Foto: Pedro Martinelli/Natura/Divulgação

Sabe o açaí e a castanha que você consome? Um estudo realizado por pesquisadores brasileiros indica que nos próximos 30 anos, a oferta desses produtos pode cair consideravelmente caso o desmatamento na Amazônia não seja contido. Dentre outras espécies que correm o risco de desaparecer ou diminuir, estão a andiroba, copaíba, seringueira, cacau e o cupuaçu.

Mas antes de você notar a mudança à sua mesa, a redução dessas espécies vai ter impactado de sobremaneira a vida de famílias inteiras que moram em unidades de conservação e dependem da sua extração.

Em um artigo que acaba de ser publicado no periódico internacional Biological Conservation, pesquisadores brasileiros investigaram como as mudanças climáticas podem impactar a vida dessas espécies arbóreas e por consequência, das comunidades que têm nelas a base da sua subsistência.

Coordenadora do grupo de 17 pesquisadores de cinco universidades públicas do país, a doutoranda da UNB, Jôine Cariele, explica que esse cenário desolador é resultado das mudanças climáticas.

Com base nos dados do Painel Intergovernamental de Mudança Climática é possível traçar uma perspectiva da realidade de 56 Reservas de Extração (Resex) em 2050. Cenário esse que pode ser ainda pior caso os níveis de desmatamento sigam em ascendência.

Foram analisadas 18 espécies extrativistas na Amazônia brasileira: a cor vermelha indica a área com características adequadas para a ocorrência das 18 espécies estudadas na Amazônia, no presente e no ano de 2050 (Divulgação)

“O desmatamento e o fogo intensificam os efeitos do aquecimento global, impactando diretamente no volume de chuvas. Menos chuvas, menos condições adequadas de crescimento dessas plantas, que param de se reproduzir e assim, de dar fruto. O passo seguinte é a sua extinção”.

Para a pesquisa, selecionaram 18 espécies mais extraídas dentro de 56 Resex amazônicas.

“Com modelos matemáticos complexos, é possível descobrir quais os lugares serão mais comprometidos”. Dessa forma, o estudo seria essencial para governantes responsáveis evitarem que o pior aconteça.

“Mas ao tentar medir quantas famílias serão atingidas, tivemos dificuldades dada a falta de dados socioeconômicos sobre essas regiões. Os pesquisadores não têm condições de desenvolver esse trabalho sozinhos sem incentivo. São necessários recursos para um levantamento de dados nessas proporções, então, deveria partir do Governo. Para se ter ideia, a última atualização da Reserva Chico Mendes é de 2006”. Os pesquisadores detectaram ainda, que das 56 Resex, apenas 17 têm plano de manejo ativo.

Segundo ela, com base no estudo, gestores públicos poderiam pensar políticas ambientais para evitar não só a extinção de espécies, como também, o êxodo rural de milhares de famílias que terão que buscar as cidades em busca de sobrevivência.

Levando em consideração as condições climáticas de hoje, temperatura, solo e volume de chuvas, espécies mais populares como o açaizeiro e a castanheira não terão tempo de se adaptar.

Em 2050, a área original de distribuição da castanha brasileira (ou castanha-do-Pará) na Amazônia pode reduzir em até 25% e se tornar extinta em nove Resex. No todo, essa baixa comprometeria ao menos 2.230 famílias extrativistas e 410 pessoas associadas a essas cooperativas.

O Estado também perderia recursos, já que em 2019 foram cerca de 30 toneladas de castanha produzidas no norte do país, o que gerou cerca de U$ 23 milhões de dólares.

Já o açaí corre risco de deixar de ocorrer em cinco Resex, afetando mais de 330 famílias, numa redução de área que pode chegar a 27% na Amazônia.

O cenário mais alarmante é de Rondônia. De acordo com os estudos, quatro Resex não terão mais nenhuma de suas espécies extrativistas.São elas: Barreiro das Antas, Rio Cautário, Rio Pacaás Novos e Curralinho. “A ação prioritária nesse momento é combater o desmatamento e cumprir os acordos climáticos. Se houver vontade política, dá tempo de planejar”, alerta.

Uma das Resexs que tem mais chances de manter espécies de base extrativista é a Tapajós-Arapiuns, localizada no estado do Pará. “Essa é uma região central da Amazônia com floresta em pé e densa. Mas é claro, não dá para prever que a conservação perdure”.

Para evitar um futuro distópico, Jôine explica que o estudo aponta a necessidade urgente de criação de mais unidades de conservação. “O desmatamento e o fogo ressecam a floresta. Mas as reservas indígenas e as Unidades de Conservação, como as reservas extrativistas, criam um escudo de proteção com seus corredores”.

Equipe de pesquisadores

A Universidade de Brasília (UnB) colaborou na pesquisa com a participação dos pesquisadores Jôine Cariele Evangelista-Vale e Renan Augusto Miranda Matias. A Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) colaborou na pesquisa com a participação dos pesquisadores Samuel C. Gomides, Talita M. Machado. A Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT) colaborou na pesquisa com a participação dos pesquisadores Marla Weihs, Nilo Leal Sander, João Carlos Pires-Oliveira, Luciene Castuera-Oliveira, Angele Tatiane Martins-Oliveira, Islandia Silva-Pereira, Cleide Carnicer e Pedro V. Eisenlohr. A Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) colaborou na pesquisa com a participação do pesquisador Leandro JoséSilva. A Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) colaborou na pesquisa com a participação dos pesquisadores Rafael Arruda, Lucas Barros-Rosa, Christine Steiner São Bernardo e Rainiellen S. Carpanedo.