Por João Paulo Guimarães
Passamos por dois caminhões do Exército indo embora às 15h antes de atravessar pelo portão de entrada da Aldeia Cajueiro, na Terra indígena Tembé, no Oeste do Pará. Os caminhões passam por nós e a poeira levanta na estrada sem asfalto. Descendo do carro, com câmera na mão, pergunto para um dos Tembé sentado em um barracão descansando por que o exército foi embora. Ele me diz que falaram que é o ‘protocolo’.
Ao chegar, me apresento para o chefe de operações, Plínio. Um homem simpático e abatido. Suando e com o olhar fixo na fumaça ele me avisa que, “o Corpo de Bombeiros vai deixar a área às 18h. É ‘protocolo’.”
Os brigadistas sob o comando do ‘Sub Plínio’, como eles o chamam, não aparentam só cansaço. Estão perdidos.
Sem saber o que fazer com a falta de equipamentos e o calor que os deixa desnorteados cada vez que têm de entrar na mata, entre a tiririca que corta o rosto e braços assim como o tachis, formigas vermelhas e venenosas que entram na roupa e dão choques ao ferrar o corpo. Parece drama, até você ser ferrado por dez de uma vez só.
Uma bomba para puxar água é colocada em uma caixa d’água antiga em cima de um caminhão e só assim é possível utilizar a mangueira para apagar um foco grande de fogo mata adentro. Os bombeiros, suados e gritando palavras de ordem uns para os outros, não parecem saber o que estão fazendo. Esquecem de pôr os EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), pedem para não ser fotografados sem o equipamento. ‘É protocolo’.
Do outro lado, os indígenas Tembé Tenetehara entram na mata mais rápidos e apressados em acalmar às chamas que vão se formando na mata. As copas das árvores estão pegando fogo e é preciso derrubar algumas. Uma sucupira de mais de 100 anos vai ao chão pela motosserra. Tudo nessa situação é perigo. Alguém pode ser esmagado por esses colossos que queimam por dentro do tronco.
Os indígenas entram na mata no momento que a árvore desaba para apagar as brasas, antes que mais uma vez o fogo pule para outros pontos. As mochilas amarelas de água são emprestadas pelo Corpo de Bombeiros do Estado do Pará.
A fumaça sobe no meio do mato, mas ainda é preciso esfriar mais a árvore tombada. São 18h e os bombeiros precisam sair. ‘Protocolo’. Agora os indígenas são lançados à própria sorte. Sem equipamento adequado, sem mangueira e sem EPIs eles decidem abandonar a briga. Não há mais o que fazer.
A noite esconde outros perigos além do fogo. Serpentes como a cascavel e a jajaraca ficam escondidas e atacam as pernas caso sejam pisadas. Correr do fogo seria só um dos problemas. O fogo consome galhos que ficam expostos como espetos na mata e no chão. Uma espetada nas pernas, pés ou na barriga podem ser fatais no meio da mata à cinco horas da cidade mais próxima: Paragominas.
Os Tembé e a emenda no fio de alta tensão
Alguns dos Tembé voltam para aldeia Cajueiro, mas outros precisam ficar e lidar com a falta de luz. Alguns fios dos postes foram derretidos pelo fogo que age como um lança, com chamas para cima. Voltamos pra Aldeia Cajueiro enquanto o Cacique Reginaldo Tembé e outros Tembé Guardiões da Floresta fazem a emenda do fio de alta tensão que foi aguado durante a queimada, que já dura mais de três semanas.
O fogo misterioso, que começou próximo de uma fazenda, não vai descansar à noite. Amanhã de manhã, na aldeia, os Tembé vão acordar com fumaça e tosse mais uma vez. ‘É protocolo’.
João Paulo Guimarães é fotógrafo. Realiza coberturas dos incêndios na Amazônia e no Pantanal desde o início de setembro. Neste relato, ele compartilha a experiência enquanto esteve entre os indígenas Tembé, um dos povos mais atingidos pelos incêndios na Amazônia, que alcançou níveis recordes em setembro. De acordo com dados atualizados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os Tembé já tiveram mais de 38% do território tomado pelas chamas.