Em junho do ano passado, trabalhadores da agricultura familiar do Pará denunciaram que seguranças da empresa Vale os haviam atacado com balas de borracha, spray de pimenta e bombas de efeito moral em um acampamento de reforma agrária da Fazenda Lagoa, em Paraupebas, sudeste do Pará. No município está a mina de Carajás, a maior do país.
Durante o conflito, 21 pessoas ficaram feridas, entre homens, mulheres, idosos e crianças. Conflitos como este são muito comuns em áreas onde o setor da mineração atua e principalmente, tendo a Vale como autora do conflito.
No ano passado, mais de 1 milhão de pessoas foram atingidas, em 722 casos e 823 ocorrências em todo o Brasil. Os dados brutos podem ser visualizados em relatório disponibilizado na plataforma conflitosdamineracao.org, uma iniciativa do Comitê em Defesa dos Territórios Frente à Mineração. Além da publicação, é possível fazer uma busca ainda mais completa, por localidades, tipos de violações, autores e principais atingidos. O mapeamento incluiu empresas mineradoras e de transformação mineral (nacionais e internacionais), assim como garimpos legais e ilegais.
Se consideradas todas as ocorrências decorrentes dos conflitos, a Vale e a Samarco figuram respectivamente, em 1º e 2º lugar no ranking de maiores violadores. Estavam envolvidas em 146 e 123 ocorrências, respectivamente. O garimpo ilegal aparece em terceiro lugar, com 122 ocorrências. Ou seja, a Vale S.A., que também é dona da Samarco, estava envolvida em 38,9% dos conflitos no Brasil. E não se deve esquecer nunca, que ela é a responsável pelos desastres de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. O mapeamento detectou 144 empresas envolvidas em conflitos em 564 localidades.
As mineradoras internacionais aparecem no topo das denúncias, no que diz respeito à categoria “violadores”. No total das 823 ocorrências de conflito, “Mineradora Internacional” ocupa a primeira posição da categoria, com 48,7%, seguida por “Mineradora” (23,8%) e “Extração ilegal” (19,4%).
Mineradoras internacionais: “as 5 mais”
A primeira posição referente à nacionalidade das empresas internacionais ficou com a Austrália (esse é o país sede da BHP Billiton, que junto com a Vale formam a joint venture Samarco, empresa que está em segundo lugar na lista das empresas violadoras). Logo em seguida, encontram-se Reino Unido, Canadá, Noruega, Luxemburgo, Bélgica e China.
As cinco empresas que aglutinam o maior número de localidades em conflito, como já foi dito, são a Vale S.A. e Samarco/ Vale/BHP, seguidas da Anglo American (29 conflitos), Hydro (17 conflitos) e Mineração Curimbaba (16 conflitos).
Os dados do Observatório evidenciam como os danos, ações e violações geradas por mineradoras, garimpeiros e, por vezes, pelo Estado deflagram respostas de grupos sociais atingidos, movimentos sociais ou instituições do poder público (principalmente órgãos de fiscalização e de justiça).
“O Comitê Nacional em Defesa dos Território Frente à Mineração, no âmbito do Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil, tem o Mapa dos Conflitos como uma de suas iniciativas de denúncia do modelo mineral brasileiro, sobretudo no contexto atual de desregulamentação das políticas ambientais, de proposta de abertura de novas áreas para mineração e de incentivo ao garimpo de forma institucionalizada. As consequências são a aceleração do problema mineral e a fragilidade da fiscalização e do licenciamento ambiental, gerando conflitos e desastres, como os do Rio Paraopeba (Vale/Rio Paraopeba), do Rio Doce (Samarco/Vale/BHP) e de Maceió (Braskem), que ganharam visibilidade frente aos danos produzidos e às resistências encontradas”, destaca trecho do relatório.
Além de expor os principais causadores de conflitos, as empresas, suas nacionalidades e maiores acionistas, além das violações causadas, revela quais os grupos sociais e quantos indivíduos sofrem com a extração, transporte e transformação mineral no território brasileiro.
