Medicamento Albendazol está em falta nas unidades de saúde indígena (Valéria Oliveira/G1 Roraima)

 

A falta de medicamentos para tratar verminose se tornou um problema grave na Terra Indígena Yanomami. Em post nas redes sociais a Hutukara Associação Yanomami publicou fotos que registram casos extremos da doença, em que crianças chegam a expelir vermes pela boca.

A falta de Albendazol em todos os polos base da região – utilizado no tratamento da verminose -, foi alvo de denúncia em carta da Hutukara encaminhada ao Coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Yekwana (Dsei-YY), Ramsés Almeida, e ao presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami. A propósito, em junho, o Condisi-YY informou sobre a morte de duas crianças de três anos, vítimas de quadro grave de verminose e também, sobre a falta do medicamento.

A carta denuncia que há nove meses não há Albendazol disponível e detalha que a falta de água potável na região dominada pelo garimpo agrava ainda mais a situação. Segundo o documento, das comunidades atendidas pelo Dsei, apenas 10% têm acesso à água potável por poços artesianos e outros sistemas de acesso à água.

“A obstrução intestinal por bolo de áscaris [lombriga] faz com que nossas crianças cheguem ao ponto de expelir vermes pela boca. É inadmissível e mostra que há muito tempo não está sendo feito o tratamento com regularidade”, diz trecho da carta.

Imagem forte é usada em denúncia Yanomami (Divulgação/Hutukara)

A entidade também alerta para o aumento de mortes em decorrência da malária. Informa no documento que “o controle vetorial está sendo comprometido e acontecendo poucas vezes pela ausência de bombas, de veneno e de óleo. […] No Mucajaí, aos pacientes diagnosticados com malária, foi respondido que não havia remédios, pois o DSEI-YY não os tinha enviados”, comunicaram as lideranças.

Em várias regiões também identificaram mortes de pessoas com sintomas de Covid-19. Mas que não foram contabilizadas, por falta de testagem. Dessa forma, pedem também, que haja continuidade da campanha de vacinação, principalmente, de crianças.

Garimpo

São constantes os alertas sobre o colapso da saúde indígena, sem avanços. Para as sete lideranças que assinam o documento – representando seis regiões -, os problemas se intensificam com o avanço do garimpo ilegal. A atividade gera impactos diretos na alimentação, segurança e saúde das comunidades.

Novo alerta foi feito durante audiência da comissão externa da Câmara dos Deputados no dia 14 de julho, na qual entidades indigenistas e socioambientais denunciaram a “tragédia humanitária” à qual os indígenas da Terra Indígena Yanomami são vítimas.

Dário Kopenawa e Joenia Wapichana (Elaine Menke/Câmara dos Deputados)

À ocasião, o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Kopenawa, citou o caso da comunidade Homoxi para mostrar o avanço do garimpo ilegal sobre área que deveria estar protegida.

“A comunidade e o garimpo ficam muito próximos e, por isso, as nossas crianças estão tomando água contaminada por mercúrio, 615 yanomamis foram ameaçados de morte, os garimpeiros tomaram conta do posto de saúde Yanomami. Então, a Terra Yanomami e (as margens do rio) Uraricoera estão virando quase cidades, com cantinas e prostituição entre os garimpeiros ilegais”.

O geógrafo e analista do Instituto Socioambiental (ISA) Estevão Senra apresentou dados atualizados do relatório “Yanomami sob Ataque”: até abril deste ano, já havia 4 mil hectares impactados pelo garimpo ilegal dentro da terra indígena e mais de 40 pistas clandestinas a serviço de garimpeiros e narcotraficantes.

Em 2021, a região registrou quase 50% dos casos de malária do Brasil e hoje existem cerca de 3 mil crianças com déficit nutricional, segundo Senra. “Hoje, a Terra Indígena Yanomami é palco de uma das maiores tragédias humanitárias que estão ocorrendo no Brasil. Os dois vetores principais dessa crise são o avanço do garimpo ilegal e a má gestão do distrito sanitário, que se entrelaçam e vão se realimentando”, disse.

Apesar de anúncios de R$ 200 milhões de recursos públicos aplicados em saúde indígena, as lideranças ianomâmi reclamam da falta de medicamentos e materiais básicos. Também denunciaram indicações políticas para o comando dos distritos sanitários. A coordenadora da comissão externa, deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), já cobrou informações oficiais ao Tribunal de Contas da União e pretende pedir ao Supremo Tribunal Federal que determine providências ao Poder Executivo no âmbito de uma ação judicial (ADPF 709) já em curso.

“Realmente é uma crise humanitária. Nada justifica não ter remédio para vermes e questões básicas. É uma responsabilidade que tem de ser apurada. Uma vez que não tem uma providência enérgica para retirar garimpeiros, tem que se dar resposta para essa questão da saúde. Isso é mais do que urgente”, reclamou.

Questionado pela CNN, o Ministério da Saúde parece viver outra realidade. Por meio de nota disse que não há desabastecimento do medicamento albendazol ou outros fármacos, e alegou que continuam fazendo testes de covid-19 em áreas de maior incidência.

“O Ministério da Saúde, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e do DSEI-Y, informa que não há desabastecimento do medicamento albendazol ou outros fármacos. O estoque do distrito está reforçado e está sendo distribuído para abastecer os Polos Base da região. Além disso, uma nova recarga está prevista.

A Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena do DSEI-Y continua fazendo busca ativa por casos de Covid-19 e realizando testes em pacientes que vivem em áreas de maior incidência da doença. Não há falta de atendimento de saúde na região, uma vez que as equipes tem adaptado sua rotina de acordo com as especificidades e desafios de cada polo base ou aldeia.

O DSEI-Y está em constante vigilância do cenário epidemiológico, garantindo a melhor assistência aos povos Yanomami e Ye’kwana por intermédio de ações de promoção, prevenção e intervenção na saúde da população indígena da região.”