Outdoor em Porto Velho

Nesta semana, outdoors distribuídos pelas principais cidades de Rondônia questionam a autoria do assassinato da jovem liderança uru-eu-wau-wau, Ari Uru-Eu-Wau, há um ano. Uma nova manifestação ocorre no dia 19 de abril, Dia do Índio, em frente ao Tribunal de Justiça de Rondônia, em Porto Velho. Cruzes homenagearão ativistas mortos no ato que cobra a elucidação do caso.

Ari trabalhava no Grupo de Vigilância, registrando e denunciando a extração ilegal de madeira na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau e dentro de sua própria aldeia – alvos de constantes ameaças, ataques e invasões. Outros grupos recém-contatados, como os amondawa e jupaú habitam o território. Eles são sobreviventes da política genocida de contato.

Foto: Divulgação Associação Kanindé

A liderança uru-eu-wau-wau saiu de casa às 18h do dia 17 de abril de 2020. A mulher e os dois filhos, de 12 e 14 anos ficaram em estado de alerta sem seu retorno. Vivo, não voltou mais.

O corpo foi encontrado na manhã seguinte na Linha 625 do Distrito de Tarilândia, no município de Jaru (a 292 km de Porto Velho) com sinais de violência, embora policiais tenham dito em um primeiro momento a familiares que chegaram ao local, que se tratava de um acidente. Ele estava caído ao lado de sua moto.

A coordenadora da associação Kanindé, Ivaneide Bandeira Cardoso, diz que o manifesto – respeitando os protocolos sanitários definidos por decreto – reunirá representantes do Movimento da Juventude Indígena e também da Associação dos Guerreiros Indígenas de Rondônia, além da Associação do povo uru-eu-wau-wau.

Foto: Divulgação Associação Kanindé

“Pedimos que seja realizada investigação federal. Como se trata de um assassinato contra um indígena deveriam ficar sob a alçada da Polícia Federal. Todos acreditam que a morte de Ari resulta da pressão sobre o território. Estamos pedindo justiça”.

De acordo com o site Xapuri Socioambiental, o Boletim de Ocorrência (BO) da Polícia Civil, trata a morte como homicídio. Ari foi encontrado de peito pra baixo, com o corpo mutilado por quatro golpes de um objeto contundente, sangramento na boca e uma grande marca na nuca. Os parentes suspeitam que, devido à grande quantidade de sangue encontrada no local, depois de ser pego na tocaia, Ari tenha sido arrastado pela estrada, enquanto tentava resistir.

As pancadas no corpo indefeso do resistente da floresta causaram a hemorragia interna aguda atesta o laudo do Instituto Médico Legal, que classifica a causa mortis como indefinida. “Foi assassinato, não foi acidente, Ari já vinha sofrendo ameaças há meses”, afirmaram familiares e militantes do movimento indígena na região. Eles seguem questionando a autoria e a motivação do assassinato de Ari Uru-Eu-Wau-Wau.

Violência contra indígenas

Os dados de 2019 do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, publicado anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), expõem uma realidade preocupante de violência empreendida pelo poder público e por civis contra os povos indígenas.

Foto: Agência Brasil

No primeiro ano de Jair Bolsonaro no país, o relatório apontou “a intensificação das expropriações de terras indígenas, forjadas na invasão, na grilagem e no loteamento” e que se consolidaram de “forma rápida e agressiva em todo o território nacional, causando uma destruição inestimável”.

Invariavelmente, as violências praticadas contra os indígenas e suas comunidades estão associadas à disputa pela terra. O relatório mais recente trouxe registros de 33 ameaças de morte; 113 assassinatos e 25 tentativas, dentre outros dados alarmantes que totalizaram 277 casos de violência praticadas contra a pessoa indígena em 2019.

Assim como Ari, no ano passado, outras lideranças que atuavam na defesa de seus territórios, como Zezico Guajajara, da T.I Arariboia e Kwaxipuhu Ka’apor, ambos do Maranhão, foram assassinados.

Povos isolados

Indígenas isolados no Acre. Foto: Ricardo Stuckert

A falta de fiscalização nas terras indígenas em Rondônia e nas outras regiões do país, agravam a situação de invasões e práticas predatórias nos territórios indígenas; organizada por grupos criminosos que atuam ilicitamente, roubando madeira, minérios e fazendo grilagem de terras públicas, com a conivência do Estado brasileiro.

O território do povo uru-eu-wau-wau fica na região de Seringueiras (RO). Conhecidos como “Isolados do Cautário” em referência ao nome de um rio local, estes indígenas vivem da caça e pesca dentro da Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau.

O território Uru-Eu-Wau-Wau, desde a construção da BR-364, vem sendo constantemente invadido para a exploração da caça, pesca e madeira e, mais recentemente, também por grileiros que têm estabelecido lotes ilegais dentro da terra demarcada – situação que já é do conhecimento das autoridades.

Esses grupos isolados são sobreviventes da política do desenvolvimento do Estado brasileiro desde a década de 1970. O Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil (Polonoroeste), financiado pelo Banco Mundial, construiu estradas e abriu os territórios indígenas para um brutal processo de colonização e de implantação de projetos e econômicos, levando ao extermínio de diversos povos.

Apesar da demarcação, em 1991, da TI Uru-Eu-Wau-Wau, o processo de invasão, exploração e extermínio dos indígenas na região não cessou.

O Instituto Socioambiental (ISA), utilizando dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), constata que o desmatamento cresceu 113% em 2019 nas terras indígenas com presença de povos isolados em relação a 2018.

Fontes: CIMI/ISA/Xapuri