Vítimas de quatro massacres desde a década de 1980, o povo yanomami continua sendo alvo da ação criminosa de invasores à procura de ouro em seu território e teme que a história se repita.
No dia 10 de maio, indígenas de Palimiú sofreram o primeiro de uma série de ataques, quando um grupo de garimpeiros em sete embarcações, atirou contra a comunidade localizada na região de Alto Alegre, em Roraima, no extremo Norte do Brasil.
Mas os indígenas revidaram, pois era grande o risco de os invasores adentrarem a comunidade. Foi a reação que tiveram para proteger mulheres, crianças e idosos.
Um yanomami foi baleado de raspão na cabeça, três garimpeiros foram mortos e cinco ficaram feridos. Isso alimentou a sede de vingança dos invasores que se organizam dia a dia, intensificando a truculência dos ataques.
Informações recentes dão conta de que dois meninos yanomamis, de 1 e 5 anos morreram em decorrência da ação criminosa.
Atordoados pelos tiros, eles correram tentando se refugiar. Seus corpos foram encontrados boiando no rio, no dia 12 de maio. Os indígenas acreditam que eles se afogaram tentando se esconder.
O medo ronda a comunidade e a sensação de impotência os deixa em permanente estado de alerta. O mais recente ataque ocorreu na noite de domingo (16), quando além de armas, os garimpeiros usaram bombas de gás contra os indígenas.
PF e Exército: visitas rápidas
Na terça-feira (11), agentes da Polícia Federal foram até lá apurar o incidente. Quando estavam prestes a embarcar de volta à capital Boa Vista (RR), foram surpreendidos pelo ataque de garimpeiros que passaram de barco no Rio Uraricoera e efetuaram novos disparos. Eles foram embora da comunidade depois do ocorrido.
Os yanomami, via Associação Hutukara também convocaram o Exército, pedindo inclusive, a instalação de um posto emergencial na comunidade.
Na quarta-feira (12) militares foram até lá, mas ficaram por apenas duas horas. Mais tarde, a comunidade sofreu novo ataque, desta vez eram 40 embarcações como garimpeiros armados. Novamente, dispararam contra os indígenas.
Inércia do Governo
Mesmo diante da repercussão na imprensa e denúncias de ativistas dos direitos humanos, o Governo Brasileiro parece ignorar os apelos. E os alertas não são de agora, já que o Ministério Público Federal, já no ano passado havia alertado sobre a situação de conflito, pedindo a desintrusão de garimpeiros da região, que fica no município de Alto Alegre.
O número de pessoas que cobiçam a terra dos indígenas vem aumentando consideravelmente nos últimos anos e isso tem gerado a degradação da floresta, a casa dos yanomami e ameaçando a saúde deles, principalmente durante a pandemia. Os invasores também têm vínculo com uma das mais temidas organizações criminosas do país, o PCC, conhecido como Partido do Crime.
A atual solicitação do MPF está dentro de ação civil pública, do ano passado, em que o órgão solicitou operação de retirada das pessoas que atuam ilegalmente na extração de ouro da Terra Yanomami. A presença deles, reforçou o MPF, implica em ilícios ambientais e riscos de disseminação do coronavírus contra as frágeis populações indígenas.
Na ação o MPF realçou que o garimpo ilegal aproveitou a situação de pandemia e avançou 30% na Terra Yanomami. Só o rio Uraricoera concentra 52% de todo o dano causado pela atividade ilegal. Ao passo que o garimpo avançou, os registros de Covid-19 também aumentaram 250% em três meses na região.
Determinação da Justiça
Na quarta-feira (12) o MPF ingressou com pedido de liminar na Justiça Federal para que a União destacasse imediatamente, forças de segurança para a comunidade de Palimiú.
A 2 ª Vara da Justiça Federal acatou o pedido e determinou na quinta-feira (13) que o Governo Federal teria que comprovar o envio de tropas policiais sob pena de multa. Até o momento, o pedido não foi atendido.
Coletiva de imprensa
No sábado (15), mesmo temendo emboscadas, lideranças yanomami foram até Boa Vista, capital de Roraima, denunciar à imprensa o que está acontecendo em seu território: invasão de garimpeiros, ataques diretos, devastação ambiental e a morte das crianças yanomami. Eles já não sabem a quem recorrer, pois mesmo diante do conhecimento da Funai, Exército e Polícia Federal e até mesmo de uma decisão judicial, o governo federal ainda não tomou nenhuma atitude para protegê-los integralmente.
