Sob o argumento de dar uma guinada rumo ao desenvolvimento econômico e garantir legalidade a produtores rurais que ocupam áreas em unidades de conservação de Rondônia, parlamentares da Assembleia Legislativa votaram pela redução de áreas da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará Mirim.

Em nota de repúdio um grupo formado por organizações ambientais, associações indígenas, de extrativistas e autoridades do meio jurídico denunciam o que consideram a quase extinção da reserva Jaci Paraná e redução de área considerável do Parque Guajará-Mirim.

“Dos 193 mil hectares existentes, sobrarão apenas 22 mil, pouco mais de 10% da área original. O parque estadual de Guajará-Mirim perderá 55 mil hectares, num corte que atingirá inclusive a sede da unidade de conservação, que ficará de fora da área preservada. Os números ainda são estimados. Não houve transparência nessas informações e ainda não estão claros os novos limites propostos”. Os deputados votaram emendas, mas elas ainda não foram disponibilizadas para apreciação.

“As terras retiradas das unidades de conservação serão dadas como prêmio a invasores ilegais, que ocuparam a floresta com base na violência. Grileiros que expulsaram as comunidades tradicionais para colocar, em seu lugar, 120 mil cabeças de gado, destinadas inclusive à exportação. Com essa decisão, a Assembleia Legislativa expulsa indígenas, seringueiros e extrativistas para dar lugar à pastagem e ao boi, que enriquecem alguns poucos poderosos, deixando para a população a conta do prejuízo ambiental”, diz trecho da nota de repúdio.

Foto aérea da região, por Christian Braga / Greenpeace

Na sessão transmitida pelo canal da AL no YouTube e restrita aos deputados, a todo momento, parlamentares se posicionaram favoravelmente, exigindo celeridade na aprovação do Projeto de Lei Complementar 80/2020.

Esta é mais uma demanda que vem do governador Marcos Rocha, coronel da Reserva da PM e fiel escudeiro de Bolsonaro, que foi eleito pelo PSL e atualmente está sem partido.

Antes da votação, realizada no dia 20 de abril, o deputado estadual Laerte Gomes (PSDB) enalteceu a proposta e disse que se tratava de um momento histórico para a AL.

“Esta é a possibilidade de iniciar o processo de regularização de milhares e milhares de famílias de Buriti, Porto Velho, Mamoré e Guajará. A aprovação do PLC é o início de um processo. Vem depois a regularização ambiental e fundiária. Um dos mais importantes dessa legislatura juntamente com o zoneamento que a gente aguarda para votar na próxima semana”, disse. O PLC em questão é o o 85/2020.

Com a proposta de mais uma vez, promover o desenvolvimento, o governador, em sintonia com a maioria dos deputados – que mudar o Zoneamento Socioeconômico-Ecológico, permitindo a redução da área de reserva legal e exploração e execução de obras em qualquer área do Estado, inclusive terras indígenas e unidades de conservação.

O deputado Ezequiel Neiva (PTB), por sua vez, alertou sob a pressa em aprovar o projeto, diante da realização da Cúpula de Líderes.

“Estamos tendo hoje uma das últimas oportunidades de estar votando o projeto, haja vista que em muito poucos dias acontecerá a grande cúpula do clima. Então hoje essa casa está tendo uma das últimas oportunidades. É o primeiro passo de uma grande jornada que vocês vão enfrentar ainda. Só pelo fato dessa áreas serem desafetadas, já é um grande passo”.

Ambientalistas desaprovam o modo com que foi conduzido o processo dos PLCs apresentados pelo governador no fim do ano passado. Eles alegam que não houve consulta pública nos municípios e que não foram apresentados critérios técnicos, fora a audiência ter acontecido de maneira tão restrita.

Agora, a sanção do PLC 80/2020 está nas mãos do governador. No entanto, esse processo pode sofrer uma reviravolta, já que a Força-Tarefa de Combate a Queimadas e Incêndios Florestais do Ministério Público de Rondônia (MPRO) já encaminhou à Procuradoria de Justiça um pedido para análise de Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o projeto.

O discurso do governador é alinhado ao do presidente Bolsonaro, num exercício constante de incentivar invasões ilegais e avançar sobre terras que demandam proteção do Estado.

Ao ((o))Eco, o sociólogo Luis Fernando Novoa Garzon explicou que há um estímulo à política do fato consumado: “invade, explora, ocupa e quando a Justiça suspende porque é flagrantemente ilegal, o estrago está feito: a destruição está consumada, os legítimos ocupantes da terra, indígenas ou comunidades tradicionais, já foram expulsos ou afastados”. E então, depois de desmatadas, as áreas dão lugar à agricultura e pecuária.

Na justificativa à apresentação do PLC 80/2000, explicou, o governador justifica que com a desafetação Parcial da reserva e parque, seria possível promover regularização de ocupações, com a desculpa de ter um falso controle sobre a área e sua biodiversidade.

O sociólogo destacou que as duas propostas do governo estadual são ilegais. “Esses PLCs estão à margem da lei porque afrontam à legislação federal e atropelam as regras jurídicas de preservação e zoneamento estabelecidas na Constituição. Eles atropelam jurisprudência de que não é possível retroceder em princípios constitucionais”.

