O Comitê Chico Mendes promoveu na última quarta-feira, 16, o painel “Reservas Extrativistas e Povos Indígenas: Patrimônios Ameaçados” – parte da programação da 31º Semana Chico Mendes.
Em virtude da pandemia, as atividades ocorrem de maneira on-line e são transmitidas através dos canais da Mídia Ninja nas redes sociais e na plataforma Youtube.
O evento contou com a participação de Angela Mendes, ativista socioambiental e coordenadora do Comitê; Angélica Mendes, bióloga, doutora em Ecologia e integrante do Comitê), Bruna Lima analista de políticas públicas e ativista socioambiental; Dinamam Tuxá, liderança indígena e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e de Airton Faleiro, líder sindical e deputado federal (PT/PA). A conversa foi mediada por Rachel Dourado, ativista e integrante do coletivo Mídia Ninja.
Entre os tópicos abordados no debate destacou-se a importância da existência de comunidades tradicionais na preservação ambiental, as lutas em torno das demarcações de terras e o legado histórico e político de Chico Mendes – líder seringueiro, sindicalista, ativista político e ambientalista brasileiro assassinado em 1988 no município de Xapuri (AC).
Diante dos crescentes assédios e ataques na tentativa de expulsar comunidades tradicionais de suas terras, Angélica Mendes foi enfática: “o que é observado pelos dados é que as partes da Amazônia que mais estão preservadas, nós conseguimos ver pelos mapas, são aquelas que tem gente lá dentro, como há 30 anos dizia o meu avô [Chico Mendes]”, disse a bióloga.
Em sua contribuição, Dinamam Tuxá ressalta a importância e o retrocesso das propostas legislativas do marco temporal da terra e chama a atenção para a luta dos povos indígenas.
“Os povos indígenas, povos tradicionais, seringueiros, quilombolas, passam por esses processos de esbulhos possessórios [retirada de propriedade] diariamente, por diversos governos que passaram no poder. Seja de direita ou de esquerda. Nós sabemos o que sofremos.”, afirma o coordenador executivo da APIB.
Coordenadora do Comitê e filha de Chico, Angela Mendes chamou a atenção da importância dos jovens na luta pela defesa da floresta: “Não dá para se pensar no território seguro, garantido, sem se pensar em uma juventude consciente, que tenha um pensamento crítico, que saiba o porquê dele estar naquele território, qual foi a origem disso tudo”, destacou
Nas disputas em torno da legislação territorial em tramitação no Congresso Nacional, Bruna chamou atenção para o Projeto de Lei 7024/2019, de autoria da deputada Mara Rocha (PSDB/AC). O PL tem como proposta retirar a proteção integral do Parque Nacional da Serra do Divisor, no interior do Acre, e diminuir a Reserva Extrativista Chico Mendes (Resex).
Se aprovada, a medida coloca em risco uma das regiões com a maior biodiversidade da Amazônia, além de territórios de povos indígenas e seringueiros que os habitam há décadas.
Mas, como destacou Bruna, a medida não é isolada. “O que podemos observar a nível nacional é o desmonte orquestrado, onde várias unidades de conservação sofrem por essa mesma questão, de uma desafetação, flexibilização de limites”, pondera.
A importância do extrativismo
Quando se trata de extrativismo, deve-se levar em consideração suas três principais formas: o animal, o vegetal e o mineral. Sua tarefa consiste basicamente em extrair recursos da natureza e transformá-los, com a finalidade do uso humano.
Na Amazônia e nas demais florestas de mata atlântica, as principais atividades extrativistas desenvolvidas são a mineral e a vegetal, extremamente importantes para a economia de subsistência desenvolvida na região, como também nas interações econômicas e comerciais das regiões florestais.
Mas apesar do extrativismo ser a apropriação de recursos naturais, os impactos ambientais destas atividades resultam da forma de manejo e finalidades da exploração.
O manejo sustentável praticado por comunidades indígenas e extrativistas respeitam os ciclos da natureza e objetivam a subsistência dos grupos.
No extrativismo industrial, por sua vez, é comum que o manejo realizado por empresas adquira um caráter predatório, com graves consequências ambientais para a floresta e toda a cadeia de produção envolvida.
O látex (extraído da seringueira), sementes florestais, óleos de Copaíba e Andiroba, mel a partir de abelhas nativas, castanhas, e o manejo florestal comunitário, por exemplo, são produtos advindos da floresta e seu preparo e obtenção não agridem a renovação das matas, em uma relação de exploração sustentável dos recursos naturais.
Nos últimos anos, sobretudo com a ascensão do governo de Jair Bolsonaro, a atividade extrativista é crescentemente ameaçada pela mineração, através do lobby promovido por grandes empresas e pelo garimpo ilegal, que visam através da floresta a obtenção de lucro e capital sem medir os impactos socioambientais disso.
