Foto: Mídia NINJA

Em um manifesto público divulgado nesta semana, lideranças indígenas do Povo Kayapó pedem medidas urgentes para impedir a abertura de garimpos nas Terras Kayapó, Menkragnoti, Badjokore, Capoto Jarina e Baú.

No documento, as lideranças também reconhecem que existem indígenas atuando com o garimpo ilegal, e denunciam que o governo brasileiro incentiva ações criminosas.

“Mais uma vez queremos deixar bem claro que somos contra o garimpo e qualquer atividade predatória em nossos territórios! Repudiamos a forma como o governo federal vem estimulando a invasão de nossos territórios, seja pela retórica que fortalece o crime organizado, seja pela omissão e fragilização dos órgãos responsáveis pela proteção dos territórios indígenas e pelo combate a atividades ilegais e predatórias. Apesar de a grande maioria do povo Kayapó ser contra o garimpo em nossos territórios, a crescente pressão sobre nossas comunidades fez com que algumas poucas lideranças fossem seduzidas pelo ganho financeiro rápido e fácil que o garimpo proporciona. Não autorizamos que eles falem em nome do Povo Kayapó, especialmente porque muitas famílias de suas próprias aldeias não apoiam essa atividade”, diz trecho do documento.

O Povo Kayapó possui imenso protagonismo nas lutas pelos direitos dos povos originários. Um dos seus principais líderes, o cacique Raoni Kayapó, foi diagnosticado com covid-19 em agosto, aos 90 anos, mas recebeu alta dias depois.

A carta pública do Povo Kayapó ainda critica o Projeto de Lei 191, em tramitação no Congresso, e que pretende legalizar a atuação de atividades ilegais nas terras indígenas.

O documento é assinado por três grandes grupos representativos do Povo Kayapó: Instituto Raoni, Associação Floresta Protegida e Instituto Kabu) do Mato Grosso e sul do Pará.

Esta semana, caciques Munduruku denunciaram que a Fundação Nacional do Índio (Funai) está incentivando que grileiros invadam seu território no Pará.

O desmonte das fiscalizações e a visita do ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, aumentou a tensão entre os indígenas. O povo Munduruku também reconhece que indígenas estão sendo cooptados para atuarem nos garimpos ilegais.

Leia o documento na íntegra:

Nós, cerca de 6,2 mil indígenas do povo Mẽbêngôkre – Kayapó de 56 comunidades das Terras Indígenas Baú, Capoto/Jarina, Kayapó, Las Casas e Menkragnoti, associadas à Associação Floresta Protegida, ao Instituto Kabu e ao Instituto Raoni, vimos através deste manifesto esclarecer que não compactuamos com manifestações individuais de
parentes Kayapó a favor do garimpo.

Mais uma vez queremos deixar bem claro que somos contra o garimpo e qualquer atividade predatória em nossos territórios!

Repudiamos a forma como o governo federal vem estimulando a invasão denossos territórios, seja pela retórica
que fortalece o crime organizado, seja pela omissão e fragilização dos órgãos responsáveis pela proteção dos
territórios indígenas e pelo combate a atividades ilegais e predatórias. Apesar de a grande maioria do povo Kayapó
ser contra o garimpo em nossos territórios, a crescente pressão sobre nossas comunidades fez com que algumas poucas lideranças fossem seduzidas pelo ganho financeiro rápido e fácil que o garimpo proporciona.

Não autorizamos que eles falem em nome do Povo Kayapó, especialmente porque muitas famílias de suas próprias aldeias não apoiam essa atividade. Como poderíamos ser a favor de uma atividade que gera profundos impactos ambientais e sociais aos nossos territórios e comunidades? Como poderíamos privar nossos filhos e netos de um território preservado para seguirem vivendo segundo nossos usos, costumes e tradições, como garante a Constituição Federal?

Nossos territórios nos dão quase tudo oque precisamos para nosso bem viver. É da caça e da pesca, da coleta de
frutos e sementes em nossas florestas e do cultivo de nossos roçados que conseguimos a maior parte de nossos alimentos. É em nossas florestas e cerrados que nossos pajés coletam uma infinidade de produtos que utilizamos em nossa medicina tradicional na prevenção e tratamento de inúmeros problemas de saúde. Foi esse conhecimento tradicional que reduziu o impacto da pandemia da Covid-19 em nossas comunidades, ajudando a nos proteger e tratar nossos doentes.

É também de nossas florestas e cerrados que tiramos materiais para a construção de nossas casas, a produção de utensílios que usamos no dia-a-dia e a confecção de artesanatos e enfeites que usamos em nossos rituais tradicionais. É em nossas florestas e rios onde fazemos caçadas e pescarias coletivas que precedem nossos rituais; onde coletamos castanha, cumaru, açaí, entre centenas de outros alimentos e materiais; onde nossas crianças se divertem e aprendem, na prática, com seus pais e especialmente com nossas anciãs e anciões, como ser um Mẽbêngôkre.

No entanto, ao longo das cerca de sete décadas de contato, nós, indígenas do povo Mẽbêngôkre – Kayapó, passamos a consumir alguns produtos industrializados que não produzimos em nossos territórios, como vestuários, medicamentos e ferramentas que nos auxiliam no nosso dia-a-dia. Assim, hoje, todos nós precisamos de algum dinheiro para suprir nossas necessidades.

Mas existem dois caminhos muito diferentes para termos acesso ao dinheiro.

Um caminho é o do dinheiro fácil e rápido, que destrói nossos territórios e recursos naturais, traz brigas, envenena nossos rios e comunidades e condena as presentes e futuras gerações a uma vida cada vez pior e mais dependente dos Kuben (não indígena). Esse é o caminho do garimpo, da pesca predatória e da madeira! O outro é o caminho do aproveitamento da floresta em pé, do jeito que a gente aprendeu de nossos antepassados e que protege nossos
territórios e nosso povo.

É esse o caminho de futuro que escolhemos, um caminho que já está trazendo resultados bastante positivos para nossas comunidades.

Aos poucos, nossos projetos de geração de renda através do fortalecimento de cadeias produtivas da biodiversidade e do artesanato Kayapó, assim como de iniciativas de turismo de base comunitária, estão se fortalecendo e demonstrando que não precisamos destruir nossas florestas e rios, nem abrir mão de nosso futuro, para ter acesso aos bens do Kuben que hoje precisamos para viver bem.

Nós, povos indígenas e populações tradicionais, protegemos diariamente a natureza e continuaremos a assim fazer. A proteção de nossos territórios é uma prática que vem de nossos ancestrais. Ao protegermos a floresta, cuidamos do que o Kuben chama de biodiversidade. E a biodiversidade também cuida de nós, garantindo o que precisamos para viver bem e continuar com nossa cultura forte.

Sabemos que quando cuidamos de nosso território, não são apenas nossas comunidades que se beneficiam das florestas e rios preservados. Sem nossas florestas, o clima e as chuvas na região vão mudar, afetando a produção de
alimentos e a vida de milhares de pessoas, indígenas e não indígenas. Os rios que nascem ou passam por nossos territórios correm para outras regiões e se não cuidarmos deles muitas outras pessoas também serão prejudicadas.

Fazemos um apelo a toda a sociedade brasileira e internacional para que nos apoie na luta pela proteção de nossos territórios, exigindo do governo o respeito à Constituição Federal, o direito de usufruirmos de nossos territórios segundo nossos costumes, e o direito de todos nós a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Somos contra o garimpo em nossos territórios e contra o PL
191/2020!”