Confira nota de repúdio na íntegra:

Deputados de Rondônia tentam passar boiada de 200 mil hectares a invasores de florestas públicas. No momento em que os países tentam acertar o passo para garantir o futuro climático do planeta, a Assembleia Legislativa de Rondônia prefere usar a contramão da história para premiar grileiros de terras públicas e desmatadores ilegais, em prejuízo do conjunto da população.

Por decisão dos deputados na noite de terça-feira (20 de abril), a reserva extrativista de Jaci-Paraná ficará praticamente extinta. Dos 193 mil hectares existentes, sobrarão apenas 22 mil, pouco mais de 10% da área original.

O parque estadual de Guajará-Mirim perderá 55 mil hectares, num corte que atingirá inclusive a sede da unidade de conservação, que ficará de fora da área preservada. Os números ainda são estimados. Não houve transparência nessas informações e ainda não estão claros os novos limites propostos.

As terras retiradas das unidades de conservação serão dadas como prêmio a invasores ilegais, que ocuparam a floresta com base na violência. Grileiros que expulsaram as comunidades tradicionais para colocar, em seu lugar, 120 mil cabeças de gado, destinadas inclusive à exportação.

Com essa decisão, a Assembleia Legislativa expulsa indígenas, seringueiros e extrativistas para dar lugar à pastagem e ao boi, que enriquecem alguns poucos poderosos, deixando para a população a conta do prejuízo ambiental.

Condena à miséria na periferia das cidades centenas de famílias impedidas de continuar vivendo de maneira sustentável na floresta em pé – que agora cai oficialmente em nome do rebanho de gado.

Essa apropriação ilegal de terras públicas terá impactos diretos e irreversíveis nas terras indígenas Uru-eu-wau-wau, Karipuna, Igarapé Lage, Igarapé Ribeirão, Karitiana e comunidades em isolamento voluntário na região.

Esses povos, que nunca foram consultados sobre as alterações nas unidades de conservação, têm agora ameaçadas sua integridade física, cultural e territorial, ficando expostos à expulsão, à doença e à morte.

Os parlamentares e o governo do estado tentam vender a falsa ideia de que os grileiros são pessoas pobres, que trabalham a terra com as mãos para sustentar suas famílias. Tentam esconder a realidade.

Os grandes responsáveis pelas invasões são gente poderosa e influente, que usa posseiros como laranjas. Gente que contrata jagunços armados para expulsar a força, famílias tradicionais que tiram seu sustento da floresta. Pessoas humildes têm dez, vinte ou até cem cabeças de gado, nunca o maior rebanho bovino do estado, comercializado com grandes frigoríficos.

A drástica redução das unidades de conservação é o coroamento de ataques sistemáticos à lei e à ordem, numa história de mais de 20 anos de agressões. Contraria diversas decisões judiciais e dos ministérios públicos Estadual e Federal. Descumpre a legislação vigente e acordos internacionais assinados pelo Brasil.

O projeto foi apresentado pelo governador Marcos Rocha e aprovado pelos deputados sem que nenhum estudo técnico fosse apresentado para justificar os cortes. Na noite de terça-feira, quando as invasões foram legalizadas, parlamentares passaram mais tempo negociando a portas fechadas do que deliberando publicamente.

A sessão foi interrompida duas vezes, por mais de três horas no total, numa época em que a população está impedida de acompanhar as sessões presencialmente, em função das restrições impostas pela pandemia. As negociações sem transparência, ocultas à população, são um retrocesso democrático que torna ilegítimas as decisões da Assembleia.

O que aconteceu nessas reuniões secretas? O que foi negociado? Quem participou? São algumas das respostas que os deputados devem à sociedade e à Democracia. O governador Marcos Rocha tem agora a oportunidade de escolher como quer entrar para a história.

Se vetar os projetos criminosos, enviará ao Brasil e ao mundo a mensagem de alguém que cuida das pessoas e da natureza. Se sancionar, mostrará que se alia à devastação, à violência, à grilagem e aos desmatamentos que destroem a Amazônia. Além disso, corre o risco de ser desautorizado pela Justiça, que tem, repetidamente, barrado agressões à floresta e à população.

De nossa parte, não permitiremos a consolidação dessas ameaças. Vamos denunciá-las e lutar de todas as formas, inclusive fora do país se necessário, para defender nossas populações, nossas florestas, nosso clima e nossa Democracia.

Assinam:

Movimento Sos Cerrado Associação Alternativa Terrazul

FBOMS – Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

GEEMA- Grupo de Estudos em Educação e Meio Ambiente

Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé

SOS Amazônia

Daniel Luis Dalberto – Procurador da República

Aparecida Vilaça – antropóloga/museu nacional UFRJ

OPAN – Operação Amazônia Nativa

Ramires Andrade – Advogado

Associação do Povo Indígena Uru Eu Wau Wau – JUPAÚ

Associação dos povos karipuna indígenas( APOIKA)

Movimento Amazônia na Rua – Recife

Idesam – Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia

Instituto Socioambiental – ISA

Grupo de Trabalho Amazônico – GTA

REBEA – Rede Brasileira de Educação Ambiental

Almir Narayamoga Suruí

Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí

Rede de Educação Ambiental de Rondônia – REARO

WWF-Brasil