Já é motivo de tensão entre comunidades indígenas do Peru e Brasil, a construção iminente de estradas que comprometem a sobrevivência de povos dos dois países. Junto a comitiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o líder do povo Ashaninka, Francisco Piyãko participou de reunião no dia 22, com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux.
Piyãko, que é coordenador da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (Opirj), falou sobre o desastre que irá ocorrer com a construção das estradas entre Brasil e Peru, principalmente a que vai de Cruzeiro do Sul à cidade peruana Pucallpa, cortando o Parque Nacional da Serra do Divisor.
Atualmente, a construção de três estradas ameaça as comunidades indígenas e não-indígenas na proximidade da Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, do povo Ashaninka, na Aldeia Apiwtxa. Duas seguem pelo lado peruano, ligando as comunidades de Nuevo Italia a Puerto Breu, cortando as cabeceiras de rios essenciais para os povos daquela região.
Pelo lado brasileiro, a iniciativa de ligar a cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, a Pucallpa, no Peru, em uma rodovia que cortaria a Serra do Divisor, uma das regiões de maior biodiversidade do mundo, preocupa pelos riscos a territórios de indígenas em isolamento voluntário no país vizinho.
Piyãko explica que é preciso olhar outras formas de desenvolvimento para a Amazônia. “Nós aqui da Apiwtxa queremos compartilhar nossa experiência. O desenvolvimento não pode ser pensado apenas a partir de uma estrada, existem outras formas de viver bem aqui na floresta”, afirma.
Até o momento, não foi realizada qualquer tipo de consulta prévia com as comunidades afetadas.
“O que está ocorrendo nesta fronteira, é uma articulação entre os poderes brasileiros e peruanos para massacrar e destruir os povos tradicionais e acabar com a paz, naquele local. Nós estamos com os dias contados, diante de tudo que a gente enfrentou, esse pode ser o momento mais difícil de nossas vidas”, desabafou o líder Ashaninka.
Articulação
O presidente da Orau (Organização Regional AIDESEP Ucayali), Berlín Diques, esteve na aldeia Apiwtxa, na última semana, para juntar forças e apresentar informações da situação em seu país. Ele afirma que quem está financiando as estradas são grupos ligados ao narcotráfico e a exploração madeireira.
“No ano passado, em plena pandemia da covid-19, de abril de 2020 até fevereiro deste ano morreram seis líderes indígenas, de uma região de conflitos, somente por defenderem o território. Nós estamos sendo perseguidos pelas grandes máfias somente por defender o nosso território”, afirma Berlín.
Imagens de satélite mostram cerca de cinco pistas ilegais, construídas ao longo da estrada UC-105, entre Nuevo Italia e Puerto Breu. As pistas estão localizadas em uma das regiões com maior produção de coca do Peru.
Manifesto
Ao mesmo tempo, povos indígenas do Acre lançaram um manifesto se posicionando contra a construção da estrada, nesta semana. “Queremos escolher nosso modelo de desenvolvimento, com ações que melhorem a qualidade de vida e que sejam ao mesmo tempo sustentáveis, que se sustentam por muito tempo para que nossos netos e netas vivam bem”, cita o manifesto assinado por diversas organizações.
Marco Temporal
Ainda durante a reunião com o presidente do Supremo, a Apib, representado por sua Coordenadora Executiva, Sonia Guajajara, entregou uma Carta solicitando que a Corte reafirme o direito originário e refute o Marco temporal, o ministro se colocou à disposição das lideranças a fim de que se cumpra o direito indígena e contra a violação de direitos nos territórios.
Confira na íntegra o documento entregue ao STF pela Apib
PL ameaça biodiversidade da Serra do Divisor
Via Projeto de Lei, apoiadores do governo Bolsonaro tentam ao máximo impulsionar o projeto da rodovia que corta a Serra do Divisor. Em entrevista à Casa Ninja Amazônia, a ambientalista Angela Mendes comentou sobre a ameaça legislativa que tramita na Câmara Federal.
No pacote, além de ter como objetivo reduzir em 22 mil hectares a área da Reserva Extrativista Chico Mendes, o PL nº 6024/19, de autoria da deputada Mara Rocha (PSDB-AC) quer rebaixar o Parque Nacional da Serra do Divisor a uma Área de Proteção Ambiental, o que viabilizaria ainda mais a construção do trecho da rodovia BR-364 que chegará até o Peru.
“Na prática, não era necessário a mudança de Parque para APA. Bastaria seguir as condicionantes estipuladas respeitando as salvaguardas e principalmente o direito à consulta aos povos indígenas que serão impactados com a construção dessa estrada. Essa justificativa não cola. Eles dizem que beneficiaria o Acre como um todo, mas ao invés de fazer o novo trecho, deveriam era melhorar outros perímetros até Cruzeiro do Sul. Todo inverno tem de ser feita manutenção”, disse Angela à ocasião.
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