Por Lidiane Barros
A seca nos corixos e o fogo que avança sob as aldeias queimando roças e plantas medicinais ameaçam a sobrevivência de comunidades indígenas no Pantanal mato-grossense.
Até o momento, a Terra Indígena (TI) Baía de Guató é a mais atingida pelos incêndios, com 83% de área destruída, de acordo com levantamento do Instituto Centro de Vida (ICV) feito a partir de imagens de satélite.
Em segundo lugar está a TI Perigara, do povo bororo, que teve 75% do território devastado. Ambas, estão localizadas no município de Barão de Melgaço, a 121 km de Cuiabá.
Ao pedir ajuda ao Ministério da Justiça e Segurança Pública nessa segunda-feira (21) – aeronaves especiais, agentes da força nacional e profissionais qualificados para auxiliar brigadistas, militares e voluntários no combate às chamas – o Governo de Mato Grosso declarou que o bioma já teve cerca de 20% de seu território destruído. Algo em torno de 1,7 milhão de hectares. Somado a Mato Grosso do Sul, o território atingido soma mais de 2,8 milhões de hectares. Mas nesta terça-feira (22), o Inpe aponta que são mais de 3 milhões de hectares atingidos pelos incêndios.
Falta de água e fome ameaçam Guatós
Moradora da Aldeia Aterradinho, que margeia o Rio Cuiabá, Alessandra Guató conta que além da seca e fome que rondam as cerca de 80 famílias de seu povo, a infraestrutura deficiente – sem saneamento básico, energia elétrica e posto de saúde em condições precárias – agrava a situação.
“Estamos perdendo nossa casa. É por isso que queremos suporte, que a gente possa atuar como brigadista. Precisamos de capacitação e instrumentos para ajudar a combater o fogo e evitar que ele se propague tanto”, diz.
Pensando no período pós-incêndios, os indígenas da Terra Indígena Baía de Guató sonham ainda em ter um viveiro para ajudar na recuperação do bioma e pensando além: uma base de monitoramento. “Se você consegue monitorar em tempo real, pode salvar seu território antes que o fogo se alastre”.
Segundo Alessandra tem causado preocupação a situação dos corixos e baías. “Estão todos secos. Eles são fonte de alimento. Quando a enchente vir, virá também toda a sujeira e os peixes, vão morrer. Então, não nos preocupa apenas o que já foi, mas também o que ainda vai ser destruído por consequência do fogo”.
Situação alarmante das famílias que hoje dependem apenas dos corixos como fonte de água, é a que vive as famílias da aldeia guató São Benedito. “E a água está suja, tem cocô e urina de jacaré. Tudo quanto é sujeira. Mas é apenas essa água que eles têm para utilizar, então, têm que esperar decantar”.
Fogo vem de fora das aldeias
O assessor da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Soilo Urupe Chure alerta que os 43 povos do Estado estão passando por um momento difícil. “As queimadas estão causando um grande prejuízo para nossas aldeias. Elas vêm de fora para dentro de nosso território. No Pantanal, os povos guató e bororo têm feito o que podem para apagar o fogo, mas não temos preparo para um fogo dessas proporções, corremos risco. Pedimos ajuda, mas o governo deixa a desejar. Quando eles vêm, já está tudo queimando e muitas vezes, saem antes de controlar o fogo”.
O chiquitano questiona sobre quando será a vez dos povos indígenas serem contemplados com as políticas públicas. “Se já não bastasse tudo o que passamos, ainda somos responsabilizados pelo fogo. O fogo que está dentro de nosso território! Mas ninguém ‘toca’ fogo na própria casa”.
Soilo também demonstra preocupação sobre os anciãos. Na Terra Indígena Tereza Cristina, do povo bororo – em área que fica entre o Cerrado e o Pantanal no município de Santo Antônio de Leverger (a km de Cuiabá) – o fogo avançou sobre as casas.
“E as famílias tiveram que ser retiradas às pressas. Foram levadas para aldeias vizinhas e também para as Casais das cidades. Mas há uma resistência muito grande dos anciãos. Eles não querem sair. Dizem que preferem morrer a sair do seu território. A situação é muito delicada. Esperamos que as políticas públicas dos governos funcionem também dentro dos territórios”.
Clique aqui para realizar uma doação em uma vakinha organizada pelos próprios indígenas.