Não há mais pudor quando a intenção é “passar a boiada”. É nítida a interferência política que tem silenciado e dificultado a atuação de servidores de órgãos ambientais em detrimento de interesses escusos.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, além de ter sido autor da célebre frase, tentou de todas as formas liberar a maior apreensão de madeira ilegal feita pela Polícia Federal, em dezembro de 2020. Acusado de obstruir a investigação, advocacia administrativa e organização criminosa, é alvo de notícia-crime encaminhada pela PF ao Supremo Tribunal Federal. O autor da denúncia, o delegado Alexandre Saraiva, foi demitido.
Ao lado do senador Telmário Mota (Pros-RR), é acusado de atuar em favor de investigados da “Operação Handroanthus”, que mirou extração ilegal de madeira na Amazônia no fim do ano passado.
No dia 9 de abril, o Ibama – subordinado ao Ministério do Meio Ambiente – divulgou uma nota informando que havia identificado e multado em R$ 105,5 milhões, o “chefe do esquema criminoso” de grilagem de terras indígenas na Amazônia, uma área equivalente a mais de 21 mil campos de futebol, no Pará.
O infrator se chama Jassonio Costa Leite, um empresário de Tocantins que tem livre acesso a gabinetes no Congresso Nacional e claro, é apoiador do presidente Jair Bolsonaro, “já tendo conversado com o chefe do Executivo em suas paradas matinais no ‘cercadinho’ do Palácio do Alvorada”.
O Ibama o autuou após colher série de depoimentos e denúncias anônimas durante ações de fiscalização realizadas desde o início de 2019. “O empresário, segundo o órgão, lidera um grupo formado para invadir terras indígenas, fazer seu loteamento e vender as áreas dentro do território protegido”.
Ele teria sido um dos principais responsáveis pelo processo de grilagem da terra indígena Ituna-Itatá, localizada no município de Senador José Porfírio, no Pará. A região registrou um dos maiores índices de desmatamento ilegal em toda Amazônia entre 2018 e 2020.
E mais uma vez, lá estavam políticos do lado duvidoso. O senador Zequinha Marinho (PSC-PA) também é destes parlamentares que celebram a ilegalidade [inclusive, ele aparece ao lado de Salles no vídeo em que o ministro, em encontro com os madeireiros, disse que iria apoiar a liberação da madeira apreendida, após revisão dos documentos].
Em abril do ano passado, quando o Ibama realizou uma megaoperação de combate ao desmatamento na região, Jassonio recorreu ao apoio de políticos para tentar barrar a ação e foi bater na porta do gabinete de Zequinha.
Este, como conta reportagem realizada pelo Estadão, recebeu o empresário e sua filha, chegando a gravar vídeo para criticar o Ibama e dizer que estava recorrendo ao governador do Pará, Helder Barbalho, para dar fim à operação. Questionou o apoio do governo paraense e sua Polícia Militar para o que chamou de “cobertura a servidor bandido e malandro como esse pessoal do Ibama”. Jassonio, claro, celebrou o apoio, certo de que algo seria feito.
No entanto, a operação seguiu adiante e o resultado da incursão pelas terras indígenas foram 26 autos de infração, 24 apreensões e 17 termos de destruição de máquinas, entre outros itens.
As imagens repercutiram nacionalmente e chamaram a atenção do presidente Bolsonaro, que não gostou nada do que viu. A reação veio dias depois. Salles determinou a exoneração do diretor de proteção ambiental do Ibama, Olivaldi Alves Borges Azevedo, além dos coordenadores de fiscalização e operações Renê Oliveira e Hugo Loss.
Demorou quase um ano, mas na semana passada, o Ibama enfim, aplicou as multas. Segundo apuração da reportagem, desde abril do ano passado, as investigações já apontavam Jassonio como o líder do esquema de invasão da terra indígena.
“Foi identificada ainda a tentativa de erguer uma vila dentro do território, além de uma ampla transferência de títulos de eleitor, como forma de consolidar a ocupação e criar vínculo dos invasores com o poder público local”, diz trecho da reportagem.
Jassonio foi procurado para apresentar sua versão, mas não deu resposta ao pedido. Já o senador Zequinha Marinho afirmou, por meio de sua assessoria, que não costuma comentar assuntos particulares e que envolvem terceiros. Vale ressaltar, Zequinha, que é membro da bancada evangélica, assumiu vaga na suplência da CPI da Pandemia.
Sobre as declarações contra a operação do Ibama, quando gravou vídeo ao lado de Jassonio, declarou que teria sido “em decorrência de conflitos agrários iniciados e motivados” por uma portaria da Funai, que, segundo ele, desconsiderou o ordenamento territorial do Estado do Pará.
Por sua vez, a Funai declarou que “a interdição” da terra indígena “vem sendo prorrogada sucessivamente desde então” e que a prorrogação mais recente ocorreu em 2019. A Funai esclareceu que “a atual gestão está trabalhando para que a questão seja resolvida o quanto antes à luz da segurança jurídica, a fim de conciliar os interesses de indígenas e não indígenas”, declarou. O governo do Pará não se manifestou sobre o assunto.
Fonte: Estadão