Moradores foram surpreendidos com dezenas de manilhas para drenagem (Divulgação)

 

A Reserva Municipal dos Olhos D’água e uma floresta preservada que abriga as primeiras nascentes de água pura que formam o ribeirão Jamacá, um dos mais preservados de Chapada dos Guimarães está sob ameaça. E ela vem da própria prefeitura, que está criando um novo bairro.

Nesta semana, moradores do Vale do Jamacá, reconhecidos por sua resistência no enfrentamento ao avanço da especulação imobiliária, foram surpreendidos ao encontrar dezenas de manilhas grandes e pequenas, dispostas ao longo de uma avenida no bairro Olho D´água, bem perto da região das cabeceiras ou nascentes do ribeirão Jamacá, que formam diversas cachoeiras ao longo do seu curso. Algumas delas, até inacessíveis.

Alertada sobre a situação, a prefeitura assumiu a autoria da obra que visa asfaltar, drenar e sinalizar ruas do bairro Nova Chapada. Moradores organizados na Comissão de Defesa das Cabeceiras do Jamacá, se manifestaram em nota, afirmando que se trata de um bom projeto, por levar estrutura aos moradores da periferia da cidade.

“Mas o problema é que a drenagem das ruas, junto às águas das enxurradas leva muitos resíduos sólidos e orgânicos para os córregos até então em ótimas condições ambientais”. Por isso, estão se mobilizando e cobrando ação do Ministério Público, prefeitura e Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), que liberou a Licença de Instalação (LI) para o início imediato das obras que devem ser entregues até dezembro deste ano.

A secretaria estadual alegou ter “pouco impacto” – sem a realização de estudos de impacto ambiental aprofundados, nem especificando quais serão as “medidas mitigantes”. A justificativa para a liberação é que “não haverá destruição da cobertura vegetal nas cabeceiras dos córregos”, sem levar em consideração a própria nascente. Ao que parece, a preservação de recursos hídricos é ignorada.

“Solicitamos formalmente à Sema que suspenda temporariamente a LI até que seja feita uma nova vistoria na área, dessa vez com a participação de outros órgãos públicos e da comunidade residente no Vale do Jamacá, que será impactado negativamente com essa drenagem. Tomamos essas providências por sabermos o que vai acontecer com essas áreas naturais que serão invadidas pelas enxurradas degradantes, vimos o que aconteceu ao córrego do Olho D’água, a primeira nascente do ribeirão Jamacá, alguns anos atrás”, dizem em nota.

O ambientalista Mario Friedlander, que é um dos ativistas responsáveis pela criação do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães e morador da região, por conta própria, buscou a opinião de especialistas.

“Com a pavimentação asfáltica do Bairro Nova Chapada, serão feitas também as obras de drenagem das ruas e avenidas e as águas das chuvas se transformarão em grandes enxurradas que carregam resíduos sólidos e orgânicos para o fundo do vale, ou para o eixo de drenagem do ribeirão Jamacá, causando erosão e assoreamento, desarticulação das rochas que o forram e mantém estabilizado o leito dos riachos, desmoronamento de barrancos, tombamento de árvores e arbustos das margens, perda da qualidade da água, que é pura e o pior. Essas drenagens são usadas por muitos moradores e comércios locais, como uma rede clandestina de esgoto sanitário, comprometendo ainda mais o ambiente por inteiro”.

Segundo a opinião de especialistas ouvidos por Mario, há alternativas, mas o que atrapalha é o imediatismo da obra, feita a toque de caixa. Há por exemplo, uma verba federal para os municípios para construção de rede de esgoto Enquanto isso não acontece o melhor caminho seria instalar instalar filtros horizontais e bacias de dissipação e decantação de resíduos considerando o fluxo pluvial de superfície e o clima.

Foto: Divulgação

Moradores do Jamacá relembram que um projeto de drenagem anterior, semelhante a este, causou danos irreversíveis. “Colapsou o córrego Olho D’água e impactou profundamente o ribeirão Jamacá, que se localiza quilômetros abaixo. Com esse novo projeto de drenagem, não será diferente, por isso estamos protestando e solicitando uma revisão na LI e nas obras previstas, ainda dá tempo de fazermos diferente”.

Um morador, que não quis se identificar temendo represália da Prefeitura, conta que o córrego Olho D´Água foi condenado à morte por descaso da prefeitura e outras autoridades “competentes”. “Tendo um lixão sobre a sua principal nascente, o que até invalida o seu uso turístico, sendo inutilizáveis as várias cachoeiras de grande beleza cênica”. Ele ressalta que os sarjetões e manilhamento para escoamento livre de águas pluviais são um grande problema quando o novo bairro em questão não tem saneamento básico.

“E por toda a parte vemos fossas negras despejarem para a rua o seu pútrido e infecto conteúdo! Para piorar a principal rua a ser asfaltada é popularmente chamada de ‘rua do lixão’, pois demasiados populares aí despejam clandestinamente grandes quantidades de lixo doméstico, entulho de obras e até carcaças de animais a céu aberto. Previsivelmente, tudo isso será agora encaminhado diretamente para o já moribundo Córrego Olho d´Água e para o Córrego do Jamacá – que logo estará entulhado de lixo e outros poluentes graves”, alerta.

“Aliás, as principais nascentes – que até servem de abastecimento à população – sofrem com urbanizações (algumas clandestinas) em cima delas, sem rede de saneamento básico, muito menos uma estação de tratamento de águas residuais. Ultimamente vivemos situações críticas de escassez hídrica, mas a prefeitura não protege as nascentes e córregos da cidade; apenas aprova em catadupa condomínios de luxo (até em áreas de APP e de cabeceiras de córregos) que consomem imensa água”, desabafou.