Em uma iniciativa inspiradora pela defesa da sua comunidade, jovens de Açailândia, no Maranhão, realizam monitoramento da qualidade do ar nos bairros Piquiá de Baixo e de Cima, Vale do Açaí e Plano da Serra. No dia, 13, data anterior ao Dia do Combate à Poluição (14 de agosto), eles entregaram o resultado dos estudos ao secretário de Meio Ambiente do município, José Melgaço, alertando sobre os impactos da poluição gerada pelas indústrias siderúrgicas instaladas na região.
As siderúrgicas se concentram em todo o entorno do bairro, e seus veículos responsáveis pelo transporte de produtos como carvão, minério ou até mesmo ferro-gusa líquido, trafegam livremente pela rodovia que corta o bairro, expondo os moradores de todas as idades ao perigo da poluição do ar, principalmente crianças que circulam na via rodoviária para ir à escola.
Foi em meio ao descalabro, à injustiça ambiental e à fome pelo dinheiro surgiu a resistência. Desde a chegada das empresas, a população de Piquiá vem reagindo e se movimentando, se organizando e gritando pela vida, não só de si, e de seus vizinhos, mas de todo o planeta. Gritos fortes e altos que ecoaram no mundo, na Organização dos Estados Americanos (OEA) e também na Organização das Nações Unidas (ONU).
Eles entregaram à Prefeitura, o resultado de duas campanhas, realizadas de outubro de 2020 a março de 2021. Eles utilizaram um equipamento monitor simples e de baixo custo, mas que foi cirúrgico ao demonstrar que os casos de problemas respiratórios tão recorrentes, têm um motivo.
“Em Piquiá o ar tem cor, a cor que enegrece o telhado das casas, as folhas das plantas e das arvores. Lá também o ar tem peso, o peso da poluição que destrói a natureza. Esse ar vem sofrido, carregado de pó de ferro do minério com poeira de carvão”, testemunha o coletivo em documento.
Os altos-fornos lançam gases poluentes na atmosfera, além da fumaça, tem a poeira carregada de um ponto a outro pelos caminhões das empresas que circulam na rodovia. Ao cair da tarde, dependendo do ponto de localização que se esteja no bairro, é possível notar que a atmosfera possui uma coloração diferente, algo que transita entre laranja e cinza, resultado da concentração de gases e fumaça sobre o bairro. Tudo isso é alarmante quando se sabe que as pessoas que estão ali, moradores do local, estão respirando aquele “ar cinza”, pesado e destruidor.
Embora a Gusa tenha fechado um de seus polos e filtros foram colocados nas empresas, a situação ainda exige atenção. Os relatos sobre emissão de gás são constantes. Os moradores continuam a reclamar de problemas de alergia e respiratórios provocados por poluentes oriundos das atividades relacionados à mineração.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), os índices aceitáveis de poluição do ar por material particulado são: 25 microgramas/ por m³ em 24h ou 10 microgramas/por m³ em um ano. Através dos resultados parciais obtidos ficou demonstrado que as substâncias poluentes estavam muito acima do tolerado pela OMS.
A média entre os meses de outubro/2020 e março/2021 foi de 20,2. Vale ressaltar, em outubro de 2020, a média ultrapassou os limites seguros: foi de 29,0, de 3 bairros onde fazem o controle, em Piquiá o valor é de 21,5 e no Vale e Plano é de 14,1. Esses locais servem como comparação para as médias diárias do Piquiá.
“As médias mensais dos níveis de poluição do ar, avaliados pela concentração de MP2,5, nas localidades de Piquiá, Vale do Açaí e Plano da Serra (Açailândia/MA) são elevadas e preocupantes, pois ultrapassaram a média anual recomendada pela OMS de 10 µg/m3, e por várias vezes ultrapassam a média diária recomendada de 25 µg/m3”, diz trecho do relatório entregue ao município.
A poluição do ar traz grande preocupação e riscos à saúde humana, pois, além de diversos efeitos à saúde, é reconhecidamente cancerígena. No caso específico do material particulado, há um grande potencial de danos à saúde humana, devido a sua capacidade de penetrar no sistema respiratório.
O material particulado são partículas muito pequenos de sólidos ou líquidos que ficam suspensas no ar, menor que o diâmetro do fio de cabelo e que podem entrar nas vias respiratórias.
O quadro é agravado em casos como o de Açailândia e tantos outros, onde se encontra, por um lado, uma situação de pobreza e desigualdade, falta de políticas públicas de moradia, saúde e saneamento básico, e por outro, empresas com forte poder econômico. Aquela velha história de que as grandes obras vão beneficiar a população, mas o que se vê é o contrário: as marcas da destruição da natureza, do desrespeito ao seres humanos está em toda parte.
O crescimento da exploração de minério de ferro e da produção siderúrgica (produção de ferro gusa e de aço) tem agravado os problemas e conflitos ambientais no Brasil.