Algo que inclusive é notório no atual governo brasileiro é o descaso, afrouxamento e a marginalização das políticas ambientais e suas instituições, evidenciadas através das colocações e medidas do atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Para a coordenadora do Comitê, a própria percepção da comunidade internacional em relação a agenda ambiental brasileira é representativa dos retrocessos nos sistemas de proteção ambiental.
“O Brasil hoje parte de um país que era uma referência global nas questões ambientais, nas políticas ambientais, para um país que hoje é desconvidado a participar dos grandes debates, das grandes conferências”.
Dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon mostram que, em novembro de 2020, o desmatamento na Amazônia alcançou o mais alto nível dos últimos dez anos. “(…) isso mostra o tanto que a gente construiu em termos de políticas, em termos de bons debates, de construções de políticas públicas, que é exatamente o tanto que está sendo destruído por esse grupo que está no governo [Federal]”, completa Angela.
Em termos de formulação e execução de políticas públicas pelo governo federal, observa-se de maneira sistemática o compromisso com as atividades predatórias. “O real sentido de termos a redução dessas unidades de conservação são os interesses por detrás. Esses interesses não são os de moradores, não são dos extrativistas. Esses são interesses comerciais, interesses pecuaristas, são interesses de alguns posseiros, moradores ilegais destas áreas de reservas”, avalia Bruna Lima.
Além da mineração, a indústria do agronegócio representa grande ameaça a saúde ambiental das matas brasileiras, uma vez que para a realização de suas atividades é necessário desmatar vastas porções de territórios florestais, a fim de abrir espaço para a pastagem de gado e a cultura de diversas hortaliças e grãos vendidos em larga escala, em sua maioria cultivadas a base de agrotóxicos.
Os desafios das comunidades indígenas e sua importância na manutenção dos recursos da floresta
De acordo com levantamentos realizados pelo Instituto Socioambiental (ISA), existem hoje no Brasil 724 reservas indígenas, que abrigam 262 povos e mais de 154 idiomas diferentes.
Segundo o último levantamento realizado pelo Instituto, os mais de 660 mil indígenas se distribuem por uma área que se estende por 13% do território nacional.
Apenas 67% das reservas são oficialmente reconhecidas pelo Estado brasileiro, enquanto mais de 30% ainda se encontram em fases distintas de homologação.
O processo de demarcação é essencial para a preservação destes povos e da natureza “A floresta só permanece em pé se ela for habitada. E a floresta só permanece habitada e em pé se tiver modos de vida, segurança territorial e política”, afirma a analista Bruna Lima.
Atualmente um número crescente de reservas têm sofrido ameaças territoriais, sobretudo causadas pela expansão do setor de extração predatória e o avanço das fronteiras agrícolas sobre territórios.
Uma das formas comuns de apropriação de terras preservadas ocorre através de processos judiciais, através da requisição de faixas territoriais protegidas para a execução de suas atividades.
Porém, a ocupação ilegal e violenta é uma preocupação constante para as comunidades tradicionais.
“Dentro de todo o processo histórico de esbulho possessório, a violência praticada pelos colonizadores, pela ditadura militar e pelos governos democráticos, que passaram sim por diversos anos de violações e restituições de direitos, de esbulhos possessórios.”, afirma a liderança indígena Dinamam Tuxá.
Sobre o marco temporal, processo no STF que busca estabelecer que os povos tradicionais somente podem reivindicar as terras em que estavam em 5 de Outubro de 1988, Dinamam é enfático:
“A tese do marco temporal é uma tese que proporciona ainda mais insegurança jurídica que o Estado brasileiro vem promovendo frente aos direitos territoriais das comunidades tradicionais, em especial aos povos indígenas.”
E a necessidade de ocupação dessas terras para a conservação de seus ambientes e o manejo sustentável da terra é, nas palavras de Angela Mendes, fator essencial na manutenção da fauna e da flora. “Precisamos manter essas pessoas vivas [indígenas], para elas manterem nosso território”, afirma a diretora do Comitê Chico Mendes.
Segundo pesquisas realizados pelo ISA, as terras indígenas estão entre as mais preservadas da Amazônia Legal. Juntas, esses territórios perderam apenas 1,9% de suas florestas originais. Por sua vez, o extrativismo industrial consumiu 20% de sua região florestal.
O reconhecimento dos direitos de comunidades tradicionais como os extrativistas, indígenas, quilombolas e ribeirinhos é um problema estrutural longe de ser solucionado e representa as relações históricas do Estado brasileiro com estes povos.
Diante de desafios das mais variadas naturezas, desde legislações até a luta concreta pela sobrevivência diante de ataques violentos pela espoliação de suas terras, a resistência dos povos tradicionais é uma agenda global de sobrevivência da própria Amazônia e da manutenção e qualidade de vida no planeta.
“No começo pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a Floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade.”
Gostou? Então confira a programação imperdível da 31º Semana Chico Mendes, que se estende do dia 15/12 até 22/12. Serão cerca de 20 horas de muitos debates e atividades culturais para relembrarmos o legado político de Chico e refletirmos sobre os próximos passos de nossa jornada coletiva humanitária.
Por Mariana Neves e João Maciel