
A partir da esquerda, os pistoleiros Alberto e Lindonjonson. O mandante, José Rodrigues, é o 3º à direita (Mídia Ninja)
As famílias de José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, assassinados em 24 de maio de 2011 ainda clamam por justiça. Desde o dia em que foi condenado, em 2016, o mandante do crime, o fazendeiro José Rodrigues Moreira segue foragido e até o momento a polícia não conseguiu capturá-lo. Apenas Alberto Lopes do Nascimento e Lindonjonson Silva Rocha cumprem pena.
Zé e Maria foram mortos na estrada de acesso a Praialta-Piranheira, na zona rural de Nova Ipixuna (PA), em uma emboscada, a mando de José Rodrigues Moreira. O mesmo havia se mudado para o assentamento que o casal de ambientalistas vivia e defendia sua preservação e uso adequado em benefício dos que tinham apenas aquele pedaço de terra. Mas isso ia na contramão do objetivo do fazendeiro, que era o de acumular lotes. Para tanto, se utilizava de práticas ilegais.
Em entrevista à reportagem da Casa Ninja Amazônia e Mídia Ninja, que realizou em junho a Missão Marabá com o intuito de dar visibilidade ao caso, a irmã de Zé Cláudio, Claudelice Santos contou que o fazendeiro era um dos muitos que pressionava famílias para comprar áreas.
“Haviam pistoleiros armados, queimavam-se barracos como forma de intimidar e expulsar essas famílias. Queimavam lavouras ou colocavam gado para comê-las”, relembra.
Por muitas vezes Zé Cláudio e Maria agiram em defesa dos pequenos e realizavam denúncias ao Incra, Ibama e autoridades policiais. Isso despertava a ira de fazendeiros, madeireiros e carvoeiros. E principalmente, de Zé Rodrigues que os jurou de morte e cumpriu a promessa.
Quando do início das investigações do crime, haviam muitos indícios de envolvimento de Alberto e dos irmãos, tanto é que em julho de 2011 a prisão dos três foi decretada.
Enfim, em 18 de setembro de 2011 os irmãos Lindonjonson e Zé Rodrigues foram presos sob a acusação de terem cometido o duplo-homicídio, tendo sido alvo de uma operação entre as polícias Civil e Militar. Foram encontrados escondidos em uma casa na zona rural de Novo Repartimento (PA). Eles ainda tentaram resistir à prisão. Na operação a polícia apreendeu três revólveres calibre 38, uma espingarda e 15 cartuchos de munição.

Defesa insistia na inocência, mas depois da morte do casal, passaram a fugir da justiça (Agência Pará)
Justiça cega
Além de todas as ameaças que sofreram em vida, e da própria execução da qual foram vítimas por defenderem a preservação da floresta em detrimento do desmatamento causado pela pecuária ou extração ilegal de madeira, o casal de agricultores e extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo foram injustiçados mais uma vez, no pós-morte.
Diante dos resultados das investigações policiais, a atuação do juiz Murilo Lemos Leão foi bastante incoerente. No primeiro julgamento, realizado em abril de 2013, sugeriu que Zé e Maria tinham contribuído com a própria morte e assim, motivou que o júri desconsiderasse a participação de José Rodrigues.
Claudelice desabafa: “imagine só! Eles eram responsáveis porque paravam caminhões com toras de madeira, auxiliavam famílias perseguidas por pistoleiros e pegavam essas mesmas famílias, que tinham tido suas casas queimadas, e os levava para fazer denúncias”.
A impunidade a angustia. “É um grito que ninguém escuta. Uma luta pela qual somos penalizados. Quem tem dinheiro mata o trabalhador e nada acontece. É a generalização da violência gerada pela impunidade”.
Ela relembra que depois de dois dias de julgamento e 16 testemunhas ouvidas e quatro votos a três, José Rodrigues acabou sendo absolvido. Ela se revoltou contra o veredito que inocentou o mandante do crime, segundo o tribunal, por não haver provas consistentes.
O resultado do julgamento revoltou Claudelice que buscou apoio de entidades de defesa de direitos (Mídia Ninja)
Mesmo impactada pela decisão judicial que sentenciou os executores Lindonjonson Silva Rocha e Alberto Lopes do Nascimento a 42 anos e 8 meses e 45 anos de prisão, respectivamente, mas absolveu José Rodrigues Moreira, Claudelice juntou forças e foi à luta. Buscou apoio da Comissão Pastoral e de entidades de defesa dos direitos humanos para solicitar um novo julgamento e tentar reverter a decisão favorável ao mandante.
Defesa desejava livrar Lindonjonson
Ao final do julgamento de 2013, o advogado Vandergleisson Fernandes, que defendia o trio, criticou órgãos de defesa da terra, meio ambiente e direitos humanos, dizendo que os réus haviam entrado no tribunal já como condenados, “mas a resposta foi dada pela própria sociedade que compõe o júri, que é soberano e mostrou que não aceita que se diga o que ele deve fazer”.
