Lideranças e comunicadores indígenas de onze países da América Latina se encontraram em mais uma edição virtual do Emergências Amazônia. Eles compartilharam experiências em comunicação estratégica, tendo a internet como fio condutor. Dessa forma, os interlocutores de suas pautas e denúncias são eles próprios. Também abordaram a importância dos povos indígenas na luta contra o avanço do agronegócio, da destruição das florestas, do habitat de milhares de seres vivos e da vida dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais.
A coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, considerou o evento de extrema importância.
“Ao levantar a bandeira da justiça, da dignidade e da vida humana, a gente é apedrejado de todas as formas, ameaçados, perseguidos e até mortos. É um verdadeiro cenário de guerra. E sim, vem tiros de todos os lados. A gente fica procurando refúgio e o lugar que a gente encontra essa proteção é entre nós, pessoas que têm consciência humanitária. É exatamente nessa rede que a gente encontra nossa segurança”, disse ao saudar os presentes.
Ela destacou que a Apib tem imposto resistência frente ao retrocesso como a devastação ambiental e a perseguição dos direitos indígenas e tem, na internet, grande aliada. Ela, por exemplo, marca presença no Instagram, onde tem mais de 374 mil seguidores.
O coordenador latino-americano de cinema e comunicação para povos indígenas (Clacpi), entidade com atuação na Colômbia e Venezuela, David Palmar, disse que a organização também tem utilizado diversos recursos para denunciar a violência contra os povos indígenas.
“Os veículos tradicionais e políticos tentam reduzir e estigmatizar a luta da população. Utilizamos a comunicação para desconstruir esses discursos. É a aliada que temos para resistir ao racismo estrutural”.
Coordenadora de três escolas de treinamento de lideranças de mulheres de nações amazônicas, a equatoriana Katy Machoa desabafou sobre a situação crítica do país, agravada pela crise sanitária.
Da Argentina, a secretária de Direitos Humanos dos Povos Indígenas da Central Autônoma dos Trabalhadores Argentinos, Patricia Murer Paicil Barria, alertou que o capitalismo desenfreado agrava a situação dos indígenas no seu país. “O capitalismo é muito inteligente, ele tenta nos absorver, os interesses políticos se sobrepõem às suas raízes, criticando parlamentar de origem indígena que abandonou a luta”.
Falando diretamente do Acre aos presentes, a coordenadora executiva do Comitê Chico Mendes, Angela Mendes, lembrou que a internet é aliada, mas em alguns casos, a dificuldade de conexão é um desafio. Outros participantes, localizados em lugares ermos onde a internet oscila, não conseguiram participar do evento justamente por essa dificuldade.
“A comunicação é extremamente necessária, principalmente para quem está nos territórios, supre a falta do Estado. A inclusão digital é capaz de levar o mínimo de saúde, como as redes de telemedicina. Além é claro, de ser instrumento de denúncia dos perigos e ameaças que estão acontecendo no contexto da base dos territórios. Precisamos falar dessas grandes alianças, precisamos mostrar para o mundo o que está acontecendo em nosso país”.
Comunicadores indígenas
Ao longo do sábado (15) foram realizados três encontros. O primeiro reuniu pessoas interessadas em compor a base em várias regiões do Brasil, com foco na articulação política e social. O número de pessoas vem crescendo a cada edição.
Na sequência, comunicadores indígenas falaram sobre as iniciativas que vêm desenvolvendo, bem como quais plataformas são mais utilizadas para difundir as pautas de suas comunidades.
A comunicação feita por e para indígenas é parte essencial da luta e resistência dos povos assim como na luta contra a crise climática. Indígenas do Brasil e de outros países da Bacia Amazônica, comunicadores e ativistas ambientais se encontram para dividir e trocar experiências sobre a comunicação como ferramenta de luta.
A mediadora Lucia Ixchiu questionou os presentes sobre o impacto da comunicação na luta em defesa do território. Erisvan Guajajara, do Maranhão, destacou que é a certeza de que a história dos indígenas será contada como ela realmente deve ser contada.
Diana Jembuel Morales diz que a comunicação aglutina mais de 115 povos indígenas da Colômbia. “As redes sociais nos ajudaram muito nas denúncias”, disse.
Eslendy Grefa, do Equador, conta que no seu país, a comunicação tem sido grande aliada. “Durante anos tentaram nos invisibilizar, mas estamos nos empoderando. Essas ferramentas são como armas poderosas para quebrar o cerco midiático das mídias tradicionais e o racismo”.
Presidente do Conselho das Redes Indígenas do Peru, Ronald Suarez, destacou que também utilizam a comunicação para divulgar o que não tem lugar na mídia tradicional. “O que acontece nas nossas comunidades, não é divulgado. Na pandemia, por exemplo, 158 irmãos morreram, mas não foram contabilizados no registro do governo peruano. Prometeram vacina, reativação econômica, mas nada melhora. Para completar, narcotraficantes aproveitaram e destruíram florestas primárias”.
Monica Micelana, do Uruguai, disse que o “capitalismo selvagem está saqueando territórios ancestrais. Acho muito importante a criação de uma rede indígena internacional para que possamos nos fortalecer, coordenar ações e visibilizar nossas emergências. Lutar contra o genocídio do povo indígena é uma delas”.
Da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Alana Manchineri incentivou os parentes a enxergarem a comunicação, como instrumento político. “É uma ferramenta de resistência, sobretudo nesse momento de pandemia”.
Dentre os questionamentos feitos pela mediadora, ela perguntou aos participantes sobre como teriam surgido suas experiências de trabalho e quais plataformas mais utilizavam.
Da Mídia Índia, Tukumã Pataxó, disse que utiliza a comunicação para desconstruir estereótipos. “Estamos em todos os lugares, somos médicos, professores… de vários lugares, demarcando as terras e ocupando as telas”, diz o jovem que aposta no Instagram.
Com base em Londres, na Inglaterra, a boliviana Angela Camachio leva as vozes do Sul para o Norte. “Trago comigo minha terra, meus territórios ancestrais. De lá, ela amplifica as vozes e pautas dos indígenas de seu país”.
E quando o assunto foram as pautas comuns, a jovem Txai Paiter Suruí destacou que é dentre as principais está a luta contra a colonização. “A mídia não mostra o que vem acontecendo dentro das nossas terras, continuamos sendo mortos. A última que fizemos foi para saber quem matou Ari. Perseguem nos nossos líderes, assim como meu pai, que foi alvo de censura”.
Amare Kaiabi, do Xingu, concordou. “Estamos defendendo nossos direitos, mas eles nos criminalizam por isso”.
E a comunicação é um direito, como enfatiza Eugênia Figueiroa, da Argentina. “O que nós comunicadores indígenas estamos fazendo é dar visibilidade às nossas causas, a denunciar a violação de nossos direitos”.