O Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), representado por secretarias regionais nos estados do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins, lança a campanha “Babaçu Livre: Vida, Território e Luta”, que tem como objetivo impulsionar a valorização dos modos de vida das quebradeiras, o livre acesso aos babaçuais e o direito de viver em territórios livres, além da aprovação de novas leis do babaçu livre, o fortalecimento e a fiscalização de leis já existentes. A campanha tem apoio do Instituto Clima e Sociedade, por meio do projeto Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu Preservando as Florestas, além dos parceiros Fundação Ford, ActionAid e ASW.
Ao longo dos 30 anos de história do movimento, as campanhas “Babaçu Livre” estimularam o debate entre as quebradeiras de coco, a criação e aprovação de leis que garantem o livre acesso aos babaçuais, bem como a proibição de envenenamento das palmeiras, das queimadas e das derrubadas de babaçuais, o corte dos cachos, as queimas do coco por completo e qualquer outro tipo de ação que venha prejudicar o desenvolvimento do babaçu. As quebradeiras de coco são mulheres de múltiplas identidades, como quilombolas, ribeirinhas, indígenas e agricultoras, pluralidade que reforça a luta pelo babaçu livre e pelo acesso à terra e ao território.
“Cada uma de nós entende essas leis como um instrumento estratégico de luta. É uma campanha do dia-a-dia, em que nós compreendemos que não existe babaçu livre sem território livre, a partir de um reconhecimento que está dentro dele. O babaçu é nossa vida e nossa essência”, declara Maria Alaídes Alves, atual coordenadora-geral do MIQCB. Atualmente existem 22 leis aprovadas no âmbito estadual e municipal nas regiões de atuação do movimento.
Também intituladas Guardiãs da Floresta, as quebradeiras de coco babaçu são detentoras de direitos fundamentais, buscam o direito de acesso aos recursos naturais que compõem a base de sustentação das comunidades agroextrativistas, garantindo o bem viver dessas mulheres. Elas lutam contra as cercas eletrificadas, o uso de agrotóxicos, além das violências físicas e psicológicas e ações predatórias dos poderes políticos e econômicos da pecuária, dos madeireiros, da mineração, da sojicultura, de empresas de eucalipto, especuladores de terra e da biopirataria, que impedem as quebradeiras de realizarem todo o manejo do coco babaçu e demais saberes inerentes a seus modos de vida tradicionais.
“Para quem não conhece o babaçu, de um cacho eu posso tirar o azeite, faço leite, da casca eu faço o carvão, com a palha nós cobrimos casas, na cozinha o tempero é o azeite de coco e lá nós aproveitamos tudo, até o mesocarpo nós aproveitamos. Então, o babaçu é uma riqueza e ela precisa ser preservada. Não sei por que destroem uma coisa tão rica”, relata Expedita Santos Pereira, quebradeira de coco e liderança da comunidade de Água Preta, no município de Amarante, Maranhão, região em que a queima de coco inteiro é intensa, mas ainda se consegue barrar por conta da lei Babaçu Livre, que fortalece o aproveitamento integral da amêndoa. (Lei Municipal nº 22708/2006).
As quebradeiras de coco babaçu movimentam a economia de mais de 271 municípios brasileiros, incentivando a autonomia de mulheres no campo, as trocas econômicas justas, a valorização do modo de vida tradicional, a segurança alimentar e nutricional e as práticas agroecológicas como base das relações com a natureza – a mata nativa, a biodiversidade e a Palmeira Mãe.
Como reflete Renata Cordeiro, advogada popular e assessora jurídica do MIQCB, “no ano em que se discute justiça climática, as leis do babaçu livre passam uma mensagem para as casas legislativas: como falar sobre o tema sem as principais protagonistas, que vivem no dia a dia a preservação e conservação do meio ambiente? Mulheres que, apesar de toda a política fundiária, ambiental e econômica voltada para a utilização predatória dos bens e recursos naturais, conseguem preservar e, inclusive, aumentar a incidência de babaçuais nas regiões onde vivem. Fazem isso por meio de prática extremamente consciente, de uma política e economia própria, e de uma ética de relação entre elas com a natureza, com o território e com a vida”.
