Dono de açougue perdeu mais 1 tonelada de carne, o equivalente a 18 mil reais. Foto: Hugo Barreto / Metrópoles

Por Laura Machado e Luiza Nobre.

O incêndio em dois dos três transformadores da subestação de energia de Macapá, no dia 3 de novembro, causou um apagão e a deficiência no fornecimento de água e energia elétrica à população e agora é comum encontrar pessoas manifestando sintomas de intoxicação e infecções gastrointestinais no Amapá. O consumo de água imprópria e muitas vezes até contaminada, e a ingestão de alimentos que passam muitas vezes pelo processo do descongelamento, causam problemas graves de infecção, que podem inclusive, levar à morte.

Para não ficarem no prejuízo, alguns supermercados e mercantis da cidade, deixam expostos nas prateleiras produtos que não devem mais ser consumidos, como carnes e laticínios que não foram refrigerados por tempo suficiente.

A dentista Juliani Helen Lima, 29 anos, diz que passou mal após consumir um hambúrguer. “Eu tive diarreia e vômito, acho que esses sintomas têm a ver com as comidas produzidas durante a falta de energia e água. Alguns alimentos necessários, que neste momento estão em falta, já estão estragados quando vamos procurar nos mercados”.​

Assim como Juliani, Jennifer Santos, 26 anos, também apresentou problemas de saúde por contaminação, só que dessa vez, pela água. ​“Durante esse período do apagão ficamos de 3 a 4 dias sem água, começamos a adquirir alimentos enlatados e beber água da torneira porque a mineral, que sempre compramos nos comércios, subiu muito de preço e não tem em lugar nenhum”,​ conta.

Com a alta procura por itens essenciais como velas, lanternas e até geradores de energia, boa parte dos comerciantes subiu os preços de forma exorbitante e abusiva. Sara Raveny, 22 anos, atendente de supermercado na Zona Sul, conta que muitos produtos tiveram aumento de preço e que os corredores dos supermercados estão sempre cheios. “​O fluxo aumentou bastante nos setores de gelo, cafeteria, lanchonetes e nos caixas eletrônicos, pois são as demandas mais necessárias no momento por conta do calor e da falta de energia. Todo mundo está procurando um lugar para se refrescar, além disso, as pessoas procuram tomadas para carregar aparelhos e isso aumenta o risco de curto, são várias extensões, vários ‘T’s para emendar os carregadores. Sem contar a questão do sono, você não dorme bem e a primeira consequência de quando você não dorme é o estresse, isso afeta todos os colaboradores e clientes. Os preços aumentaram bastante, velas, água, gelo, tudo aumentou por conta da demanda”, afirma.

Já nas periferias da cidade, pequenas mercearias, restaurantes e panificadoras de bairro tiveram prejuízos materiais de grande impacto na economia local, por conta do apagão. “Joguei no lixo um alimento sagrado”, desabafa Edmário Costa, morador do bairro Infraero II., que teve um prejuízo de R$29.000,00 reais, entre mantimentos estragados e o investimento na compra de um duplo gerador para retomar as atividades diárias de panificação.

Natalina Vasconcelos, 49 anos, moradora do conjunto Mestre Oscar Santos, teve a venda de espetinhos, principal renda da família, suspensa por mais de uma semana. “A prefeitura passou uma noite entregando água, mas não deu pra todo mundo. Aqui é uma calamidade total porque as pessoas não têm pra onde correr. A nossa real situação não importa para ninguém, porque eu mesma perdi meu freezer todinho nos primeiros dias. Aqui no comércio do canto de casa, a moça estava dando tip-top, picolé, iogurte para não jogar fora. Eu mesma fui várias vezes pedir água lá no ecoposto”, conta ela, que tem usado um único isopor como reservatório de água para alimentar uma casa com sete moradores.

Na segunda-feira, (9), a Polícia Civil do Amapá, por meio da Delegacia de Crimes Contra o Consumidor (DECCON), com o apoio do Procon e da Vigilância Sanitária Municipal, deflagrou a ‘Operação Apagão – Fase 1’, com o objetivo de fiscalizar estabelecimentos comerciais quanto à venda de produtos impróprios ao consumo humano ou com preços elevados.

De acordo com o delegado Sávio Pinto, que coordenou as diligências, essa fiscalização vai continuar. ​“Estaremos realizando as fiscalizações necessárias pelo tempo que precisar e pedimos ao cidadão que continue denunciando. Podemos observar que há um oportunismo comercial nesse momento, ou seja, alguns comerciantes estão se aproveitando da necessidade das pessoas e aumentado os preços dos produtos. Nos solidarizamos com os comerciantes que tiveram prejuízos quanto aos produtos que necessitam de refrigeração, porém, uma vez estragados, esses produtos devem ser retirados da exposição à venda, sob pena de acarretar em prisão em flagrante”,​ destacou o delegado.

Coronavírus

O aumento de casos como esses acabam sobrecarregando o sistema de saúde, atualmente, em grande parte, direcionado para os atendimentos da Covid-19. No último boletim epidemiológico divulgado na terça-feira, 17, pelo Governo do Estado, o ​Amapá traz ​226 novos casos confirmados​, alcançando a marca dos 55.382 casos no painel geral.

“Não procurei o médico porque estava com medo de ir e me contaminar com outra doença, a Covid-19, já que as UBS’s e o Pronto-socorro estão lotados pois estamos com alta de casos novamente”, explica a autônoma, Jennifer Santos.

“Na UBS Congós desde que entramos na pandemia, em abril, a nossa unidade está atendendo exclusivamente grávidas. Essa semana, das gestantes que atendi, algumas relataram sintomas de intoxicação alimentar, mas ouvi essa questão por todos os lados, amigos, no meu outro trabalho, que é com alimentação escolar, então isso tá bem generalizado. Uma das orientações é se hidratar bastante… a situação só fica ainda mais difícil”, diz a nutricionista Silvia Ferraz, 46 anos, moradora de Macapá. A profissional alerta para os riscos no consumo de alimentos perecíveis, como proteína animal, queijos, derivados do leite e produtos congelados.

Em novo decreto, publicado no dia 17 de novembro, o Governo do Amapá reforça a suspensão de atividades políticas como reuniões, carreatas, comícios, bandeiradas, além de aglomerações em clubes de recreação, bares, boates, shows, balneários e similares. O decreto ainda traz a proibição de circulação de pessoas em praças, calçadas e logradouros públicos a partir das 22 horas.