Em 2007, no reservatório da hidrelétrica de Xingó, foram perdidas 297 toneladas de tilápia (Legacy600/Wikimedia Commons)

 

Operação de usinas hidrelétricas brasileiras tem causado a mortandade em massa de peixes de água doce. É o que aponta um estudo da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e das universidades federais do Pará (UFPA) e de Tocantins (UFT), publicado na revista Neotropical Ichthyology.

Os pesquisadores investigaram 251 eventos em todas as bacias hidrográficas do país, em rios e reservatórios, ocorridos entre 2010 e 2020 e constataram que mortandades aconteceram principalmente, em trechos de rios abaixo de usinas hidrelétricas.

De acordo com o estudo, o enchimento do reservatório das usinas, o ligamento e o desligamento de suas turbinas e a abertura e o fechamento das comportas de vertedouros causam mudanças repentinas no ambiente, que tem impactos negativos para os cardumes.

Esses fatores, que fazem parte da operação regular das hidrelétricas, afetam a quantidade de oxigênio e de outros elementos na água, além da quantidade de água nos rios, o que pode levar à morte dos peixes.

Além de impacto ambiental e risco à biodiversidade, esses eventos prejudicam social e economicamente as populações de pescadores e ribeirinhos que dependem da pesca para viver.

O estudo cita que em 2007, no reservatório da hidrelétrica de Xingó, localizada entre os estados de Alagoas e Sergipe, foram perdidas 297 toneladas de tilápia. E ainda, que desde os anos 1970, houve um declínio de 84% das espécies de peixes de água doce no mundo, segundo relatório de 2018 da organização não governamental World Wide Fund For Nature (WWF).

Os resultados do estudo apontam que a abertura das comportas para liberar água do reservatório, seja para regular a vazão do rio ou para facilitar o funcionamento das turbinas com a remoção de plantas aquáticas, por exemplo, é uma das principais atividades relacionadas às mortes dos peixes.

O pesquisador da UEM e um dos autores do estudo, Angelo Antonio Agostinho, explica que uma manobra rápida do vertedouro leva à formação de supersaturação.

“A água que desce pelo vertedouro mergulha fundo. E, quando ela leva ar lá para o fundo, 20 metros de profundidade, esse ar atmosférico dissolve e você não vê bolhas, é como se fosse uma água com gás dentro da garrafa sem abrir, você não vê nada. Quando chega na superfície, essas bolhas vão se juntando e formando bolhas maiores e visíveis. A principal mortandade ocorre no pé da barragem, no local em que essas águas supersaturadas se espalham mais”.

O pesquisador relatou que, geralmente, os peixes se acumulam no pé das barragens porque eles são atraídos pela corrente e sua movimentação normalmente é contra a corrente. Diante disso, qualquer situação que aconteça na barragem acaba afetando esses peixes, e a supersaturação é uma delas.

O fechamento de comportas que ocorrem em geral, na estação seca, também afeta a quantidade de água à jusante, o que pode levar à morte de peixes abaixo da barragem especialmente quando os peixes permanecem presos em piscinas, sob condições de baixa oxigenação.

“Normalmente acontece essa morte quando eles fecham a unidade geradora [de energia], baixam a comporta, para poder escoar a água que tem dentro, geralmente para fazer manutenção. Durante esse fechamento, pode ficar muito peixe lá dentro e eles consumirem o oxigênio e acabarem morrendo. Essa é uma maneira que tem morrido muito peixe no Brasil. E a outra maneira é supersaturação mesmo. Eu atribuo a essas duas as principais fontes de morte de peixe em barragem no Brasil”, disse.

Uma das ações de mitigação do impacto das águas que descem pelo vertedouro, aponta o estudo, é a instalação de defletores de fluxo para redirecionar a água vertida horizontalmente, tornando o jato superficial, prevenindo que bolhas mergulhem para o fundo da bacia de dissipação, e, dessa forma, minimizar a supersaturação.

Segundo o pesquisador, um dos objetivos do estudo é fornecer informações para orientar a tomada de decisões nas vistorias e planejamento da instalação de novas hidrelétricas.

“Os órgãos de controle ambiental devem contemplar, no termo de referência no processo de licenciamento hidrelétrico, a avaliação dos impactos ambientais relacionados à operação das estruturas hidráulicas (vertedouro e turbinas). Deve-se considerar o projeto do vertedouro, características da bacia de dissipação de energia, além de facilidades para aeração e acesso aos compartimentos das turbinas”, concluíram os pesquisadores no artigo.

“Caça-bagres”

Dourada é um dos maiores bagres amazônicos, que chegam a ter 200 kg e três metros (Wildlife Conservation Society)

Um outro estudo, titulado “Tendências e fatores ambientais da pesca de bagre gigante no baixo rio Amazonas” revela que a superexploração de recursos hídricos e represamento de rios, ameaçam a conservação de bagres gigantes na Amazônia. Mudanças climáticas e desmatamento também são apontados como causas do seu desaparecimento.

Esses peixes podem pesar mais de 200 quilos e ter três metros. Costumam nadar milhares de quilômetros por entre rios do Amapá, Pará, Amazonas e Rondônia até a Bolívia e a região dos Andes.

Segundo o estudo, as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira (RO) fizeram diminuir consideravelmente peixes gigantes amazônicos e impactam especialmente os migradores, como a Dourada e a Piraíba, esta, chegando a medir 3,6 metros.

Entre 1995 e 2009, a queda foi de 74% no número de pescas da Dourada — e de 63% no total dos peixes migratórios de longa distância da bacia amazônica.

Os resultados estão na revista “Marine and Freshwater Research”, de 2020.

Em meio a dificuldade de encontrar o gigante fluvial pesquisadores criaram até um aplicativo para registrar aparições dos bagres.

O aplicativo Ictio, uma iniciativa do projeto Ciência Cidadã para a Amazônia, é uma aplicação e banco de dados sobre peixes migratórios amazônicos construída através da colaboração entre populações locais e indígenas, pescadores individuais, grupos de manejo, associações e cientistas. No futuro, os dados ajudarão a propôr manejo das espécies.