Segundo ele, não havia testemunha ocular e provas concretas, além de falhas de investigação policial e que ainda, José Cláudio era alvo de ameaças de todos os lados. Feliz por ter inocentado José, declarou que sua insatisfação se resumia à condenação de Lindonjonson, contra a qual recorreria.

Advogado de defesa priorizava livrar os irmãos da cadeia (Mídia Ninja)
Somando forças à busca por justiça, a Mídia Ninja vem acompanhado os desdobramentos do caso e nos dois dias de julgamento (3 e 4 de abril), em iniciativa pioneira, fez transmissão ao vivo e registrou as manifestações de protesto. A midiatização do caso foi determinante para a sentença dos executores. E também, para que o julgamento de José Rodrigues fosse revisto futuramente.
“A pressão popular foi muito importante. Foi um crime de repercussão internacional, ao tempo em que assassinatos contra defensores ambientais costumam repercutir no máximo, localmente. Infelizmente haviam provas colhidas pela Polícia Federal que não foram levadas em consideração sob a justificativa de conflito de competências. Outras pessoas teriam se tornado réus. Afinal, não há como pensar em um crime de pistolagem sem que haja executor, mandante e até mais gente envolvida. É preciso recurso financeiro para aquisição de armas, para pagar equipe de fuga, por exemplo”.
Na sentença, diz ela, o juiz criticou Zé e Maria, dizendo que eles não teriam procurado o Estado para resolver o conflito, mesmo diante de tantos registros de denúncias. “Disse que tinham feito justiça com as próprias mãos e isso os tornava responsáveis por suas mortes. Mas esse não é um caso isolado. É quase uma regra os verdadeiros criminosos não serem punidos na totalidade”.
Esperança
Foi então quem em 12 de agosto de 2014 o julgamento de José Rodrigues foi anulado. A 1ª Câmara do Pará julgou recurso do Ministério Público e acolheu o argumento que alegava que a decisão do conselho de sentença do Tribunal do Júri de Marabá tinha sido contrária às provas apresentadas nos autos, pois testemunhas haviam vinculado o réu à autoria intelectual do crime.
“As vítimas ganharam a inimizade do réu porque denunciaram a irregularidade na compra de terras destinadas a assentamento de agricultores. Desde então, o acusado teria feito várias ameaças, além de promover atos violentos contra os colonos”, dizia trecho da decisão que anulou o julgamento de José e decretou a prisão preventiva do fazendeiro. Ela manteve a pena de Alberto e Lindonjonson.
Fuga pela porta da frente da prisão
Mas em 16 de novembro de 2015, como o advogado de Lindonjonson desejava, além de José Rodrigues estar em liberdade, o irmão fugiu da prisão em Belém. Há suspeitas que a fuga tenha sido facilitada. “Ele ficou foragido até agosto de 2020, mas foi recapturado. Credito isso a nossa insistência de não deixar de cobrar a polícia e muito menos, de divulgar seu rosto em nossas redes sociais”, avalia Claudelice.
Ao tempo em que Lindonjonson estava foragido, o irmão José, também desapareceu. Não compareceu ao julgamento realizado em 6 de dezembro de 2016.
“Dessa vez o júri popular disse que eles não tinham colaborado para suas mortes. No primeiro julgamento em Marabá, a opinião pública foi guiada de uma certa forma com narrativas de que mereciam morrer, porque só atrapalhavam o progresso. Eles desclassificam quem luta pela terra, pelo meio ambiente. Em vez de ficar do lado do oprimido, ficam do lado do opressor”.
Julgado à revelia, até o momento não foi encontrado.
“A soltura dele é uma prisão para gente. Sabemos que eles têm pessoas que o informam sobre nossas ações e assim, nossa segurança fica em xeque. Ele faz pressão sobre nós e ri na cara da justiça”.
Ela espera que o Estado possa reparar isso, pois não há como trazer Zé Cláudio e Maria de volta, mas ele pode coibir, proteger e punir autores da violência no campo.
Se você o vir, denuncie seu paradeiro à polícia, ligando 190.
O Estado também é responsável
Em todos os anos de atuação em busca de justiça pela morte do irmão e recentemente, garantindo suporte a defensores ameaçados de morte, Claudelice avalia que o Estado é corresponsável. Ela ressalta que quando a pessoa é ameaçada, é importante que o Estado, antes de tudo, resolva o conflito.
“Quando um defensor avisa que está jurado de morte ele está gritando por socorro e porque as autoridades não resolvem os conflitos? Por quê o Estado faz a opção de não resolver. De estar do lado do capital que destrói o meio ambiente e destrói os defensores. A impunidade é o alimento da perpetuação da violência no campo, nas águas, nas florestas. Enquanto houver impunidade, vai haver violência”.