Temperaturas extremas prejudicam a sobrevivência de micro-organismos cruciais para as plantas (Leo Nunes/Wikimedia)

 

O desmatamento e as mudanças climáticas impulsionaram o surgimento de um deserto do tamanho da Inglaterra na região semiárida do Brasil. Cerca de 12,85% do semiárido brasileiro enfrenta processos avançados de desertificação. Como a região semiárida tem cerca de 982 mil km², a porcentagem equivale a 126 mil km². É como se quase todo o estado do Ceará estivesse se transformando em deserto.

De acordo com o Relatório Especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), essa é a região mais afetada por extremos climáticos e se as condições do clima continuarem a se agravar – principalmente se na década de 2030 o mundo atingir um aumento de 1,5°C em sua temperatura média -, em boa parte do Brasil os dias mais quentes do ano terão um aumento da temperatura até duas vezes maior. Em várias partes do semiárido, isso significa verões com temperaturas frequentemente ultrapassando os 40°C.

O meteorologista e cientista do solo Humberto Barbosa, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), explicou à BBC, que temperaturas extremas põem em xeque a sobrevivência no Semiárido de micro-organismos que vivem no solo e são cruciais para a existência das plantas. Há dois anos, Barbosa diz ter encontrado temperaturas de até 48°C em solos degradados no interior de Alagoas. Ele coordena o Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), que desde 2012 monitora a desertificação no Semiárido.

Perda da produtividade, redução da biodiversidade, desequilíbrio ambiental e empobrecimento de espécies vegetais. Essas são algumas das consequências que têm como origem a desertificação dos solos.

 

Fonte: Ufal

Os focos de desertificação não estão completamente ligados e tem diferentes graus de desertificação, mas em todas o fenômeno é considerado praticamente irreversível. Alguns dos principais núcleos de desertificação ficam em Gilbués (PI), Irauçuba (CE), Cabrobó (PE) e no Seridó (RN).

Cabrobró em 1969

Cabrobró em 2020

Os Estados mais impactados pela desertificação são Alagoas (com 32,8% de sua área total afetada pelo fenômeno), Paraíba (27,7%), Rio Grande do Norte (27,6%), Pernambuco (20,8%), Bahia (16,3%), Sergipe (14,8%), Ceará (5,3%), Minas Gerais (2%) e Piauí (1,8%).

Fonte: Ufal

Diferenças entre o processo de desertificação e deserto

Humberto Barbosa esclarece que o “processo de desertificação não faz referência aos desertos existentes”.

Este, explica o pesquisador, “é uma região natural estéril ou não propícia à vida, devido à baixa pluviosidade. Por definição, os desertos são áreas onde a precipitação média anual não excede 250 milímetros ou em locais onde a quantidade de água perdida pela transpiração ou evaporação excede o previsto pelas chuvas”.

Mas essas condições climáticas não se aplicam a nenhuma região do Brasil, nem mesmo o Semiárido, que continua a receber entre 300 mm e 800 mm de chuvas ao ano. Ainda assim, a mudança do clima e o desmatamento criaram paisagens desérticas na região.

“O solo dessas regiões foi perdendo a atividade biológica, embora as chuvas continuem acima do que se espera para uma região desértica. Esse é o paradoxo”, diz Barbosa. Ele afirma que, nesse estágio, é praticamente impossível reverter o fenômeno. “Na nossa região, naturalmente não haveria um deserto, só que a gente tem hoje um deserto. E o custo da recuperação de áreas desertificadas é alto. No Brasil não temos capacidade econômica para fazer esse tipo de investimento.”

Já a desertificação, explica, “deve-se à vulnerabilidade dos ecossistemas de zonas secas que cobrem um terço da superfície do Planeta, à superexploração e ao uso inadequado da terra. A pobreza, a instabilidade política, o desflorestamento, o sobrepastoreio e as más práticas de manejo afetam negativamente a produtividade do solo”, afirma.

“Em resumo, o deserto é uma condição natural de uma região ou paisagem árida ou semiárida, enquanto o processo de desertificação, além das características naturais secas, é condicionado pelas ação humana. Assim, a área perde, progressivamente sua produtividade a ponto de não conseguir mais se recuperar”.

Caatinga devastada

Ele explica que “o solo atinge um nível de degradação grave ou muito grave, de modo que há o empobrecimento das espécies vegetais do local, predominando apenas poucas espécies mais resistentes, até o ponto que o solo se torna improdutivo. Dessa forma, ameaça o desaparecimento de espécies nativas da Caatinga, daí a importância das unidades de conservação para garantir a preservação do patrimônio da biodiversidade”, justifica.

O processo de degradação da Caatinga começou a séculos, com os colonizadores que derrubavam grandes porções de vegetação nativa para criar gado. Com a derrubada da vegetação para plantar capim, os dois passaram a pisotear o solo que de tão compactado, nada crescia ali.

De acordo com o MapBiomas a Caatinga já perdeu pouco mais da metade de sua vegetação original e mais de 1/4 foi nos últimos 35 anos. Em 2021 a devastação de um salto maio com a detecção, pelo Inpe, de 2130 focos de queimada até 1º de agosto. O que representa uma alta de 164%, o pior índice para o período, dos últimos 9 anos.

Falta de políticas públicas

Humberto Barbosa diz que, apesar da gravidade da situação enfrentada pelo Semiárido e da perspectiva de piora, não há qualquer plano governamental para mapear a desertificação e combatê-la. A última iniciativa do governo federal nesse campo, afirma, foi o Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN), lançado em 2006, mas descontinuado.

Tampouco há um sistema nacional para monitorar o desmatamento na Caatinga e orientar ações de fiscalização e controle — diferentemente do que ocorre na Amazônia, que conta com os sistemas Prodes e o Deter, baseados em imagens de satélite.

Segundo o relatório do IPCC, sem ações contundentes para conter a mudança do clima, a Caatinga e outras regiões semiáridas do mundo “vão muito provavelmente enfrentar um aquecimento em todos os cenários futuros e vão provavelmente enfrentar um aumento na duração, magnitude e frequência das ondas de calor”.

Os maiores prejudicados pelas mudanças serão as populações locais: segundo o IPCC, elas tendem a enfrentar oscilações na quantidade e regularidade de água, o que impactará gravemente sua “segurança alimentar e prosperidade econômica”. Ou seja, vai ser impossível viver ali e o crescimento do êxodo de moradores rumo a outras partes do país será acelerado.

 

Fontea: BBC e Ufal