A comunidade é um dos primeiros bairros de Açailândia, formado nos anos 70. Ao final dos anos 80 instalaram-se neste bairro cinco siderúrgicas operando com catorze altos-fornos. Atualmente Piquiá de Baixo abriga ao redor de 320 famílias e a população está estimada em cerca de 1.200 pessoas
Consta no relatório que há quatro empresas instaladas na região do povoado de Piquiá de Baixo (preexistente) desde o final dos anos 80, e outras mais recentes: siderúrgicas temos a Aço Verde do Brasil (AVB) e Viena Siderúrgica SA, há também a fábrica Cimento Verde do Brasil (CVB) e a VALE SA, um entreposto de minério, relacionado a estrada de ferro Carajás.
A comunidade de Piquiá possui um rio que durante muito tempo foi fonte de renda para famílias que moravam nas margens e faziam do local (região conhecida como ‘banho do 40) uma área de lazer, recebendo visitantes da cidade.
Porém a água desse mesmo rio é utilizada nos processos industriais, em atividades como o resfriamento de altos fornos, e devolvida à natureza sem ou com tratamento insuficiente, poluindo assim, também a água do rio, que deixa de ser atrativo para os banhistas que visitam o bairro, principalmente nos fins de semana e por conseguinte, prejudicando as famílias que dependiam disso. Além disso, essa atividade criminosa tem consequências irreparáveis ao meio ambiente, aos animais que utilizam do rio, aos peixes e vegetação local e de toda região que o rio passa.
Esforço coletivo
O estudo é resultado do esforço do Coletivo de Vigilância Popular em Saúde e Ambiente “Edvard Dantas Cardeal”, composto por uma equipe de jovens de Piquiá de Baixo.
Integrante do coletivo, João Paulo Alves reforça que o trabalho coloca em pauta a importância de se debater a qualidade ambiental. “E em especial a qualidade do ar em nossa cidade e as relações das atividades do setor minero-siderúrgico com as pessoas e o ambiente que vivemos.”
O que levou juventude de Piquiá a criar o coletivo foram os problemas graves de saúde no local, em 2016, criaram o coletivo de Vigilância Popular em Saúde, formado por jovens moradores do bairro. O objetivo do coletivo era realizar o monitoramento da qualidade do ar, a fim de que os moradores pudessem ter acesso a informações a respeito da qualidade do ar e as possíveis consequências. Apesar de estarem acima do recomendado possuem índices menores, mas também preocupantes.
A iniciativa foi uma resposta à falta de informações por parte das empresas do local, pois, embora elas realizem o monitoramento nos períodos determinados pelos órgãos de vigilância, as mesmas não divulgam para a comunidade os resultados e nem disponibilizam em outros locais.
O projeto do Coletivo ainda está em andamento, conta com a parceria de algumas instituições locais, como a Associação Comunitária de Moradores do Pequiá (ACMP), bem como da ONG Justiça dos Trilhos (JnT), que acompanha a comunidade desde o início da luta pela reparação dos danos. Junto com essas organizações, soma-se o Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro, tendo esta última um papel relevante no acompanhamento e monitoramento da pesquisa.
Através da Fiocruz, pode ser mantido um contato estreito com a comunidade de Santa Cruz – RJ, que enfrenta problemas similares. A juventude integrante do projeto recebeu um equipamento (baixo custo) com o qual realizaram a coleta de dados do ar e uma capacitação que os habilitaram a utilizar o equipamento.
A juventude que participa da pesquisa recebeu formação realizada em duas oficinas com pessoas qualificadas que passaram todas as instruções para a manipulação correta dos equipamentos, coleta e interpretação dos dados obtidos. O projeto teve duração de um ano, na primeira fase.
Durante um período de seis meses, a equipe ficou na comunidade para coleta de dados. A coleta foi realizada: manhã, tarde, noite e madrugada nos ambientes internos das casas e em espaços abertos da Comunidade, o que permitiu o acúmulo de informações necessárias para a análise e resultado final.
No ano de 2017, o projeto foi premiado pela FAPEMA – Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão na categoria de desenvolvimento humano.
Em 2020 o grupo retomou as atividades para realizar um novo monitoramento e saber como está a qualidade do ar em comparação ao trabalho realizado no ano de 2017. Com os novos dados – de 6 meses de medição – foi possível constatar que a qualidade do ar não melhorou e continua acima das médias das últimas medições. Para obter dados anuais o projeto continua até setembro de 2021 e apresentará um novo relatório.
A equipe é composta pelas seguintes pessoas que fazem parte do Coletivo de Vigilância Popular em Saúde e Ambiente: Gabriela Lima Lacerda, Lucicleia Santos Cardoso, João Paulo Alves da Silva, Gerliane da Silva Chaves, Kelly Silva Barbosa e Genilson Oliveira de Souza. Destacam-se como apoiadores e/ou financiadores, a Fundação Sage, Manos Unidas, JnT e Associação Comunitária de Moradores do Piquiá (ACMP).
Confira o relatório na íntegra aqui.