O povo amazonense tem se virado como pode para contornar os efeitos da maior cheia de toda história do Estado. Em Manaus, o Rio Negro bateu o recorde histórico ao atingir nesta terça-feira (1º), a marca de 29,98 de altura. Assim, ultrapassa o pior índice já registrado, que era de 29,97, em 2012. O registro da subida da água do Rio Negro vem sendo feito desde 1902.
Na capital, ao menos 15 bairros registram inundações, dentre eles, o Centro da capital. Comerciantes já relatam perdas. Eles se surpreenderam com a subida da água ao voltar ao trabalho nesta segunda-feira (31).
Em alguns pontos da cidade moradores têm de usar embarcações para transitar por ruas ou andar em pontes improvisadas de madeira; transferir plantações de subsistência e móveis para preservá-los em barcos ou construir a “maromba” que é um piso elevado dentro das casas, para manter uma distância segura da água.
Muitos, são atingidos pelo lixo que os rios trouxeram à tona, além de ratos e animais peçonhentos como cobras. O menor dos problemas são peixes invadirem cômodos de casas, como aconteceu em Manaus.
Com a alta do Rio Negro, a Feira da Manaus Moderna já foi até transferida para uma balsa no Rio Negro e cartões-postais da cidade como o Prédio da Alfândega e a Praça do Relógio estão alagados.
No interior, em Parintins (a 370 de Manaus), foi o Rio Amazonas que invadiu a cidade, enquanto em Anamã (a 165 km de Manaus), foi o Rio Solimões que já ocupou o hospital da saúde, fazendo com que os atendimentos fossem transferidos completamente, para uma balsa. Policiais trocaram as carros por botes e lanchas.
Situação crítica
Ainda que as enchentes tenham sido uma constante nos últimos anos, é sempre um transtorno. Atualmente, mais de 450 mil famílias enfrentam os impactos das cheias no Amazonas. Dos 62 municípios, 58 foram invadidos pelos rios, sendo que 26 deles tiveram situação de emergência decretada. O Estado e prefeituras, como a de Manaus, tentam amenizar os impactos com o pagamento de auxílios-enchente.
Cientistas explicam que o aumento do volume das cheias se deve ao aquecimento do Oceano Atlântico, que trouxe mais vapor, e o La Niña, no Pacífico, que atrai as nuvens para a Região Amazônica.
Soma a isso o fato da Bacia Amazônica ser a maior do mundo, formada por muitos rios e afluentes, e por estar localizada em uma região plana, de escoamento lento.
Além disso, em Roraima, choveu bastante na nascente do Rio Branco – principal afluente do Rio Negro. A Bacia do Rio Negro, por sua vez, encheu também e nos Andes, choveu mais que o esperado, impactando o Solimões, convergindo no Amazonas e dando início às enchentes.
Mas os cientistas acreditam que ainda que nos próximos dias o volume das águas comece a diminuir, a retração deve demorar semanas e o transtorno, perdurará.
As enchentes também trouxeram prejuízos para áreas agrícolas, nas zonas rurais. Segundo o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (Idam), plantações de banana, hortaliças, mamão e mandioca foram as mais afetadas, causando um prejuízo estimado em cerca de R$ 201 milhões.
A precipitação abundante e acima dos níveis médios históricos atinge também o Brasil, Peru e Colômbia.
Desequilíbrio climático
Em 2018, pesquisadores chilenos, britânicos e brasileiros já haviam alertado sobre a ocorrência cada vez mais frequente de cheias, devido às mudanças climáticas.
O estudo publicado na revista Science Advances aponta que as enchentes acima de 29 metros, ocorriam uma vez a cada 20 anos na primeira metade do século 20, mas atualmente, ela se intensifica a cada quatro anos.
Segundo o estudo, o aumento das enchentes está relacionado a mudanças no sistema de circulação do ar movido pelo oceano, que influencia o clima e a quantidade de chuvas na região dos trópicos. Essa mudança foi causada pelo forte aquecimento do Oceano Atlântico e o resfriamento do Pacífico, o que aumentou a precipitação na bacia Amazônica.
As causas do aquecimento do Atlântico não estão totalmente esclarecidas, porém, além da variabilidade natural, as mudanças climáticas teriam influenciado esse fenômeno.
Desmatamento
Há indícios científicos que corroboram sobre a contribuição do ser humano para o aquecimento global que como uma de suas consequências, gera mudanças no clima. O aquecimento global é o processo de mudança da temperatura média global da atmosfera e dos oceanos. O acúmulo de altas concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera bloqueia o calor emitido pelo sol e o prende na superfície terrestre, aumentando a temperatura média da Terra. O desmatamento, por exemplo, é um grande vilão por aumentar a emissão desses gases, dentre eles, o gás carbônico.
E o problema só cresce. Relatório mensal feito pelo Imazon a partir da análise de imagens de satélites, com objetivo de verificar índices de desmatamento provocado por criação de pastagens, plantio de grãos, exploração madeireiras e queimadas, indica que em em maio, foram desmatados 778 km². É o maior índice da série histórica para o mês, dos últimos dez anos. E no ranking dos estados com maior área desmatada, o Amazonas figura em primeiro lugar, com uma área de perda florestal de 217 km². Para compreender melhor, 68 vezes a área da Manaus. A região Sul do Amazonas é a que registra mais desmatamento.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o ecólogo da Ufac, Foster Brown explicou que o desmatamento muda a bomba biótica do solo, que faz esta transformação de vapor, em chuva.
“Se você corta a floresta do Pará, de Rondônia e de Mato Grosso, você pode afetar quanto de vapor chega aqui e, consequentemente, quanto de chuva cai. Este fenômeno é preocupante porque você pode chegar ao que se chama colapso de floresta”, disse o pesquisador.
Se a derrubada da floresta na parte mais leste da região influencia o volume de água que cai no oeste, o desmatamento local vai definir a intensidade das inundações. As cheias são fenômenos comuns na Amazônia nos meses chuvosos. Com menos árvores em pé, é possível que elas ocorram em maior intensidade. As florestas, explica Foster, servem como “amortecedor” das chuvas, evitando que mais água vá para o leito dos rios.
Menos florestas, aumento do nível dos rios
Portanto, com menos floresta, em especial nas margens, a tendência é de aumento no nível dos rios, já que menos água será estocada pelas árvores no solo. O rio depende diretamente das chuvas em suas cabeceiras para manter um nível alto ou baixo.
Sem sua mata ciliar preservada, o rio está mais propício a receber um volume maior de água das chuvas. Segundo Foster Brown, menos árvores por si só não explicam a intensidade da inundação. “Depende também da topografia, das características do solo. Não depende só da floresta, Lógico que fica mais acentuado quando não tem floresta. Sem floresta teremos a erosão, resultando em muito sedimento no leito do rio, que pode agravar a cheia”, diz.
Ranking cheias Rio Negro
Confira os anos em que o Rio Negro registrou as piores cheias de sua história:
2012 – 29,97m
2021 – 29,97 m
2009 – 29,77m
1953 – 29,69 m
2015 – 29,66m
1976 – 29,61m
2014 – 29,50m
1989 – 29,42m
2019 – 29,42m
1922 – 29,35m
2013 – 29,33m