A plataforma apresenta duas aplicações:
– Mapa dos Conflitos da Mineração: apresenta as localidades onde ocorrem os conflitos; identifica cada conflito por fichas descritivas; e permite ao usuário a realização de diferentes mapas temáticos;
– Gráficos dos Conflitos: mostra os resultados agregados das ocorrências de conflitos e localidades envolvidas; expressa em gráficos percentuais e dados absolutos as diferentes características dos conflitos com a mineração no Brasil; e permite ao usuário realizar simulações gráficas.
Confira os principais resultados:
Estados com mais registros
Dos 25 estados com registros, os que mais concentraram localidades em conflito foram Minas Gerais (45,8%), Pará (14,9%) e Bahia (9,8%). No que se refere à relação número de pessoas atingidas e estados, Minas Gerais aparece em primeiro lugar, concentrando 75% do número total de pessoas atingidas.
Em segundo lugar, encontra-se Alagoas, com 6,6%, seguido do Pará (4,8%) e Roraima (4,3%). Ainda assim, deve-se ressaltar que os dados são bastante subestimados por conta da dificuldade de adquirir informações sobre o número de afetados pela mineração.
Dos 853 municípios de Minas Gerais, foram mapeados conflitos em 121 (14,1%), sendo Brumadinho o que mais concentrou casos, com 27 situações de conflito, totalizando 40 ocorrências, majoritariamente por conta do processo de reparação do desastre da barragem da Vale, em 2019.
Nesse sentido, em Brumadinho, o tipo de violência que mais se destacou foi o “não cumprimento dos procedimentos legais”, e o tipo de conflito mais recorrente foi “terra”, seguido por “água”. O número de manifestações públicas mapeadas em Brumadinho, seja através de protestos ou carta pública, foi de 14 durante o ano de 2020.
Esse valor representa mais de um protesto por mês no município, 13 envolvendo a empresa Vale S.A. e 1 relacionado à empresa Mineração Geral do Brasil (MGB). No âmbito geral, os conflitos em relação a “Terra” e “Água” foram os que mais se destacaram, com 384 e 319 ocorrências de conflito, respectivamente. Ambos corresponderam a 33,6% e 27,9% das categorias de conflito. “Jurídico” ocupou a terceira posição, com 11,3%, seguido por “Saúde” (9,7%), “Trabalho” (8,9%) e “Minério” (8,3%).
Garimpo ilegal
As extrações ilegais de minérios, em particular os garimpos, provocaram 149 ocorrências em 130 localidades em 19 estados, com destaque para o Pará (42,2%), Mato Grosso (12,7%) e Minas Gerais (8,0%).
Além disso, os indígenas foram os grupos mais violados por essa atividade em 31 localidades (23,8%), com 49 ocorrências (32,8%).
Os mais atingidos
As categorias que mais foram atingidas pela mineração foram: “Pequenos proprietários rurais” (14,8%), “trabalhadores” (12,2%), “ribeirinhos” (10%) e “indígenas” (9,7%).
Indígenas
Ao menos 112.718 indígenas estavam envolvidos em conflitos, sendo 58,7% deles com garimpeiros. Ele é seguido por “Mineradora Internacional” (23,7%), “Mineradora” (12,5%), “Indígenas” (3,7%) e “Estado” (1,2%).
No mapeamento de 2020, indígenas do Pará, Roraima, Espírito Santos, Amazonas, Acre, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rondônia e Amapá encontravam-se em conflito com o garimpo ilegal e/ou com empresas mineradoras, totalizando ao menos 112.718 indígenas.
Das 80 ocorrências de conflito relacionadas aos indígenas, somente o estado do Pará deteve 53,75%, seguido por Amazonas (13,75%) e Roraima (11,25%). As empresas em conflito são Vale S.A. (PA e MG), Samarco/Vale/ BHP (ES), Chapleau Exploração Mineral Ltda (PA), Copelmi Mineração (RS), Belo Sun (PA), Potássio Brasil (AM) e Buritirama Mineração (PA).
Além das empresas, os indígenas da Terra Indígena Alto Rio Negro estão em conflito com as Forças Armadas do Amazonas, que exploram granito, usado na reforma da pista do aeroporto militar de Iauaretê, sem autorização da Agência Nacional de Mineração (ANM).
