Nesta quinta-feira (13), a Comissão Pastoral da Terra e Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) divulgaram uma nota pública exigindo que as mortes de José Gomes, o Zé do Lago, sua esposa Márcia Nunes e a filha Joane Nunes, não fiquem impunes. O documento é endossado por mais de 50 apoiadores – entre eles, organizações de defesa dos direitos humanos e movimentos sociais.
A SDDH também protocolou representações junto à Secretaria de Segurança Pública do Pará (Segup) e Procuradoria Geral do Estado, cobrando providências.
Os corpos foram encontrados na propriedade da família de ambientalistas, em São Félix do Xingu (PA). Na nota, a CPT enfatiza que “o município de São Félix do Xingu é conhecido por conflitos fundiários graves resultantes de ações de grilagens de terras públicas, desmatamento ilegal voltado à atividade da pecuária extensiva, invasões de terras indígenas e áreas de preservação, além da instalação de garimpos ilegais”.
E que esses conflitos têm resultado em assassinatos de lideranças e chacinas. A CPT ressalta que a terra ocupada pela família de Zé do Lago, está em área de jurisdição do ITERPA e inserida na APA Triunfo do Xingú, uma área de preservação com mais de 1,5 milhões de hectares.
A CPT destaca ainda que nas últimas quatro décadas, 62 trabalhadores rurais e lideranças foram assassinadas no município em conflitos pela posse da terra. Em nenhum dos casos houve julgamento de algum responsável pelos crimes, portanto, a taxa de impunidade é de 100%.
A Anistia Internacional também se manifestou, declarando que a organização estará atenta às investigações: “O Estado brasileiro possui a obrigação de agir para conter a onda de violência e o ciclo de impunidade que se perpetuam na região amazônica e em todo o território nacional”.
Confira a nota na íntegra:
Mais um massacre no campo não pode ficar impune!
No último domingo, os corpos de JOSÉ GOMES, conhecido como Zé do Lago, de 61 anos, sua esposa MARCIA NUNES LISBOA, 39 anos e de sua filha JOANE NUNES LISBOA, 17 anos, foram encontrados na propriedade da família, na ilha da cachoeira do Mucura, localizada às margens do rio Xingu, no município de São Félix do Xingu, Pará. Os três foram assassinados a tiros. A Polícia Civil esteve no local e recolheu 18 cápsulas das armas utilizadas no crime. Pelo tipo de arma, pela quantidade de tiros disparados, por não ter sido levado nenhum pertence da família, pela forma como os assassinos surpreenderam as vítimas não permitindo que alguém corresse e tentasse escapar, trata-se de uma execução, provavelmente, a mando de alguém.
A família de José Gomes já residia no local há mais de 20 anos, desenvolvia trabalhos de preservação da floresta e mantinha um projeto de reprodução de tartarugas. Eram conhecidos e reconhecidos pelo trabalho ambiental que faziam. A terra ocupada por eles está em área de jurisdição do ITERPA e inserida na APA Triunfo do Xingú, uma área de preservação com mais de 1,5 milhões de hectares. Nos últimos anos o desmatamento para exploração de madeira e criação extensiva do gado, tem avançado de forma descontrolada dentro da reserva, se aproximando cada vez mais da região onde a família de Zé do Lago tinha sua propriedade. Até o momento, a Polícia Civil do Pará, que investiga o caso, não apresentou qualquer resultado que indique quem foram os executores e quais as causas que motivaram os crimes.
O município de São Félix do Xingu é conhecido por conflitos fundiários graves resultantes de ações de grilagens de terras públicas, desmatamento ilegal voltado à atividade da pecuária extensiva, invasões de terras indígenas e áreas de preservação, além da instalação de garimpos ilegais. Esses conflitos têm resultado em assassinatos de lideranças, chacinas e trabalho escravo. Conforme dados da CPT, nas últimas quatro décadas, 62 trabalhadores rurais e lideranças foram assassinadas no município em conflitos pela posse da terra. Em nenhum dos casos houve julgamento de algum responsável pelos crimes, portanto, a taxa de impunidade é de 100%. Até o momento, não temos informações se o crime tem motivação agrária, caberá à Polícia do Pará esclarecer as reais motivações da chacina. Apenas no estado do Pará, nas últimas quatro décadas, a CPT já registrou 29 massacres com 152 vítimas.
No mesmo período, 75 lideranças foram assassinadas no sul e sudeste do Estado. Uma delas foi o sindicalista Ronair José de Lima, assassinado no município de São Félix do Xingu em 04/08/2016, cujos responsáveis pelo crime continuam impunes.