Saiba mais sobre a Lei do Babaçu Livre
Entre as décadas de 1980/1990, a luta dos(as) agricultores(as), quebradeiras de coco babaçu e sem-terras contra a exploração do latifúndio ganhou força na região do Médio Mearim, no Maranhão, originando novas frentes de organização e movimentos do campo. Em 1991, com o I Encontrão das Quebradeiras de Coco Babaçu, foram aprofundadas as discussões quanto ao acesso livre aos babaçuais, a preservação e a conservação das florestas de babaçu, associadas à produção, comercialização e autonomia econômica das mulheres quebradeiras de coco babaçu. A partir da atividade, foi elaborada a primeira minuta da Lei do Livre Acesso (Lei n. 05/1997), aprovada em 1997 pelo município de Lago do Junco, no Maranhão.
Por estar ainda incompleta, no ano de 2002, durante seu mandato como vereadora de Lago do Junco, a quebradeira de coco Maria Alaídes apresentou nova lei, de n. 01/2002, que trazia em seus artigos o livre acesso, a proteção e cuidado com as palmeiras, a proibição do uso de veneno, derrubadas, queimadas e outras providências contra os danos aos babaçuais. As duas primeiras leis de Lago do Junco deram sequência às demais aprovações pelo acesso livre em outros municípios do Maranhão, Pará e Tocantins. No Piauí existe uma lei estadual que proíbe a derrubada das palmeiras (Lei Estadual nº 3.888/83).
Em âmbito federal já foram apresentados três projetos de lei relacionados ao Babaçu Livre. O primeiro, nº 1.428, foi apresentado em janeiro de 1996 e previa a proibição da derrubada de palmeiras de babaçu nos estados do Maranhão, Pará, Piauí, Tocantins, Goiás e Mato Grosso. Esse projeto tramitou por dois anos e foi arquivado em fevereiro de 1999. O segundo projeto de lei, de nº 747/2003, foi arquivado em 6 de março de 2008, e o terceiro, de nº 231/2007, também foi arquivado, em janeiro de 2015.
Apesar das aprovações nos âmbitos municipais e estaduais, a implementação e a fiscalização ainda são desafiantes. Para que exista um real acesso das quebradeiras de coco ao babaçu, é urgente uma revisão das leis, pois durante a tramitação algumas leis foram alteradas, prevendo limites à presença das quebradeiras de coco nos babaçuais, a exemplo da exigência de autorização dos proprietários das terras.
Conheça o MIQCB
O Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) é uma organização sem fins lucrativos, iniciada há 30 anos em um processo de união de iniciativas de resistência à devastação dos babaçuais. Liderado por trabalhadoras rurais extrativistas, o MIQCB é o maior movimento de mulheres da América Latina, envolvendo quebradeiras de quatro estados brasileiros – Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins –, que lutam pelo reconhecimento identitário e político, da igualdade de gênero, acesso ao território e babaçuais livres.
O MIQCB tem como objetivo articular as quebradeiras na luta pela conservação e democratização do acesso aos recursos naturais, a fim de quebrar a hegemonia de empresários e latifundiários que aumentam a destruição e a ocupação ilegal de grandes áreas públicas ou devolutas, causa da concentração de terras e da privatização dos recursos, inclusive do babaçu – a Palmeira Mãe das quebradeiras.
O movimento também busca valorizar os produtos e subprodutos de toda a cadeia produtiva da palmeira do babaçu, a fim de evitar atravessadores indesejáveis e constituir uma linha de produtos e uma marca do movimento. Com o amadurecimento de suas atividades, foi também constituída a Cooperativa Interestadual das Quebradeiras de Coco de Babaçu (CIMQCB).
Guardiãs dos babaçuais em uma relação que conecta meio ambiente, ciclos e gerações, as quebradeiras também se articulam em ações e reflexões sobre as relações de gênero, na busca de eliminar os abusos e violências contra a mulher. O MIQCB busca o protagonismo feminino, inserindo as mulheres como agentes políticas, pedagógicas e econômicas, a fim de alcançar grandes conquistas na defesa das florestas de babaçu, como a Lei do Babaçu Livre – nas três esferas governamentais – bem como garantir territórios tradicionais por meio de reservas extrativistas criadas e implementadas e territórios quilombolas demarcados, contribuindo para a regularização fundiária da sua área de abrangência.
(Da Assessoria)