Bolsonaro renovou presença militar na Amazônia até 31 de agosto Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

 

Depois de uma crise diplomática internacional, em agosto de 2019 o governo Bolsonaro passou a apostar nas Forças Armadas para controle dos órgãos ambientais brasileiros. Mas o que se viu depois daí, foi o enfraquecimento das instituições, quando especialistas da área ambiental lotados nesses órgãos, por exemplo, foram sendo isolados do processo. O resultado é a queda da média de autos de infração, que na primeira metade do governo Bolsonaro foi 30% menor do que a média dos anos anteriores (2015-2018).

Acionando o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), começou com a Operação Verde Brasil I, renovada em maio de 2020 para a Verde Brasil II. No ano passado, o desmatamento atingiu uma alta de 12 anos sob as vistas de Bolsonaro. Em junho deste ano, estendeu as ações da Verde II até 31 de agosto e voltou a enviar militares para a floresta. Dessa vez, a GLO foi autorizada para operações em 26 municípios dos estados do Amazonas, Pará, Mato Grosso e Rondônia.

Como subsídio às ações, o governo Bolsonaro empenhou mais de meio bilhão: R$ 530 milhões ao todo. Isso, que se tem notícia, pois a GLO é considerada uma caixa preta. Na prática, a decisão orçamentária de investir nos militares e não diretamente na fiscalização ambiental – resposta imediata do governo à pressão internacional contra as queimadas de 2019 -, piora o quadro para as queimadas deste ano.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) tiveram o pior piso orçamentário dos últimos 20 anos. Este último, a propósito, não tem caixa nem para pagar brigadas de incêndio, denunciam servidores à reportagem do OpenDemocracy. O ICMBio foi o órgão ambiental que mais sofreu corte orçamentário em 2021, uma redução de 46% em relação ao ano passado.

É alto o impacto do desmatamento

Depois de quebras de recordes consecutivos, na semana passada, o Inpe divulgou indicativos apontando que o desmatamento na floresta amazônica caiu em julho, em comparação com o ano anterior. Dados preliminares do Inpe apontam que nos 12 meses transcorridos até julho, houve uma redução de 4,6% no desmatamento.

Cientistas e ambientalistas explicam que uma redução nos números preliminares geralmente significa que haverá uma redução na medição final mais precisa, conhecida como Prodes. Mas consideram pouco avanço em relação ao impacto ambiental. Afinal, a parcela de floresta desmatada totalizou 1.498 quilômetros quadrados no mês de julho, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Entre janeiro e julho, o desmatamento da Amazônia aumentou 7,8% na comparação com um ano atrás, atingindo 5.108 quilômetros quadrados.

O que se pode constatar é que o investimento das forças militares não faz jus ao resultado mínimo. Os militares não conseguiram conter os indicadores de combate aos crimes ambientais. Para agentes do Ibama e ICMBio, principais órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), as operações sob comando dos militares “destruíram a fiscalização ambiental” na Amazônia, diz trecho da reportagem.

Durante quatro meses, o openDemocracy ouviu mais de dez servidores do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que, em sua maioria, escolheu não se identificar para não sofrer represálias, além de especialistas em orçamento público e gastos militares.

Os entrevistados revelaram que os valores expressivos investidos na GLO da Amazônia, em oposição aos “resultados pífios” e ao desmonte dos órgãos ambientais, tornam a estratégia uma fórmula para o desastre, que deve impulsionar cada vez mais o crime ambiental no país.

“É uma mensagem de liberou geral”, afirma a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, sobre o andamento das GLOs. “Retrocedemos 12 anos em termos de desmatamento. Você impulsiona os crimes ambientais com os discursos das autoridades e depois gasta uma fortuna no teatro da GLO, ainda deixando os órgãos deslegitimados”. Araújo, hoje pesquisadora sênior do Observatório do Clima, considera a GLO da Amazônia um dos “retrocessos mais inaceitáveis do governo Bolsonaro”.