Quilombolas
Outro grupo relevante corresponde ao dos quilombolas, que estiveram em 43 conflitos, totalizando 47 ocorrências, e englobando ao menos 20.800 pessoas. Em 2020, os conflitos entre quilombolas e empresas estavam presentes em sete estados: Bahia, Minas Gerais, Pará, Maranhão, Alagoas, Goiás e Mato Grosso.
Com Bahia concentrando 37,2% dos conflitos, seguido de Minas Gerais (30,2%) e Pará (20,9%). Ao menos 14 empresas estavam envolvidas em conflitos com quilombolas. As cinco primeiras eram Lipari Mineração Ltda (27,9%), Vale S.A. (20,9%), Hydro (13,9%), Anglo American (6,9%) e Bahia Mineração (4,6%).
Os minerais mais representativos dos conflitos são minério de ferro (37,2%), diamante (27,9%) e bauxita (13,9%). Foram contabilizadas cinco reações de comunidades quilombolas em 2020, entre cartas públicas, bloqueio de via e abaixo-assinado.
Uma carta pública, lançada em julho de 2020, assinada por 44 organizações, denunciou as violações de direitos praticadas pela empresa Lipari Mineração Ltda contra 12 comunidades. O bloqueio de via se refere ao fechamento da estrada MG-129 (estrada que dá acesso à mina de Brucutu da Vale S.A.) por moradores da comunidade Vargem da Lua, em São Gonçalo do Rio Baixo (MG), que denunciavam a invasão dos seus territórios e o acúmulo de barro e poeira, danos ambientais e morte de nascentes causados pela mineradora].
O tipo de conflito predominante entre os quilombolas em 2020 foi “Terra”, seguido de “Água”, com 54,6% e 29,6%, respectivamente. Os tipos de violências preponderantes foram: “Danos”, “Violações nas condições de existência”, “Não cumprimento de procedimentos legais”, “Poluição da água”, “Omissão” e “Ausência da Consulta Prévia”
Áreas urbanas
Conflitos em área urbana contabilizaram 74 localidades (10,2% de todos os conflitos), totalizando 93 ocorrências e ao menos 104.143 pessoas envolvidas.
Bioma
O bioma com o maior número de registros foi a Mata Atlântica com 53,7%, seguido da Amazônia (23,7%), Caatinga (10,4%) e Cerrado (10,2%).
Empresas
Os conflitos em relação a “Terra” e “Água” foram os que mais se destacaram, com 384 e 319 ocorrências, respectivamente.
Foram mapeadas 144 empresas envolvidas em conflitos em 564 localidades. A Vale S.A. é a empresa que mais concentra conflitos (38,9%), congregando a Vale S.A. (110 conflitos) e sua subsidiária Samarco/Vale/BHP (109 conflitos).
Violência extrema
Ocorrências de violências extremas foram: “trabalho escravo” 10 ocorrências, com 144 pessoas escravizadas; “ameaça de morte” 5 ocorrências; “assassinato” 2 ocorrências, com 3 vítimas; “ameaça”, “cárcere privado” e “violência física” 1 ocorrência cada; e ações de “remoções” 26 ocorrências envolvendo 57.662 pessoas. Também foram contabilizadas 27 mortes de trabalhadores do setor.
O Observatório
O Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil sistematiza os dados atualizados anualmente, com base no monitoramento de registros em jornais de circulação nacional e regional, portais de notícias, redes sociais, mídia independente e material dos movimentos sociais, somadas às ocorrências tabuladas anualmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) para os conflitos da mineração no campo.
Ao longo do tempo, o Observatório produzirá informações que permitirão monitorar e analisar, no médio e longo prazo, a variação temporal dos conflitos e do comportamento das diferentes empresas dos setores, articulando-a com fatores políticos e econômicos nacionais e globais que influenciam a política mineral. O mapeamento permitirá ainda identificar a distribuição espacial dos conflitos e as diferentes disputas pela apropriação da natureza, assim como os efeitos sobre as comunidades atingidas.
Acesse o relatório, clicando aqui.