações, mas nada aconteceu de modo prático.
Sendo assim, os indígenas do povo Kayapó seguem na ocupação da sede da Funai em Colíder. Eles reivindicam essencialmente, uma atuação mais efetiva do órgão que desde que o governo Bolsonaro começou e Gustavo foi empossado, está totalmente ausente, como relataram os porta-vozes do povo Kayapó, Mayalu e Matsi Waurá Txucarramãe.
Enquanto o grupo segue na sede da Funai, o órgão em Brasília suspendeu as atividades do escritório de Colíder, onde há três funcionários para encaminhar processos administrativos internos, empenhos de recursos e despachos. E mais uma vez, os indígenas podem ser prejudicados. Os territórios indígenas jurisdicionados pela Funai no município são Capoto-Jarina, Panará, Kayabi, Apiaka e Mekragnotire Sul.
“Desde que ele foi empossado, pedimos ajuda. Na pandemia por exemplo, não tivemos apoio para a instalação de barreiras sanitárias. Quando foi feita uma barreira voluntária, fomos atacados por tiros. Se a Funai fosse presente, isso nunca teria acontecido”, desabafa Mayalu. Ele também não teria participado de reuniões da saúde indígena e nem teria batalhado recursos da Funai para projetos indígenas.
“Hoje, temos demandas de demarcação. Os processos pararam. E também, sempre pedimos ajuda contra invasores e nada acontece. A coordenação da Funai em Colíder está alinhada à Funai em Brasília. Não conseguimos nada. Se a gente alerta sobre invasores, eles dizem que temos que entrar com processo e aguardar 15 dias. Ou seja, nunca conseguem agir em defesa do território”, diz ela.
Atuando como conciliador, Patxon Metuktire, que é neto do cacique Raoni e coordenador da Funai destituído para que Gustavo assumisse o cargo, foi até lá para auxiliar nas negociações. Ele conta que os indígenas desejavam que assumisse a vaga alguém que tivesse sensibilidade para suas causas, o que segundo eles, não acontece com Gustavo.
Quando Bolsonaro assumiu, os Kayapó se viram em uma situação difícil, já que se não fosse o ex-bancário e agora concursado da Funai, seria um militar. Eles se recusam a reconhecer Gustavo como indigenista, como foi empossado. Se fosse esse o caso, talvez ele tivesse tido mais tato para lidar com a situação.
Segundo Patxon o grupo pede providências para apoiar projetos de reformas de casas tradicionais e de agricultura familiar. “Temos projetos de reformas de casas tradicionais e de roças, mas não somos atendidos. Temos produções de banana, mandioca e precisamos de ferramentas para que elas prosperem. Não estamos abrindo nossas terras para arrendamento, nossos modos são tradicionais. Extraímos mel, óleo de copaíba… somos autônomos, não queremos contrato, não queremos intermediários”.
Seria pedir muito que a Funai fizesse o seu papel?
Confira a nota do movimento Kayapó na íntegra:
O movimento Mebengokre/Kayapó vem a público primeiramente manifestar repúdio com a forma despreparada, inadequada e pretenciosa de um indigenista especializado da FUNAI que não soube lidar com a manifestação pacífica e protesto da mobilização Kayapó/MT e com o Presidente da FUNAI que emitiu uma nota preconceituosa e sensacionalista sem ao menos saber o que provocou a revolta e a reação dos guerreiros com esse indigenista.
Vimos por meio deste esclarecer que o mesmo foi informado desde o início que o motivo da ocupação e da manifestação se deu devido a insatisfação das comunidades Kayapó com a falta de assistência e diálogo com a população indígena na sua gestão. Razões s pelas quais exigimos sua exoneração. Queremos uma pessoa que trabalhe com respeito aos direitos dos povos indígenas.
Entretanto o coordenador e indigenista especializado ao longo do dia não acatou a nossa reivindicação de exoneração do cargo de Coordenador da CR/Funai/ColíderMT. Além disso, o tempo todo ficava nos acusando por cárcere privado, como se fôssemos bandidos. Não estamos aqui para roubar e matar ninguém. Estamos reivindicando melhor prestação de serviços para as nossas comunidades. Temos o direito à manifestação. Direito esta garantido pela Constituição Federal para todos os grupos e indivíduos da sociedade brasileira.
A nossa revolta e a reação foi arquitetado e provocada pelo indigenista especializado quando jogou jatos de spray de gengibre direto no rosto de um jovem Kayapó que estava no portão da sede da FUNAI, isso gerou indignação e reação imediata dos familiares ao ver o filho desacordado e sendo e hospitalizado.
Nós fomos pego de surpresa com essa ação violenta de um indigenista especializado. Já que em toda história de contato e interação com a sociedade não indígena, tivemos indigenistas como nosso porta voz e aliados. Não como opressores e agressores de indígenas. A reação foi para defender a vida de um filho nosso, pois naquele momento vimos um de nós morrer na nossa frente e ficamos desesperados, o que nos levou a reagir indo atrás do coordenador para ver o que ele causou. O coordenador foi levado para sede da coordenação para assinar o documento de exoneração e em seguida liberado.
Informamos que na mesma noite, nós lamentamos o fato e houve pedidos de desculpas tanto da parte da família do nosso sobrinho quanto da parte do coordenador. Ao Presidente da FUNAI, nós manifestamos repúdio com a falta de atuação e posicionamento, frente a principal instituição de defesa e garantia dos nossos direitos, nos casos quando o povo indígena é atacado e assassinado por invasores e exploradores das terras indígenas como o ataque que as lideranças mulheres do povo Munduruku tendo suas casas queimadas, as mortes das crianças Yanomani por dragas de garimpeiros, a morte de um parente Kayapó (PA) por causa do garimpo em terra indígena, as casas queimadas dos Guarani Kaiowa, a violência e ataque que a comunidade do povo Kaigang sofre por não aceitar arrendamento da terra e muitos os outros parentes que sofrem ameaças, falta de posicionamento da FUNAI perante ao ataque com tiros a barreira sanitária no Território Capoto-Jarina e o impedimento de médicos para assistência as crianças ao povo Yanomami. Por fim repudiamos o silêncio da Funai perante aos ataques e assassinatos de indígenas por defender seus direitos.
Conclui se e que a atuação da FUNAI, no atual cenário, vem gerando conflitos, mortes e destruição das nossas terras. Reafirmamos que o nosso movimento é pelo fortalecimento da Coordenação Regional da FUNAI de Colíder MT. Nada mais para o momento, nos colocamos à disposição de todos para quaisquer esclarecimentos.