ICMBio não tem caixa nem para pagar brigadas de incêndio

Dados examinados pela Fiquem Sabendo, agência de dados especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI), apontados na reportagem, demonstram que o ICMBio foi o órgão ambiental que mais sofreu corte orçamentário em 2021.

Entre as principais funções do órgão ameaçadas pelos cortes no orçamento, está o serviço de aeronaves para combate a incêndios florestais e a formação e contratação de brigadas de combate às queimadas.

Os cortes orçamentários nos órgãos ambientais têm causado situações limites para a fiscalização, mas também para a segurança dos servidores. Fiscais do Ibama seguem, há mais de um ano, com seus coletes balísticos vencidos

A fiscal denuncia também que desde o ano passado os técnicos do Ibama tentam comprar helicópteros mais eficientes para as operações. A principal demanda é por aeronaves que levantem voo com maior facilidade, e consequentemente, garantam segurança dos fiscais em ação, além de alcançar áreas mais remotas da Amazônia e abrigar maior efetivo. O contrato de licitação, segundo a servidora, foi paralisado.

“A empresa interessada mandou os documentos pedindo mudanças nos tipos de helicópteros solicitados para que ela tivesse menores custos. Estamos até hoje efetivamente sem contrato, só com um emergencial que no fim é mais caro do que uma renovação regular”, denuncia.

Na prática, a decisão orçamentária de investir nos militares e não diretamente na fiscalização ambiental, apesar de ter sido a resposta imediata do governo à pressão internacional contra as queimadas de 2019, piora o quadro para as queimadas deste ano.

A caixa preta da GLO da Amazônia

Enquanto os órgãos ambientais sufocam sem o mínimo de investimentos, a execução de recursos destinados ao Comando do Exército na GLO seguem, de maneira geral, um mistério.

Em outubro de 2020, uma reportagem da Revista piauí analisou os gastos registrados pelo Tesouro Nacional e denunciou que, dentre o orçamento da GLO, um montante significativo foi utilizado para a reforma de quartéis do Exército localizados, inclusive, fora da Amazônia Legal.

É o caso dos mais de R$ 600 mil gastos com a revisão geral dos telhados do Batalhão de Coxim (MS). Já o 44º Batalhão de Infantaria Motorizado, em Cuiabá (MT) gastou R$ 1,2 milhão, também com troca de telhados, além de reformas de instalações elétricas e pintura nova.

Já o jornalista André Borges, do Estadão, revelou que parte importante do orçamento da GLO, na verdade, foi destinado à compra de novos sistemas de monitoramento do desmatamento por satélite.

A decisão para a compra é questionada por especialistas por ser, supostamente, redundante, uma vez que os órgãos ambientais já trabalham há anos com os sistemas de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Deter e o Prodes.

Militares maquiaram resultados da GLO com dados de outras operações

Não são apenas os gastos da Verde Brasil I e II que são questionados por ambientalistas. Os resultados das operações também não foram divulgados com transparência pelo Ministério da Defesa. Os servidores do Ibama e do ICMBio alegam que os resultados divulgados pela pasta maquiam os dados reais do comando da GLO, incluindo uma série de ações que aconteceram sem qualquer participação dos militares.

Defesa alega ter arrecadado 3,5 bilhões em multas ambientais

Um resultado divulgado pelo MD é especialmente questionável. A pasta informou que a soma de multas lavradas no âmbito das operações da GLO é de quase R$ 3.5 bilhões. Outras mudanças na fiscalização ambiental, impostas pela gestão do ex-ministro Ricardo Salles, exonerado em junho deste ano e alvo de dois inquéritos que investigam suposta atuação para beneficiar madeireiras ilegais, paralisaram completamente a efetivação das autuações dos órgãos ambientais.

Leia a reportagem completa, clicando aqui.

* Fonte: Especial ‘As cinzas da Verde Brasil‘, desenvolvido por Julia Dolce para o openDemocracy.