Para os povos indígenas, viver é resistir. Não bastasse o estado de alerta constante para proteger seus territórios contra invasores, os povos indígenas têm que combater diariamente, retrocessos e quadro de violações constitucionais que ameaçam seus direitos.
Caso da Resolução 4/2021, norma que restringe a autodeclaração e estabelece novos critérios para a heteroidentificação de indígenas. Ou seja, o governo toma para si a autonomia de decidir quem é ou não é indígena. Em janeiro a Funai publicou a norma sob o pretexto de aprimorar “a proteção dos povos e indivíduos indígenas, para execução de políticas públicas”.
No entanto, ela se configura como um instrumento que dificulta o acesso a políticas públicas específicas para esses povos, inclusive na área de saúde
Por ora, a resolução deixou de ter vigência desde 16 de março, quando o ministro do STF, Luís Roberto Barroso suspendeu a validade normativa da Funai, ressaltando que o critério fundamental para o reconhecimento dos povos indígenas continua sendo a autodeclaração.
Ainda assim, a Advocacia Geral da União interpôs agravo regimental questionando a decisão por motivos processuais.
Como um apelo, a Human Rights Watch alerta em carta aberta que se o agravo for recebido, os efeitos da resolução serão retomados. “Ao invés de aguardar a apreciação do recurso, a FUNAI deveria revogar a Resolução de uma vez por todas e comunicar a Advocacia Geral da União para que desista do recurso interposto”, diz trecho do documento.
Ao tempo em que o STF definiu a inconstitucionalidade da resolução, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denunciou o governo ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, alertando que ela “consolida o racismo institucional contra os povos indígenas ao propor critérios sobre uma autoidentificação que é, por direito, subjetiva, não se reduzindo a estereótipos ou características fenotípicas, além de buscar cristalizar e segregar as identidades ditas ‘pré-colombianas’”.
O presidente do Cimi, dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO), solicitou apoio ao conselho reforçando que “ao tentar trazer para si o direito de declarar quem é ou não indígena, Bolsonaro também está decidindo quem será ou não beneficiário das políticas públicas, que são direitos constitucionalmente garantidos”.
A Human Rights Watch também destacou que a resolução é questionável por vários motivos. Primeiro, porque foi editada sem a devida consulta às comunidades envolvidas.
“A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas exige que, antes de adotar e implementar quaisquer medidas legislativas ou administrativas que afetem os povos indígenas interessados, os Estados devem consultá-los, a fim de obter seu consentimento livre, prévio e informado”.
Outro ponto questionável é que a resolução estabelece critérios arbitrários para identificar quem é indígena de forma inconsistente com as normas internacionais de direitos humanos.
“A adoção desta resolução é particularmente preocupante no contexto de um governo que tem buscado insistentemente enfraquecer os direitos dos povos indígenas e a proteção de seus territórios no Brasil. Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, em 2019, o governo federal não demarcou nenhum novo território indígena, embora a constituição exija a demarcação e proteção dessas áreas. A FUNAI tem também tomado decisões que podem ir contra sua missão de defender e proteger os direitos dos povos indígenas no Brasil”, diz ainda a carta aberta encaminhada à Funai.