Segundo o presidente do Condisi-YY, Júnior Hekurari, cerca de 24 pessoas moravam lá (Reprodução/vídeo)

 

Após diligências à comunidade Aracaçá, na região de Waikás, Terra Indígena Yanomami, a Polícia Federal declarou em nota que não encontrou indícios dos crimes de estupro e morte de uma menina Yanomami de 12 anos, mas que dará continuidade às investigações. A nota foi assinada em conjunto com a Funai e a Secretaria de Saúde Indígena.

Mas o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, que fez a denúncia via ofício para as autoridades competentes e acompanhou as diligências in loco, disse à Mídia Ninja o que não foi revelado, contando detalhes com exclusividade.

“No sobrevoo vimos que a comunidade estava queimada. Segundo relatos, viviam lá, cerca de 24 yanomamis, mas não havia ninguém. Em todos meus 35 anos, nunca vi isso. Um Yanomami não abandona sua casa, a menos que seja uma situação muito grave. Quem queimou? Por que queimou? Para onde eles foram?”.

Junior acredita que tenha identificado lugar onde o corpo da menina possa ter sido cremado em ritual  (Reprodução)

Ele revela que a aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) pousou do outro lado do rio, em um ponto de garimpeiros. E então, um grupo de seis pessoas – três adolescentes e três adultos Yanomami que trabalhavam com os garimpeiros – se aproximou. “Eles pareciam tentar atrapalhar as investigações”.

O presidente do Conselho de Saúde Indígena, acredita que eles tenham sido orientados por garimpeiros.

“E o grupo que nos ligou, que nos informou sobre o caso, não estava lá. Percebemos que eles estavam com muito medo e não falavam quase nada”. Júnior acredita que além de terem sido cooptados por garimpeiros, também foram coagidos a desorientar as equipes com falsas informações.

“Nenhum deles soube informar para onde tinha ido os moradores da comunidade de Aracaçá e pareciam estar nervosos”.

Junior fez uma série de questionamentos ao grupo. O primeiro deles, perguntando sobre o paradeiro de uma mulher Yanomami que teve uma filha de um garimpeiro, mas este, lhe tomou a criança um mês depois de nascer e a levou para Boa Vista. A mãe ficou desesperada. Segundo o presidente do Condisi-YY, ela cometeu suicídio sem esperança de ver a criança de novo. “Eles falaram que tem entre um mês a dois que isso aconteceu, porque não tem muita noção sobre tempo”.

Já sobre outro caso que fora relatado a Júnior, ele perguntou ao grupo de indígenas: “Onde está Maria?”. E eles disseram: “Maria morreu. Foi estuprada e morta por garimpeiros venezuelanos. E então perguntei onde estavam eles. Os indígenas disseram que haviam ido embora”.

E então, Hekurari perguntou sobre a menina de 12 anos. “A gente não sabe, a gente não pode falar”.

Júnior emitirá uma nota nesta sexta-feira (29), alertando sobre a situação.

“Vou chamar antropólogos para nos ajudarem a entender o que pode ter acontecido, acionar a Hutukara [entidade mais representativa do povo Yanomami] e mostrar um lugar em que acho que o corpo foi queimado naquele local [que pode ser da menina, pois a cremação é parte do ritual fúnebre ]. Os moradores da comunidade podem estar escondidos na mata. Precisamos procurar essas pessoas”, informou. Há também a possibilidade de que os moradores da comunidade tenham ido embora. “E isso é muito grave. Qual seria o motivo?”. Ele ressalta que a comunidade tinha 45 pessoas antes e muitas vidas foram perdidas nos últimos tempos.

“Mas a PF colheu provas muito importantes e vai continuar a investigação. Os policiais queimaram a barraca dos garimpeiros e também encontraram documentos que eles deixaram no caminho, como se tivessem saído às pressas”.

Nesta quinta-feira (28), a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal cobrou a investigação e o esclarecimento das circunstâncias da morte da adolescente de 12 anos e de outra criança de 4 anos que a acompanhava e teria caído do barco dos invasores, no rio Uraricoera. A nota da PF diz que também não encontrou indícios do “óbito por afogamento”.

O MPF também divulgou nota, confirmando o que a PF disse, que foram colhidos relatos de indígenas da comunidade, “mas que as diligências demonstraram a necessidade de aprofundamento da investigação, para melhor esclarecimento dos fatos”.

E que após a conclusão dos trabalhos, “analisará as medidas cabíveis”.


Júnior relatou ainda notícias sobre um conflito entre garimpeiros ocorrido nesta semana em Xitei. Dois deles foram mortos. As denúncias de Júnior têm incomodado os garimpeiros: “já tem áudios de garimpeiros declarando guerra contra mim”.