Clamor
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) se manifestou já no dia 11 de maio, pedindo ao Supremo Tribunal Federal que retirasse os invasores da TI Yanomami. Ainda não há resposta sobre a solicitação.
Os ataques teriam começado depois que os yanomami fizeram uma barreira no rio Uraricoera para barrar o avanço do garimpo ilegal e evitar a contaminação por coronavírus.
Eles teriam apreendido materiais que invasores levariam até o meio da floresta, em locais de exploração, como galões de diesel e um barco grande, o que exaltou os ânimos dos garimpeiros. Isso aconteceu no final de abril e desde então, os garimpeiros passaram a realizar os ataques.
Floresta viva
Para os Yanomami, ”urihi”, a terra-floresta, não é um mero espaço inerte de exploração econômica (o que chamamos de “natureza”) Trata-se de uma entidade viva, inserida numa complexa dinâmica cosmológica de intercâmbios entre humanos e não-humanos. Como tal, se encontra hoje ameaçada pela predação cega dos brancos.
Os Yanomami formam uma sociedade de caçadores-agricultores da floresta tropical do Norte da Amazônia cujo contato com a sociedade nacional é, na maior parte do seu território, relativamente recente. Seu território cobre, aproximadamente, 192.000 km², situados em ambos os lados da fronteira Brasil-Venezuela na região do interflúvio Orinoco – Amazonas (afluentes da margem direita do rio Branco e esquerda do rio Negro).
Segundo estimativa da Apib, até 2019 a população distribuída por Roraima e Rondônia é de 26.780 indígenas, enquanto na Venezuela, somariam 11.341 (levantamento de 2011).
Corrida do Ouro
Uma centena de pistas clandestinas de garimpo foi aberta no curso superior dos principais afluentes do Rio Branco entre 1987 e 1990. O número de garimpeiros na área yanomami de Roraima foi, então, estimado em 30 a 40.000, cerca de cinco vezes a população indígena ali residente.
Embora a intensidade dessa corrida do ouro tenha diminuído muito a partir do começo dos anos 1990, até hoje núcleos de garimpagem continuam encravados na terra yanomami, de onde seguem espalhando violência e graves problemas sanitários e sociais.
Massacres
A corrida do ouro levou a morte para os yanomamis. Foi justamente em 1987 que foram vítimas do primeiro massacre. O apelo dos povos indígenas é para que essa triste história não se repita.
1987 – Serra Couto Magalhães (RR) – TI Yanomami
Em 15 de agosto de 1987, indígenas Yanomani e 150 garimpeiros acampados na serra de Couto Magalhães entram em confronto, 7 indígenas foram mortos. Indígenas Yanomani entram em confronto com 150 garimpeiros acampados na serra de Couto Magalhães. Os garimpeiros mataram 7 indígenas e feriram 47. O grupo estava armado com espingardas. Os indígenas responderam ao tiroteio dos garimpeiros. Polícia Militar, Exército e Polícia Federal foram até a área, mas os garimpeiros não aceitaram o aviso para deixar o local, por conta de terem encontrado muito ouro. Os conflitos e a tensão permaneceram.
1988 – Paapiú (RR) – TI Yanomami
Em 25 de abril de 1988, um confronto entre garimpeiros e indígenas em uma Gruta na região do Paapiú, em Roraima, resulta na morte de 8 indígenas, conforme registro da CPT à época. Há desencontro com outras fontes no número de mortos, porém o CEDOC da CPT registrou 8 indígenas mortos.
1993 – Haximu (RR) – TI Yanomami
Em 01 de agosto de 1993 ocorre o que ficou conhecido como Massacre de Haximu. Esse massacre é resultado das tensões relacionadas à corrida do ouro desde 1987 no Brasil, que incluem conflitos entre os garimpeiros brasileiros e o povo Yanomami. O nome da aldeia tornou-se mundialmente conhecido após o sangrento massacre que vitimou 5 crianças e 5 adultos, entre mulheres e idosos de Haximu, pegos de surpresa no início de uma manhã por um grupo de garimpeiros fortemente armados.
2013 – Alto Alegre (RR) – TI Yanomami
Em 14 de abril de 2013, de acordo com a Funai, um conflito com armas de fogo entre tribos yanomami deixou 05 indígenas mortos e 07 feridos. Os indígenas da região de Alto Alegre (RR), afirmaram à Funai na época, que estavam sendo armados por garimpeiros em troca de permissões para exploração ilegal de ouro na terra indígena, que estaria invadida por ao menos 1.600 homens.