O que preocupa os movimentos e entidades de direitos humanos são as limitações dos órgãos de segurança pública do Estado em esclarecer as responsabilidades e causas de muitos assassinatos ocorrido no campo paraense. Em maio de 2021, a CPT e SDDH apresentaram à SEGUP, uma relação de 09 lideranças camponesas, assassinadas entre 2017 e 2021 apenas nas regiões sul e sudeste do Estado em que os crimes não tinham sido ainda esclarecidos e os responsáveis identificados e punidos. O Secretário de Segurança Pública solicitou 15 dias para dar uma resposta, mas, passados oito meses, nenhuma resposta foi dada. Entre os casos relacionados está o de Fernando dos Santos Araújo, assassinado em 26/01/2021, na fazenda Santa Lúcia, município de Pau D’Arco. Ele era um dos sobreviventes e testemunha chave do massacre de Pau D’Arco, crime ocorrido em 24 de maio de 2017. Quase um ano depois do homicídio, o delegado que presidiu as investigações concluiu o inquérito sem esclarecer as causas que motivaram o crime.
No mesmo documento, as entidades apresentaram também uma relação de 08 mandados de prisão preventiva, decretados contra executores e mandantes de assassinatos no campo, que se encontram foragidos. Nesse período, apenas um mandado foi cumprido. Entre os foragidos estão: o fazendeiro Marlon Lopes Pidde, mandante da chacina de 05 camponeses, crime ocorrido em 27/09/1985, no município de Marabá (PA). Em Júri ocorrido em 08/05/2014, Marlon foi condenado a 130 anos de prisão, mas nunca foi preso para cumprir a pena. Outro caso apresentado foi do fazendeiro José Rodrigues Moreira, mandante do assassinado do casal de extrativistas José Claudio e Maria, crime ocorrido em 24 de maio de 2011, no município de Nova Ipixuna (PA). Condenado a 60 anos de prisão em julgamento ocorrido em 06/12/2016, José Rodrigues nunca foi preso para cumprir a pena.
A preocupação das entidades é que com o descaso da segurança pública do Estado em esclarecer a autoria e motivação dos crimes e prender os responsáveis, esse possa ser mais um caso em que as verdadeiras causas que motivaram os crimes não sejam esclarecidas e os responsáveis permaneçam impunes.
Os representantes das organizações que assinam essa Nota esperam que o caso seja rapidamente esclarecido, devendo ser delimitada a dinâmica dos fatos referentes à chacina, a motivação dos envolvidos, todos os responsáveis identificados, presos e devidamente julgados pelo Poder Judiciário; que seja garantida a segurança e proteção para familiares e testemunhas que possam ajudar com informações para esclarecer os crimes.
Belém (PA), 13 de janeiro de 2022.
Comissão Pastoral da Terra – CPT Regional Pará
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
ENTIDADES E MOVIMENTOS QUE APOIAM:
1. Prelazia do Alto Xingu-Tucumã
2. Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA
3. Movimento Xingu Vivo para Sempre
4. Comitê Dorothy
5. Instituto José Claudio e Maria.
6. Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo e Cidade
7. Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Santarém.
8. Coletivo de Mulheres Negras Maria Maria
9. Comitê em Defesa das Crianças Altamirenses
10. Conselho Ribeirinho
11. GDA- Grupo de Defesa da Amazônia
12. Associação de Mulheres de Altamira e Região
13. SINTEPP. Regional Transamazônica e Xingu
14. Centro de Formação do Negro e Negra da Transamazônica e Xingu
15. Núcleos guardiões do Médio Xingu.
16. Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental- FMCJS;
17. Instituto Madeira Vivo-IMV;
18. Coletivo Indígena Mura de Porto Velho-COINMU;
19. Comitê Binacional de Defesa da Vida Amazônica na bacia do rio Madeira-COMVIDA;
20. Associação das Comunidades Montanha e Mangabal
21. Projeto Saúde e Alegria – Caetano Scannavino
22. International Rivers
23. Coalizão para a Proteção Permanente de Rios do Brasil
24. Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos
25. Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA
26. Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH
27. Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade – MMCC
28. International Accountability Project
29. Instituto Maíra
30. Associação Indígena do Povo Arara da Cachoeira Seca – KOWIT
31. Associação de Mulheres do Areia II
32. Marcha Mundial por Justiça Climática
33. Marcha Mundial do Clima
34. Instituto Transformance: Cultura& Educação
35. Rede Brasileira de Arteducadores
36. Universidade Comunitária dos Rios
37. Projeto Rios de Encontro
38. Ecoa – Ecologia a Ação
39. Coletivo Tela Firme
40. Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém
41. GT Infra – Infraestrutura e Justiça Ambiental
42. Movimento Tapajós Vivo
43. ECOE Brasil
44. Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras em Educação Pública do Pará – SINTEPP – SUBSEDE ALTAMIRA
45. Coordenação Nacional de Lutas – CONLUTAS
46. Articulação pela Convivência com Amazonia – ARCA
47. Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP
48. Rede Eclesial Pan Amazônica- REPAM Brasil
49. Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – Instituto de Estudo do Xingu
50. Diocese de Xingu – Altamira
51. Comitê REPAM Xingu
52. Greenpeace
53. FAOR – Fórum da Amazônia Oriental