Por Lidiane Barros

Quem mora nas regiões afetadas por severa estiagem, altas temperaturas e elevada ocorrência de incêndios, cujos impactos podem ser percebidos pela fumaça que invade os centros urbanos, não vê a hora das chuvas em abundância chegarem.

Algumas pancadas de chuva em Cuiabá e em municípios do Pantanal e Cerrado trouxeram otimismo, porém, não foram capazes de extinguir o fogo nestas regiões.

Uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso, coordenados pela professora doutora Márcia Teixeira-Oliveira do Instituto de Biociências, com a participação dos professores também doutores Ibraim Fantin-Cruz e Daniela Figueiredo, do mestrado em Recursos Hídricos estão desenvolvendo uma pesquisa para avaliar os impactos das queimadas no rio Cuiabá, responsável pelo abastecimento de pelo menos 11 municípios da Baixada Cuiabana.

A pesquisa cientifica tem por objetivo avaliar o impacto dos incêndios ocorridos no Pantanal sobre a qualidade da água do rio Cuiabá e na estrutura e composição dos micro-organismos fitoplâncton e zooplanctônicos, base da cadeia alimentar dos peixes.

Além disso, também será observada nas análises bioquímicas das amostras coletadas a possível proliferação de bactérias tóxicas que podem causar prejuízos aos animais e aos seres humanos que consomem essa água.
As coletas serão realizadas em duas campanhas. A primeira coleta, já finalizada, foi realizada antes das primeiras chuvas, entre os dias 23 e 29 de setembro e contou com o apoio da Polícia Ambiental Militar de Mato Grosso e do restaurante Beira Rio de Barão de Melgaço.

A segunda será realizada logo após o início das chuvas (outubro ou novembro), quando o rio Cuiabá começar a aumentar o volume de água pelo escoamento superficial da bacia.

Estão sendo amostrados 30 pontos de coleta, que foram marcados através de imagens de satélite das áreas mais afetadas pelo fogo, compreendendo o trecho de cerca de 440 km do rio Cuiabá entre o município de Cuiabá e Porto Jofre. A bordo de um barco vão realizando a coleta de amostras de água e microrganismos planctônicos que serão posteriormente analisados em laboratórios.

A pesquisa alcança os municípios de Santo Antônio de Leverger e Barão de Melgaço, também fortemente impactados por um dos períodos mais dramáticos de toda a história dos incêndios no Pantanal. A pesquisadora Márcia Teixeira alerta que novas coletas podem ser fazer necessárias, para monitorar a qualidade da água do rio pós-incêndios.
Eles vão levar em conta dados de qualidade da água dos anos anteriores, para comparar os com resultados da avaliação deste ano. A pesquisadora acredita que se houver um grande impacto na qualidade da água, comunidades ribeirinhas, indígenas e até mesmo a pesca esportiva poderão ser atingidos.

Bactérias tóxicas

Habituada a realizar análises desta natureza, a bióloga Daniela Figueiredo explica que as bactérias Planktotrix, Anabaena e Microcystis, que ocorrem na bacia do Cuiabá, são algumas das estudadas.

“Na verdade, são comuns em muitos ambientes aquáticos, o problema é que elas proliferam muito devido à grande disponibilidade de nitrogênio e fósforo, que podem vir principalmente do esgoto doméstico e também da matéria orgânica depositada no solo com a extrema estiagem e cinzas das queimadas”, explica a bióloga.

Conforme informou a pesquisadora, se a quantidade de esgoto for acima da capacidade de diluição do rio ou do lago, as bactérias tóxicas se proliferam muito mais.

“No caso de rios, as chances de excessiva proliferação são menores, pois a água é corrente, mas já encontramos algas tóxicas no rio Coxipó, um dos mais importantes afluentes do rio Cuiabá, em uma quantidade de alerta”, aponta.

Desrespeito às leias ambientais

Na equipe de Márcia está também a pós-doutora em Ecologia, Daniela Figueiredo, que há mais de 25 anos desenvolve estudos da qualidade da água. “O Rio Cuiabá já está poluído em alguns pontos há muitos anos, agrava-se a situação nos córregos urbanos, principalmente de Cuiabá e Várzea Grande”, diz.

A pesquisadora destaca que além das estiagens, que serão cada vez mais severas, os rios das três grandes bacias hidrográficas que banham Mato Grosso – Amazônica, Araguaia-Tocantins e Paraguai – vem sofrendo assoreamento gerado pelo desmatamento das nascentes e das matas ciliares e devido ao uso de técnicas que considera equivocadas, utilizadas na agricultura e na pecuária.

Este assoreamento e desmatamento causam a redução na quantidade de água dos rios e futuras crises de falta de água poderão ocorrer com mais freqüência, como já ocorre no município de Tangará da Serra.
“Ou seja, estão soterrando as nascentes, desrespeitando as áreas ambientais protegidas pelo código florestal”, alerta.

“Afora as mudanças climáticas decorrentes do desmatamento, há também que se realçar o uso excessivo da água. Na bacia do Teles Pires, por exemplo, aumentou 90% a captação de água dos rios nos últimos três anos, com fins de irrigar áreas de plantio de soja na época da seca. Isso faz com que os níveis de água baixem ainda mais. É muita água que está sendo retirada”.

Além da contaminação das águas, as grandes queimadas no Pantanal, no cerrado e na Floresta Amazônica de Mato Grosso “estão jogando gás carbônico para a atmosfera, um fator de aumento dos gases de efeito estufa e de agravamento das mudanças climáticas”.

“No Brasil, as políticas ambientais do Governo Federal são um desastre. Há um desmonte da pasta do meio ambiente. O Governo cortou quase 60% dos recursos para combate a incêndios. O ministro Ricardo Salles veio ao Pantanal em agosto, mas não fez nada. Deixou queimar”, desabafa.

Como as secas continuarão nos próximos anos, conforme estimativas, é fundamental que ações de prevenção aos incêndios sejam tomadas, envolvendo os governos estadual e federal e toda a sociedade.